Alexandre Relvas: intervenção no almoço ACEGE

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Há que promover na sociedade portuguesa uma nova cultura e uma cabal valorização das empresas e dos empresários.

Quem o afirma é Alexandre Relvas, orador convidado pela ACEGE para falar sobre o contexto económico e a competitividade das empresas em Portugal. Em retrospectiva e tendo como horizonte temporal os últimos 20 anos, o empresário deu a conhecer as principais causas que continuam a contribuir para que o nosso país continue a empobrecer face aos demais da União Europeia, fala de uma “geração perdida” e defende que as palavras-chave da política económica têm de passar a ser empresas, competitividade e exportações
POR HELENA OLIVEIRA

Temos como destino um empobrecimento contínuo face aos demais países da União Europeia? É isto uma fatalidade? Por que motivo não conseguimos evoluir? O que é que teríamos que fazer diferente, eventualmente, para ultrapassar esta incapacidade?

Foi com estas questões que Alexandre Relvas deu início à sua “lição” sobre o contexto económico e a competitividade das empresas em Portugal, munindo-se de um conjunto alargado de estatísticas, estudos, comparações com os demais países da União Europeia, a par de variadas reflexões. De uma forma geral, o seu discurso pode dividir-se em duas grandes partes, A primeira, e tendo o ano 2000 como ponto de partida e o presente como ponto de chegada, elucida-nos sobre uma “geração perdida” que não soube aproveitar as oportunidades. A segunda parte (a ser publicada na próxima semana), virada para a esperança e para as novas gerações, mostra-nos como podemos contar com novos e positivos factores que têm a capacidade de colocar Portugal no rumo certo da competitividade e desenvolvimento.

A evolução da realidade económica e as baixas taxas de crescimento

Discutido ao longo da campanha eleitoral, o problema das baixas taxas de crescimento que o país tem vindo a conhecer ao longo de aproximadamente os últimos 25 anos foi, para o orador, o ponto de partida da sua prelecção.

Em média, Portugal teve, desde o ano 2000, taxas de crescimento de pouco mais de 0.7, as quais se encontram entre as mais baixas de todos os países da OCDE. SE o número impressiona, mais grave se torna ainda quando analisado em termos acumulados e comparativamente às taxas de crescimento médias da UE ou dos países da coesão. Como afirma, “se tivéssemos tido a taxa de crescimento média da União Europeia, teríamos alcançado crescimento acumulado ao longo destes 25 anos na ordem dos 40%; se tivéssemos acompanhado o crescimento dos países da coesão, teríamos chegado aos 90%”. Ou seja, explicita, o PIB português, que anda à volta de 260 biliões [mil milhões]de euros, se tivesse tido o crescimento dos países da coesão, ascenderia a mais €85 biliões  e, caso acompanhasse o crescimento comunitário, seria superior em 20%.

Neste caso, e como alertou, não nos podemos referir apenas ao passado, bastando ter em linha de conta as previsões de Outono da União Europeu divulgadas recentemente: o crescimento que se espera de Portugal é de 1,2 a 1,3% em 2024 e 1,7 a 1,8% em 2025. Por exemplo e comparativamente à Polónia e à República Checa, o seu crescimento está estimado em 2,7% e 3,2%, respectivamente, o que comprova que Portugal se continua a afastar dos países da coesão.

E, como afirma, “a reflexão que vale a pena ter em linha de conta é que os fundos comunitários, os valores que vamos receber do PRR neste quadro comunitário, que vão ascender a 59 biliões € – ou seja, 3% a 4% do PIB até 2029 -, não vão potenciar a taxa de crescimento da economia”.

Voltando aos últimos 25 anos: Portugal não potenciou as taxas de crescimento da economia, mesmo tendo recebido mais de € 100 biliões da União Europeia ao longo deste período de tempo.

dívida pública do país entre 2000 e 2023 (que atingiu, em 2020, o ponto mais alto), aumentou cinco vezes, para cerca de €200 biliões.

A dívida externa aumentou quatro vezes – de 34 biliões para €152 biliões e a dívida privada também aumentou colossalmente (em 2011 tínhamos uma dívida privada, de longe a maior da União Europeia, de 252% do PIB e ainda hoje é superior a 180%).

“Portanto, não potenciámos as taxas de crescimento e tivemos estes níveis brutais de endividamento”, reforça. Para além disso, recorda ainda, a seguir a 2011, foi vendido imobiliário e passada para o exterior uma grande parte das principais empresas portuguesas, de que são exemplo a ANA, a EDP, a REN, a PT, o Novo Banco, o BCP, o Banif, o BPI, a Tranquilidade, a Fidelidade, a Cimpor, a Luz Saúde, o Terminal de Contentores, etc.. “Passámos maciçamente os centros de decisão empresarial para o exterior e portanto, este é o balanço da utilização de fundos comunitários e do endividamento e que deu origem, passados estes 20 anos, a este valor de taxas de crescimento”, acrescentando ainda que “não devemos ter esperança no que respeita aos fundos comunitários”.

