Pôr termo a uma cultura de atraso

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O Governo aprovou o regime de Contabilidade de Caixa em IVA, que permite aliviar o estrangulamento das empresas ao nível de liquidez. Numa Europa onde todos os dias dezenas de PME abrem falência por não receberem as facturas que emitem, os mecanismos contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais reforçam-se também em Portugal, com a transposição da Directiva Europeia 2011/7/EU. O Diploma visa enfrentar “um problema crucial em toda a EU”, que se repercute na sustentabilidade das empresas e nos números do desemprego. O VER explica os esforços de promoção de uma cultura de pagamentos pontuais, traduzidos na Lei
POR GABRIELA COSTA

O Governo aprovou em Conselho de Ministros o regime de Contabilidade de Caixa em IVA. O novo regime, que deverá entrar em vigor no dia 1 de Outubro, aplica-se a todos os sujeitos passivos deste imposto que tenham um volume de negócios anual até 500 mil Euros, o que deverá abranger 85% do tecido empresarial.

Sendo facultativo para as empresas, permitirá às que quiserem aderir o adiamento da entrega do IVA que liquidam aos seus clientes para o momento do efectivo recebimento (em vez da data da emissão da factura, como sucede actualmente), até um prazo máximo de 12 meses. Mas os sujeitos passivos permanecem obrigados a liquidar o IVA devido no último período de cada ano civil, independentemente do respectivo recebimento (ou não recebimento).

Acresce que, em contrapartida ao alargamento do prazo para entrega do imposto ao Estado, as empresas que optarem por este regime só poderão deduzir o IVA que os seus fornecedores lhe liquidarem depois de o pagarem. De sublinhar também que a adesão ao regime de Contabilidade de Caixa em IVA implica uma obrigação de permanência por um período mínimo de dois anos.

Finalmente, e ao contrário do que foi noticiado nos dias seguintes à aprovação do novo regime relativamente ao levantamento do sigilo bancário, esclareça-se que não será necessário que as empresas autorizem o acesso directo às suas contas bancárias, como esteve previsto. A garantia foi já dada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, que explicou que o objectivo do Governo é criar o mínimo de restrições à adesão das empresas ao novo regime.

Este novo regime resulta, aliás, dos esforços governamentais para incentivar as empresas cumpridoras com benefícios que façam face às vantagens que encontram, nas suas ‘manobras’ para o incumprimento, as empresas devedoras, e enquadra-se no âmbito do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de Maio. O diploma transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2011/7/EU, procedendo à revisão do anterior regime que estabelecia medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, e entra em vigor a 1 de Julho.

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Gestão financeira em dia
A maioria das transacções comerciais na União Europeia (UE) é paga num prazo mais ou menos alargado, isto é, o fornecedor ou o prestador de serviços concede ao seu cliente um prazo para o pagamento da factura. Este sistema generalizou, contudo, o incumprimento no que respeita a pagá-las depois do prazo acordado, sendo hoje frequente, em toda a Europa, que as facturas continuem sem ser pagas, muito para além do limite do prazo.

Obviamente, as repercussões negativas na liquidez e na gestão financeira das empresas é avassaladora e, num contexto de crise profunda, que ao nível das PME se reflecte já, em muitos casos, numa questão de sobrevivência, dezenas destas empresas abrem falência todos os dias, por falta de pagamento das facturas que emitem. Consequentemente, “perdem-se empregos e ficam por explorar oportunidades de negócio, o que hipoteca o retorno ao crescimento económico”, defende a Comissão Europeia.

Para pôr termo a esta situação, a União Europeia adoptou em 2011 a Directiva 2011/7/UE, aplicável a todos os Estados Membros, e que tem por objectivo combater os atrasos de pagamento nas transacções comerciais. No diploma, o Parlamento Europeu e o Conselho estabelecem um quadro relativo aos prazos de pagamento das transacções comerciais, lutando contra atrasos que “constituem um problema crucial ao nível de toda a União Europeia, repercutindo-se, designadamente, no desempenho económico e na sustentabilidade das empresas e, no final, no normal funcionamento do mercado interno”, segundo anunciou o Jornal Oficial da União Europeia, à data de publicação desta Directiva.

