“É nas alturas de crise que crescem os verdadeiros líderes”

1970
Jorge Líbano Monteiro é secretário-geral da ACEGE

A ACEGE apela aos empresários e gestores para que tomem consciência da sua missão e não enfraqueçam os valores e as politicas de responsabilidade social sob a desculpa da crise ou da “inqualificável conduta do Estado “. Em entrevista, o secretário-geral da ACEGE, Jorge Líbano Monteiro, fala dos complexos desafios enfrentados pelas empresas, afirmando contudo que é nos momentos de crise que um líder pode e deve crescer.
Por VÍTOR NORINHA

Quais os grandes objectivos defendidos pela ACEGE? 
A ACEGE acredita que a vida de cada pessoa é criada por Deus, de forma única e irrepetível, sendo por isso demasiado importante e valiosa para não ser aproveitada em pleno e para que as capacidades de cada um não sejam fonte de felicidade para aqueles com quem convivemos.  Como associação de empresários e gestores, pretendemos aplicar esta certeza ao mundo empresarial, onde tantas vezes a dureza da realidade não se coaduna com a vivência de valores e actos de generosidade, acabando por fomentar vidas sem sentido, espartilhadas pela “esquizofrenia” da separação dos valores pessoais e dos valores profissionais.

Que diferenças existem entre a ética do gestor, do empresário e do funcionário? 
Importa destacar que a ética não é um atributo das empresas, mas das pessoas que as lideram. À semelhança de outros valores, a ética pode transformar-se num “bem contagiante”, ou seja, quando um líder não demonstra qualquer tipo de comportamento ético, é natural que não possa – e não tenha legitimidade para tal – exigir o mesmo dos seus colaboradores. Por outro lado, quando a empresa alicerça as suas acções em normas orientadas pela ética e se agir em compromisso com a mesma, facilmente consegue transmitir e exigir este valor às pessoas que trabalham na organização. A grande questão que se coloca aos empresários é que, teoricamente, a ética compensa, mas na prática, assistimos permanentemente a casos em que práticas de fraude e corrupção resultam em bons negócios.

O que será eticamente correcto o Estado português fazer perante as empresas? Pagar a tempo e horas? Cumprir os contratos? Defender as empresas nacionais? 
O Estado português tem uma primeira e enorme responsabilidade perante as empresas e toda a sociedade. Deve actuar de forma exemplar, comportando-se como uma “entidade de bem”, preocupado em servir os seus cidadãos e as empresas, potenciando uma sociedade civil actuante e independente, capaz de fazer crescer Portugal como um país de pessoas e não de “pedintes” de um Estado todo-poderoso.

Nesse sentido, é de estranhar que seja um problema de liquidez da economia, a par do perigo da depressão, que tenha pressionado o Governo a, finalmente, pagar as suas dívidas que tanto têm afectado as empresas portuguesas.

Julgamos incompreensível que, devido ao calendário eleitoral, se aumentem os salários da função pública em 2,9%, numa altura em que se avizinha um dos anos mais difíceis desde 1974 e em que assistimos, um pouco por todo o mundo, à redução de pessoas nas empresas e a acordos para diminuição da massa salarial.  O sentimento generalizado que se vive actualmente é de que o Estado não é uma “entidade de bem” e que, de alguma forma, a corrente de confiança parece ter sido quebrada, dificultando, em muito, a resolução desta crise e a vida das empresas.

A ACEGE defende a existência de um código de conduta geral para empregadores e empregados no domínio da relação laboral? 

A ACEGE defende que a existência de um conjunto de valores partilhados por todos aqueles que colaboraram na vida empresarial é essencial para o bom desenvolvimento das organizações e para a sua coesão.  Na verdade, sempre temos defendido – e a história prova-o – que o sucesso empresarial e a dignificação dos trabalhadores não são realidades opostas, mas realidades que se complementam e potenciam mutuamente. Assim, empregadores e trabalhadores não são adversários mas, pelo contrário estão unidos na prossecução de objectivos comuns.  Ambos precisam uns dos outros, ambos têm responsabilidades e deveres, ambos têm de ser competentes, produtivos e úteis para a empresa porque, através do seu trabalho, são responsáveis pelo sucesso da empresa e, consequentemente, pela manutenção do seu próprio emprego e pelos empregos dos outros.

Até que ponto a ausência de princípios na sociedade civil se transfere para o meio familiar? E Até que ponto esse aspecto é desestruturante na relação conjugal, na relação pais/filhos e na relação patrão/empregado? 
Acreditando que a família é a célula base de toda a organização, estamos também conscientes que a estrutura familiar se alterou, trazendo com ela novos desafios, nomeadamente para o interior das empresas. Neste contexto, torna-se ainda mais importante o apoio por parte das empresas no que respeita à conciliação família/ trabalho para fazer face aos novos modelos familiares, que originam vidas quotidianas muito mais complexas.  As empresas, onde passamos grande parte das nossas vidas, têm a obrigação e a necessidade de promover os seus colaboradores de forma integral, estando atentas ao desenvolvimento dos seus projecto de vida pessoal, onde a empresa deverá estar muito presente mas sem aniquilar, pela pressão e pelo tempo exigido, a possibilidade da realização pessoal.  Infelizmente esta não é ainda uma noção adquirida pela maioria das empresas e ainda existem muitas pessoas que se deixam iludir pela primazia da carreira sobre a família e sobre os seus valores pessoais, acabando por, mesmo experimentando o êxito e o sucesso, viverem um sentimento de “vazio” e não sentido para a vida.

Que proposta a ACEGE faz aos empresários e gestores neste início de ano? 
A pobreza e o desemprego permanecem como dois dos principais problemas da sociedade portuguesa e há um risco não negligenciável de se agravarem no próximo ano. Todos os empresários e gestores deverão interiorizar a importância do seu papel neste contexto, assumindo-se como verdadeiros líderes sociais, gerando confiança e agindo de forma positiva e solidária, sobretudo em contextos de grande dificuldade. Nesse sentido, o apelo da ACEGE é para que os empresários e gestores, nas empresas pelas quais são responsáveis, paguem pontualmente as suas dívidas, não contribuindo para o agravamento da crise, nem tirando partido dela, tão pouco usando como justificação a inqualificável conduta do Estado nesta matéria.

A ACEGE apela a todos os empresários e gestores para que não enfraqueçam as políticas de responsabilidade social das suas empresas.  É nos momentos de crise que crescem os verdadeiros líderes e se percebe claramente quais os empresários e gestores que aderiram à responsabilidade social por moda ou visibilidade e aqueles que realmente aderiram a ela por saberem que o homem, o centro de toda a vida económica, deve ser sempre dignificado.

Artigo publicado originalmente no jornal OJE de 19 de Janeiro de 2009. Publicado com permissão.