Para Alexandre Relvas, este volume de endividamento é um “sintoma claro” ou “uma boa imagem do falhanço” não só dos poderes públicos, como de uma geração inteira.

Consequências e dimensões da má prestação económica

PIB per capita. O PIB per capita português em 2000 era de 85% comparativamente ao da média da União Europeia, quando neste momento é de 77%. A Roménia, que o governo critica fortemente, tinha 27% do PIB per capita quando Portugal tinha 85% e neste momento o mesmo é igual para ambos os países, com a República Checa a ter agora 91%, o mesmo acontecendo com a Polónia. Ou em suma, fomo-nos diferindo neste indicador e o atraso continuará.

Remuneração média dos trabalhadores portugueses. Em 2000, Portugal apresentava uma remuneração média que era 87% da média comunitária, tendo passado para 76%. Ou seja, Portugal obteve um crescimento de 167% da remuneração ao longo destes 20 anos e a Polónia e a República Checa cresceram 259% e 266%, respectivamente, apresentando agora um nível de rendimento igual ao nosso.

Como afirma o gestor, as taxas baixas de crescimento explicam também por que motivo Portugal não é um país de oportunidades. Mencionando notícias recentes relativamente ao Atlas da Emigração Portuguesa, Relvas recordou que Portugal é o país da Europa com mais emigrantes e o oitavo do mundo, frisando que o que se afigura de mais perturbador nestas estatísticas reside no facto de 30% das pessoas nascidas em Portugal, entre 25 e 39 anos, terem saído do país.

Ou seja e como reforça, Portugal não é um país de oportunidades para a geração mais preparada de sempre e são várias outras as estatísticas sobre a emigração que o comprovam. Se tivermos em linha de conta os dados sobre a formação das pessoas que emigram, 50% têm formação universitária e 16% têm o ensino básico. Em 2000, mais de 50% da população que emigrava tinha o ensino básico. Portanto, “a geração mais qualificada de sempre não acredita no país”, diz.

Um outro factor elencado está relacionado com a não erradicação da pobreza. Há cerca de 20 anos, 20% da população portuguesa era pobre. Hoje o valor desceu ligeiramente, para os 17%, com a particularidade de, e antes das prestações sociais, 41% portugueses serem pobres.

Para o Administrador da Logoplaste, e se levarmos em linha de conta a taxa de crescimento, o endividamento, a venda de activos, o nível salarial, a emigração, estas estatísticas traduzem bem um falhanço colectiva, que obriga a um mudar de caminho.

Os problemas da qualificação, do peso do Estado, da afectação de recursos e da produtividade

Um outro factor referido por Alexandre Relvas está relacionado com a profunda injustiça do contrato entre gerações em Portugal, ou o peso insuportável da dívida que será pago nos próximos 20 a 30 anos. Referindo o Ageing Report da União Europeia e no que respeita ao sistema de pensões, os portugueses irão receber, em média e em 2025, 85% do seu último salário. Em 2040, o valor passará para 54% e em 2050, descerá para metade, para 43,5%.

“Estamos assim perante um país entre os mais pobres da União Europeia, com uma dívida que será paga pelas novas gerações e com uma economia pouco competitiva”, acusa. Para o gestor, devia ser feito um desafio aos partidos no sentido de se criar uma figura de ministro do futuro, fazendo contas dos dinheiros que se gastam e dos valores dos encargos para as novas gerações, e que os acautelasse.

Entre as causas primárias desta realidade, o gestor acrescentou ainda o problema de qualificação e afectação de recursos, o qual se prende se com as políticas públicas. Por outro lado, existe também um problema de produtividade, por hora trabalhada, relacionado com a realidade empresarial portuguesa.

Explicando que, a seu ver, existe neste campo um conjunto de responsabilidades, o gestor afirma que a herança que o Presidente da República e o primeiro-ministro deixam do seu período como governantes é resultado de incapacidades do Executivo para responder às questões e desafios do país. Todavia, acrescenta, é também um problema da sociedade civil e tem igualmente muito a ver com a qualidade e com o trabalho que os empresários têm vindo a fazer nos últimos anos.