Diz a mesma fonte que perante estes efeitos, “agravados quando se vive uma situação económica como a presente”, pretende-se melhorar a liquidez das empresas, “oferecendo, nomeadamente, medidas dissuasoras do protelamento de pagamentos”.

Os Estados Membros da União Europeia tiveram dois anos – até ao passado dia 16 de Março –para integrar as disposições desta Directiva no respectivo direito interno, dando cumprimento às normas referentes a prazos de pagamento, juros de mora, indemnização por custos suportados com a cobrança das dívidas e procedimentos de cobrança de dívidas não impugnadas.

Já a poucos dias do final do prazo de transposição da Directiva pelos Estados Membros, o Vice-Presidente da Comissão Europeia, Antonio Tajani, declarou que “é particularmente difícil para as PME defender o seu direito à pontualidade nos pagamentos”, defendendo que os atrasos de pagamento “geram perdas de tempo e de dinheiro e os litígios podem prejudicar as relações com os clientes. É necessário pôr termo a esta cultura de atraso nos pagamentos cujos efeitos são prejudiciais”, afirmou o também Comissário Europeu responsável pela Indústria e pelo Empreendedorismo, sublinhando que “chegou o momento de os Estados-Membros transporem para o respectivo direito interno a Directiva relativa aos atrasos de pagamento, dando assim às PME o apoio essencial de que necessitam nestes tempos difíceis, e ajudando-as a desempenhar o papel que lhes cabe na criação de emprego”.

DIRECTIVA EUROPEIA CONTRA OS ATRASOS DE PAGAMENTO

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O essencial para as empresas
A Directiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011, estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais. Implementada como ferramenta para assegurar o bom funcionamento do mercado interno, promovendo a competitividade do tecido empresarial – particularmente no âmbito das pequenas e médias empresas (PME) -, a Directiva Europeia contra os Atrasos de Pagamento visa, no essencial, combater os atrasos de pagamento nas transacções comerciais realizadas entre empresas privadas ou públicas ou entre empresas e entidades públicas.

Abrangendo todos os tipos de pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais, à excepção das dívidas sujeitas a um processo de insolvência contra um devedor; dos procedimentos que visam a reestruturação da dívida; das transacções efectuadas com os consumidores; e dos interesses relacionados com outros tipos de pagamentos (por exemplo, pagamentos efectuados nos termos da legislação em matéria de cheques ou de letras de câmbio, ou os pagamentos efectuados a título de indemnização por perdas e danos, incluindo os efectuados por seguradoras), a Directiva aponta dois prazos essenciais: as entidades públicas devem pagar os bens e serviços que adquirem no prazo de 30 dias (em circunstâncias muito excepcionais, no prazo de 60 dias); as empresas devem pagar as suas facturas no prazo de 60 dias.

No que respeita às transacções comerciais entre empresas, a directiva respeita a liberdade contratual dos operadores económicos, estipulando simultaneamente que estes devem pagar as suas facturas no prazo de 60 dias, salvo acordo expresso em contrário, e se as outras modalidades não forem manifestamente abusivas para o credor.

A Directiva Europeia transposta em Maio para Portugal aponta dois prazos essenciais: as entidades públicas devem pagar os bens e serviços que adquirem em 30 dias, e as empresas devem fazê-lo num prazo de 60 dias .
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Em caso de atraso no pagamento, o credor tem direito a cobrar juros, desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais, e que ainda não tenha recebido a quantia devida na data acordada. As empresas recebem estes juros segundo a data de pagamento ou no final do prazo de pagamento estabelecido no contrato, diz o diploma.

