“Uma realidade que transforma o país”

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Mais do que transformar o país, é necessário primeiro identificar as suas fraquezas, bem como o seu potencial, assumindo-se este desafio como o mais problemático entre os que foram discutidos nos dois dias do VII Congresso da ACEGE. Se João Castelo Branco está consciente dos diversos males que assolam o país, mas optimista no que respeita ao seu espírito empreendedor, Margarida Mano centra a sua “resposta” na criação de valor e numa cultura de excelência precedida pela exigência. Por seu turno, Francisco Mota sj acredita que um projecto comum que gere o entusiasmo de todos poderá ser o caminho, ao passo que João César das Neves, sempre igual a si mesmo, “perturbou” a audiência com a defesa da ideia que Portugal só se transforma quando o quisermos deixar de o fazer. O painel terminou com Cristina Vaz Tomé a apresentar os principais resultados da reflexão sobre o tema que tem vindo a ser feita pelos 50 grupos «Cristo na Empresa» nos longos meses que precederam o congresso

 

«É preciso querer deixar de transformar o país»

JOÃO CÉSAR DAS NEVES, CLSBE

João César das Neves lança o tema, reflectindo sobre o que pode mudar o país. Esta partilha começa com uma ideia simples: é fácil transformar o país, pois a decadência é uma forma de mudança. Se nada se fizer, o tempo tratará de a tornar realidade. Dadas as várias interpretações possíveis, João César das Neves clarifica que o que se pretende não é a transformação, mas a reforma e a conversão do país.

Governos, Oposição, Sindicatos, Patrões, enuncia. Toda a gente quer mudar o país. E algumas empresas até almejam fazê-lo ao mundo. Esta confluência de vontades cai por terra quando se começa a tentar perceber o que de facto significa esta palavra. João César das Neves revela a existência de um paradoxo em todas estas ideias: só se consegue transformar o que se ama, mas quando se ama não se quer transformar. Como será então possível mudar o país? O orador tenta responder a esta questão através de algumas ideias. Querer deixar de transformar o país é a que se destaca.

«Apenas existe uma sociedade justa quando há organizações bem geridas, rentáveis e de excelência»

JOÃO CASTELO BRANCO, Semapa

João Castelo Branco inicia a sua intervenção com uma frase marcante: não há nenhum país que consiga acudir a todas as pessoas sem antes conseguir gerar riqueza e as empresas têm aqui um papel essencial. Apenas existe uma sociedade justa quando há organizações bem geridas, rentáveis e de excelência.

Ao contrário do que muitas vezes se pode achar, as empresas são instituições de bem comum, que encontram soluções para clientes, que motivam e remuneram colaboradores, que se relacionam com fornecedores e que pagam uma pesada carga de impostos. Nesta sua contribuição, o gestor assegura que uma organização assim consegue acrescentar valor enquanto apresenta resultados. Porém, usando uma acepção a Ford, João Castelo Branco afirma que a empresa não serve apenas para gerar lucro.

A trajectória económica do país não é positiva. Portugal apresenta um crescimento abaixo da média europeia, há uma proliferação de baixos salários e uma dívida elevada. O orador faz parte do Business Roundtable Portugal e trouxe várias ideias da associação para o congresso. João Castelo Branco enfatiza três áreas de trabalho: as pessoas e as suas capacidades; o tecido empresarial; o Estado e a sua influência no crescimento da economia.

Em Portugal, 50% dos trabalhadores tem habilitações académicas correspondentes ao ensino secundário, pós-secundário e superior, um valor abaixo da média europeia. Há uma necessidade de reskilling e as empresas podem ter um papel relevante na alteração do paradigma, pedindo ao ensino que prepare para as necessidades do mercado.

O tecido empresarial é composto maioritariamente por empresas pequenas que têm falta de capital próprio e acesso a poucas oportunidades. Mesmo assim, há alguns desafios que podem ser resolvidos por estas instituições.

Para as restantes dificuldades, há que apelar à acção do Estado. O Instituto Nacional de Estatística (INE) perguntou às empresas quais as suas maiores dificuldades. Para João Castelo Branco os resultados foram surpreendentes. A maioria dos inquiridos revela o sistema judicial, a instabilidade do sistema fiscal e as burocracias inerentes aos licenciamentos como os maiores desafios. Para que haja uma alteração, o orador sugere que os empresários e gestores usem o seu direito de cidadania e exponham estes problemas.

A intervenção termina com uma nota positiva. Portugal, antes da pandemia, retomou uma senda de crescimento, sobretudo graças às exportações (destacando-se o turismo, a indústria e a agricultura). O país tem, na perspectiva de João Castelo Branco, todas as condições para ter um espírito empreendedor que é capaz de levar Portugal mais longe.