Todavia, Alexandre Relvas também reconhece que o país tem feito um bom trabalho nos últimos anos, nomeadamente no que respeita à educação. A título de exemplo, foi feito um esforço notável ao nível do abandono escolar, diz, cujas taxas em 15 anos caíram de 40% para cerca de 6,5%, tendo contudo aumentado agora para os 8%, o que não é grave, mas que nos obriga a tentar perceber se nos estamos a desviar do bom caminho.

Mas e apesar disso, e mais uma vez socorrendo-se das estatísticas, o gestor recorda que apenas 60% dos portugueses entre os 25 e os 64 anos de idade completaram o ensino secundário, quando na Europa esse valor ascende aos 80%. Assim e tendo em conta este indicador, e só com Malta e a Itália a equipararem-se ao nosso país, Portugal é o país com menores qualificações dentro da União Europeia, com os demais a terem valores manifestamente acima dos 80%. Adicionalmente, há outras estatísticas que comprovam bem a má herança do passado, nomeadamente o facto de 24% da população portuguesa com mais de 16 anos ter completado e no máximo o primeiro ciclo do ensino básico. Como realça, esta realidade determina não só a qualidade da mão-de-obra nacional, mas também a qualidade dos empresário e, consequentemente, o impacto na competitividade.

Por outro lado, e em relação à afectação de recursos, há que contar também com o peso do Estado. Na última década, refere, a média da despesa pública em relação ao PIB foi de 46,7%, o que se traduz numa carga fiscal excessiva que foi crescendo ao longo dos anos e que em 2000 não ultrapassava os 30,9%. Em 2022, foi de 36,4%, o que significa que cresceu 5,5%. Se contas forem feitas, e tendo em conta o PIB, os portugueses transferiram para o Estado mais 13 biliões de euros do que teriam sido transferidos caso se tivesse sido mantido a carga fiscal do ano 2000. Se compararmos com o IRC e o IRS, que em Portugal “valem” 25 biliões de euros, e se tivesse sido mantido o rigor fiscal que existia em 2000, hoje seria possível ter-se metade do IRC e metade do IRS. “A verdade é que existe uma transferência maciça[de impostos], o que esgota a sociedade”, remata.

Adicionalmente, o Estado tem um número de funcionários que anda à volta de 742 mil, o que equivale a 14% da população activa. E impressionante, diz, é o facto de que desde 2015, em períodos de corte da despesa pública e de digitalização, o número de funcionários públicos ter aumentado em 83 mil.

Para além disto, temos um quadro legal com impacto negativo na competitividade da economia. As leis estruturantes da economia e da sociedade portuguesa não favorecem a eficiência na utilização dos recursos. Basta pensar na lei das rendas, na legislação laboral, nos licenciamentos, na legislação de falências, no direito de concorrência e no sistema fiscal.

Neste momento discute-se muito o IRS e o IRC, mas vale a pena recordar um estudo que a CIP apresentou aqui há uns anos, que chamava a atenção que havia em Portugal 4300 taxas, das quais 2900 da administração central e destas, só 600 relacionadas com o ambiente. Ou seja, quando se fala nesta carga fiscal e em mexer no sistema fiscal hoje, além da carga burocrática, administrativa, há uma dificuldade de relacionamento com o Estado que resulta desta multitude de taxas.

Já no que respeita à Justiça, foram apresentados recentemente alguns números que espelham bem o seu atraso. Alexandre Relvas apresentou igualmente alguns dados. Por exemplo, o tempo médio de resolução dos processos administrativos em primeira instância em Portugal são 792 dias, o que se traduz no dobro da média da União Europeia, com a generalidade dos seus países mais desenvolvidos com menos de 100 dias para resolução destes problemas. Mais ainda e de acordo com a Direcção-Geral de Política de Justiça, a duração média de um processo de falência, considerando todas as etapas, são 68 meses. Ou seja, e como acusa, “ a decisão de falência leva cinco anos e é impossível viver com empresas moribundas, retirando, ao mesmo tempo, oportunidades a novas”. Portanto, conclui, existe um problema de afectação de recursos e um problema de quadro legislativo associado à nossa realidade económica.

Por outro lado, e se existe um outro importante indicador que traduz as razões das limitadas taxas de crescimento, ele é, sem dúvida, a produtividade do trabalho.