Caso o contrato não indique nenhuma data fixa para o prazo de pagamento, o credor também tem direito a juros de mora, se ainda não tiver recebido a quantia devida, 30 dias após o devedor ter recebido a factura ou o pedido de pagamento equivalente. A empresa credora pode ainda cobrar ao devedor uma indemnização relativamente a todos os custos de cobrança, nomeadamente um montante fixo mínimo de 40 Euros como indemnização pelos custos decorrentes da cobrança da dívida.

O essencial para o Estado
Quanto às transacções entre empresas e o Estado, quando o devedor é um poder público, a data de recepção da factura não deve ser objecto de um acordo contratual, pelo que se estipula que o prazo de pagamento de uma factura não deve ultrapassar 30 dias após a data de recepção da factura, ou após a data de recepção dos bens ou da prestação dos serviços, caso não haja confirmação da data de recepção da factura. A par das empresas, as entidades públicas devem pagar os bens e serviços que adquirem neste mesmo prazo, mas circunstâncias excepcionais podem prolongar o pagamento das facturas até um máximo de 60 dias.

Por exemplo, as entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, que são consideradas um elemento fundamental da infra-estrutura social na Europa, merecem especial preocupação no que respeita aos atrasos de pagamento: num grande número de Estados-Membros, incluindo em Portugal, a situação dos serviços de saúde debilita-se à medida que os recursos financeiros disponíveis diminuem e o envelhecimento da população aumenta. A Directiva permite, pois, aos Estados-Membros, que confiram às entidades públicas que prestam estes cuidados flexibilidade para prorrogação do prazo de pagamento normal até um máximo de 60 dias, sob determinadas condições.

Em caso de atraso no pagamento, e quando o devedor é uma entidade pública, o fornecedor tem direito a cobrar juros desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais, e que ainda não tenha recebido a quantia devida na data acordada. A Directiva estipula também que a taxa de juros de mora legal será agravada, pelo menos, em oito pontos percentuais acima da taxa de referência do Banco Central Europeu, e que os poderes públicos não poderão fixar taxas de juro inferiores para atrasos de pagamento.

A Directiva 2011/7/EU recomenda, finalmente, que os Estados-Membros garantam a transparência face aos direitos e às obrigações que o documento contém, estabelecendo que estes têm de publicar a taxa aplicável dos juros de mora legais, com vista a evitar práticas abusivas.

Revogando a Directiva 2000/35/CE, de 29 de Julho (transposta para o ordenamento interno através do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, o qual foi alterado pelo Decreto-Lei 107/2005 e pela Lei 3/2010), a Directiva 2011/7/EU introduz medidas adicionais para dissuadir os atrasos de pagamentos nas transacções comerciais. Em Portugal, é transposta pelo Decreto-Lei 62/2013, de 10 de Maio.

A Directiva europeia relativa aos atrasos de pagamento, adoptada como mecanismo de combate aos atrasos de pagamento nas transacções comerciais, tem na sua origem o Small Business Act (SBA), iniciativa que reflecte a vontade da Comissão Europeia em reconhecer o papel central das PME na economia da EU, e que sublinha que o acesso efectivo ao financiamento é um dos maiores desafios enfrentados por estas empresas.

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Combater os atrasos para evitar a falência
Em Outubro de 2012, a Comissão Europeia divulgou que as insolvências estão na origem da perda de 450 mil postos de trabalho na UE e de dívidas anuais no montante de 23,6 mil milhões de Euros. 57% das empresas europeias afirmam ter problemas de liquidez devido a atrasos nos pagamentos, o que representa um aumento de 10% em relação ao ano anterior.

Na prática, dezenas de PME abrem falência todos os dias na Europa por as suas facturas não serem pagas.