« A educação é essencial para a construção de uma cultura de exigência»

MARGARIDA MANO, vice-reitora da UCP

Margarida Mano destaca a criação de valor como essencial para a transformação do país. Na comparação com os restantes países da União Europeia, Portugal encaixa-se nos patamares inferiores, para além de apresentar assimetrias consideráveis.

A concentração de riqueza em zonas específicas pode fazer com que aqueles que delas não saiam tenham uma ideia errada do país. Segundo a vice-reitora da Universidade Católica Portuguesa, há pouca criação de valor e uma desertificação do território. A criação de valor obriga à busca pela excelência e pela exigência, pois a transformação não pode ter atalhos ou mostrar complacência.

A ex-ministra afirma que a educação é essencial para a construção de uma cultura de exigência. Para a sociedade, a curiosidade, a ambição e o espírito crítico são essenciais. Já as narrativas únicas, assimiladas de forma acéfala, são forma de manter o estado das coisas sem qualquer mudança.

«Há que resolver o problema de fundo – ter um projecto que entusiasme todos»

FRANCISCO MOTA sj, Brotéria

Para Francisco Mota SJ, o bem comum permite que qualquer um chegue ao seu potencial. Quando se fala em bem comum, não se pode apenas pensar em bens materiais ou económicos, pois é uma visão redutora. Não é na materialidade que se encontra o princípio, mas antes na cultura. Segundo o pároco, é na literatura, na família ou num projecto político comum que se constrói e se encontra o bem comum.

Francisco Mota SJ é o diretor-geral da Brotéria, um pequeno centro cultural jesuíta, com exposições e uma biblioteca, localizado no Bairro Alto. São recebidos 40 mil visitantes por ano. Neste centro cultural, a hospitalidade é central e obedece a uma tradição beneditina. Quem recebe não sabe quem vem ou o que vão fazer a este espaço cultural. Não é o conteúdo de quem é recebido que importa, mas o modo como entra no espaço.

A Brotéria procura uma relação com a verdade e a justiça, tentando anunciar o que de bom existe e denunciar o que precisa de melhoria. Esta é, para Francisco Mota SJ, uma boa forma para transformar o país. Através de conversas sobre as questões fundamentais da sociedade com public intelectuals das mais diversas áreas, pode criar-se valor com pertinência e relevância.

O sacerdote conclui relembrando a importância de instituições fortes, como universidades ou centros culturais, que se aproximem com o modo «a paz esteja convosco», conforme Jesus Cristo. Para transformar o país, reforça, tem de se resolver o problema de fundo – ter um projecto que entusiasme todos.

«Integração de migrantes, silver economy e promoção da cultura do encontro são contributos fundamentais à transformação»

CRISTINA VAZ TOMÉ, ACEGE/CnE

Cristina Tomé apresenta o resultado da reflexão sobre a transformação do país feita no seio dos grupos «Cristo na Empresa». É uma iniciativa de enorme sucesso que junta até 10 pessoas na discussão de temas profissionais à luz de uma matriz cristã. Durante três meses, reflectiu-se sobre as realidades que se transformam, os processos de transformação nas empresas, e, mais tarde, no país.

Para estes participantes, o primeiro ponto referido como preocupação foi a constatação da pobreza em Portugal. Cristina Tomé destaca o número de pessoas em situação de pobreza, onde se incluem muitos indivíduos empregados, o fraco crescimento do país, o aumento da desertificação e do fosso entre os mais pobres e os mais ricos. De um certo modo, os membros destes grupos de reflexão mostram-se preocupados com aspectos semelhantes aos partilhados por Margarida Mano e João Castelo Branco nas suas reflexões.

O inverno demográfico é igualmente uma dificuldade que aflige os integrantes dos grupos «Cristo na Empresa». Para além do impacto das mudanças da pirâmide demográfica, destacam-se as consequências desta realidade na Segurança Social, principalmente a redução de garantias de acesso a pensões de reforma. Cristina Tomé revela ainda a preocupação com a grande dependência do Estado e com a perpetuação da ideia de que apenas o Estado consegue resolver os problemas, obrigando à sua ubiquidade.

A existência de redes de favores, a fragilidade da educação e a falta de formação dos trabalhadores são realçadas por estes intervenientes, assim como a perda do valor da família e do bem comum.

Não obstante as observações, são apresentadas possíveis soluções para estes desafios. Uma boa liderança será capaz, tanto nas pequenas como nas grandes coisas, de ultrapassar estas dificuldades identificadas. A ela juntam-se o associativismo e o trabalho em rede. Desta forma estabelece-se diálogo que permite contribuir positivamente para a sociedade civil. Cristina Tomé identifica, igualmente, a integração de migrantes e a silver economy, juntamente com a promoção da cultura do encontro, como contributos fundamentais à transformação.

Texto: Pedro Isidoro da Silva

Fotos: © António Vale

Artigo no VER.