Como declarou, no ano 2000, produtividade do trabalho em Portugal correspondia a 67% da média da União Europeia, com a mesma a ser ainda mais baixa em 2022, não ultrapassando os 66%. De acordo com o gestor, o país não teve nenhuma evolução em termos da produtividade do trabalho, sendo que a responsabilidade não é só dos poderes públicos, mas também dos empresários. Comparativamente e pior que Portugal em termos de produtividade do trabalho, só a Bulgária, a Grécia, a Letónia e a Polónia, com países como a Alemanha, a Bélgica, a Dinamarca, os Países Baixos, a Islândia, a Áustria ou Suécia a apresentarem o dobro da nossa produtividade. Tal demonstra que existe um longo caminho a percorrer, sem esquecer que só com um aumento da produtividade será possível atingir-se um crescimento sustentável, o que vai obrigar também a aumentar a capacidade competitiva das empresas e a sua capacidade exportadora.

Alexandre Relvas sublinhou ainda que a evolução da produtividade em termos empresariais depende da qualificação do capital humano, da qualidade das pessoas que trabalham na emprese e da capacidade que há de inovar. Mais uma vez, em 2000 o stock líquido de capital por pessoa empregada em relação à média da União Europeia era de 56% em 2000, tendo descido para 50% em 2022. Para o gestor, é impossível aos trabalhadores portugueses terem níveis médios de produtividade iguais aos dos outros países, na medida em que, e apesar de existir uma situação dual, estes não trabalharem com os mesmos meios e condições de produção. E é esta situação que faz depender a nossa competitividade do custo da mão-de-obra.

Imperativo é também falar da evolução, ainda que positiva, da inovação, mas a qual deixa também ainda desejar, na medida em que se traduz em 66% da média da União Europeia. Em 2000, o investimento em inovação correspondia a 0,2% do PIB, sendo que na actualidade o valor é de 1.8%. Já na transição do século, o valor de investimento da União Europeia era superior ao de Portugal e hoje é de 1,47%.

Adicionalmente, a competitividade de uma economia não depende dos sectores em que aposta, mas sim da qualidade das empresas e da sua capacidade exportadora. Depende também do nível de gestão, da capacidade que tem de inovar e do nível tecnológico da cadeia de valor. “Portanto, a inovação, o conhecimento, são absolutamente decisivos”, remata.

Necessidade de novos paradigmas para o crescimento

Para o Administrador da Legoplaste, só é possível potenciar o crescimento se tivemos uma nova perspectiva sobre a criação de riqueza, sobre o papel central e decisivo do sector empresarial na economia do paísE, para tal, é imprescindível que existam relações de confiança não só entre o Estado e as empresas, mas também entre a sociedade e as empresas, algo que consiste numa mudança fundamental face ao que tem prevalecido nos últimos anos.

A seu ver, a prioridade da política económica do Estado nos últimos anos tem tido como objectivo central, de uma forma geral, maximizar a distribuição para os grupos sociais, que são a base eleitoral do governo, com base no aumento da carga fiscal sobre a classe média.

O segundo eixo é um aumento do peso do Estado na sociedade e na economia, o que aconteceu relativamente aos  contratos de associação no ensino e às PPPs da saúde é um excelente exemplo E há ainda um terceiro eixo, esse positivo, que é uma preocupação de que toda a política orçamental seja feita no quadro dos limites europeus e, portanto, com o objectivo de equilíbrio orçamental.

Todavia, e tendo em conta esse peso excessivo do Estado, para Alexandre Relvas, a realidade tem de ser completamente diferente. A seu ver, as palavras-chave da política económica têm de passar a ser empresas, competitividade e exportações. “Tem de haver uma obsessão pelas empresas, uma obsessão pelo aumento das exportações, uma obsessão pelo reforço da capacidade exportadora do país”.

Por fim, e falando de um outro novo paradigma, Relvas afirma que para se entrar num novo ciclo em que se potencia a criação de riqueza, há igualmente que promover na sociedade portuguesa uma nova cultura e uma cabal valorização das empresas e dos empresários por parte do Governo.

Para o gestor, Portugal precisa de muitos empresários com níveis de formação e abertura ao mundo. E diz estar a notar uma diferença fundamental nos jovens empresários face à geração que os precedeu no que respeita, nomeadamente, à perspectiva que têm do capital. “Os jovens empresários, na generalidade, não têm a ideia de que o capital tem de ‘ser tudo meu’. Têm, pelo contrário, um sentido de abertura do capital. E em termos de mercados estão virados para  a Europa, para o mundo”.

Por outro lado e para os gestores mais jovens, para além da defesa de empresas fortemente digitalizadas, existe uma grande preocupação de se reunirem pessoas qualificadas, de talentos. “A grande preocupação é a capacidade das pessoas, não o baixo custo da mão-de-obra, sendo que esta nova geração pode ter um impacto enorme em termos da evolução da economia no futuro próximo”.

E é sobre esta nova geração que versará a parte II deste artigo, a ser publicada na semana que vem.

Foto: © Católica Lisbon Business & Economics