Para pôr termo a esta “cultura perniciosa de pagamento tardio na Europa”, o Vice-Presidente da Comissão Europeia lançou nesse mesmo mês, em Roma, uma campanha de informação que teve lugar nos 27 Estados-Membros e na Croácia, com o objectivo de encorajar a rápida integração da Directiva relativa aos atrasos de pagamento nas legislações nacionais, inclusivamente antes do prazo-limite de 16 de Março de 2013.

E já na altura, assumindo que a Directiva 2011/7/UE “constitui o instrumento da UE para o combate aos pagamentos em mora”, Antonio Tajani classificou como um objectivo particularmente importante da campanha lançada assegurar que as PME tomem conhecimento dos novos direitos conferidos pela Directiva, e saibam como exercê-los. O também Comissário responsável pela Indústria e pelo Empreendedorismo sublinhou então que o apoio às PME “é crucial na actual crise económica, em que o acesso ao crédito está dificultado”. E concluiu: “é também crucial que as empresas europeias, em especial as PME, conheçam os seus direitos e a melhor forma de os exercer.»

“O apoio às PME é crucial na actual crise económica, em que o acesso ao crédito está dificultado” –  Antonio Tajani , Vice-Presidente da Comissão Europeia .
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E se é particularmente difícil para as PME defender o seu direito à pontualidade nos pagamentos, certo é que, pelo menos por cá, e segundo o 9º Estudo EPI – European Payment Index, da Intrum Justitia, divulgado a 15 de Maio último, e cujos principais resultados o VER dá conta nesta edição, apenas 50% das empresas portuguesas diz ter conhecimento da Directiva Europeia contra os Atrasos de Pagamento. E 63% revela não ter sentido qualquer impacto da Directiva nos prazos de pagamento, na sua organização.

O mesmo estudo revela que existem 5,9 mil milhões de euros de dívidas incobráveis nas empresas portuguesas. A nível global, em mais de metade dos países analisados – num universo de 31 países – verificou-se um aumento dos riscos de pagamento, e um terço dos países, onde se inclui Portugal, apresenta um perfil de risco que obriga a uma intervenção urgente, conclui o relatório, que reúne informação sobre padrões de pagamento em cerca de 9800 empresas.

As novas regras da Directiva 2011/7/UE
• As entidades públicas devem pagar os bens e serviços que adquirem no prazo de 30 dias de calendário ou, em circunstâncias muito excepcionais, no prazo de 60 dias de calendário.• Com salvaguarda da sua liberdade contratual nas transacções comerciais, as empresas devem pagar as suas facturas no prazo de 60 dias de calendário, salvo disposição expressa em contrário no contrato e desde que tal não constitua um abuso manifesto face ao credor.

• As empresas têm automaticamente direito a cobrar juros de mora e podem obter um montante fixo mínimo de 40 euros como indemnização pelos custos decorrentes da cobrança das dívidas. Podem igualmente exigir uma indemnização razoável por todos os restantes custos de cobrança.

• O juro de mora legal é aumentado para pelo menos oito pontos percentuais acima da taxa de referência do Banco Central Europeu. As entidades públicas não estão autorizadas a fixar uma taxa de juro de mora inferior a este limiar.

• As empresas podem mais facilmente intentar ações junto dos tribunais nacionais contra cláusulas contratuais ou práticas manifestamente abusivas.

• Maior transparência e sensibilização: os Estados-Membros devem publicar as taxas de juro de mora para que todas as partes envolvidas estejam devidamente informadas.

• Os Estados-Membros são incentivados a estabelecer códigos de pagamento atempado.

Os Estados-Membros podem manter ou pôr em vigor disposições legislativas e regulamentares mais favoráveis ao credor do que as disposições previstas na directiva.

Fonte: Comissão Europeia

 

O novo calendário para o IVA
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Na actual legislação é esta a ordem dos acontecimentos:
1. As empresas emitem a factura a um cliente;
2. A entrega do IVA ao Estado ocorre na data de emissão da factura;
3. A devolução do imposto ao Estado antes do respectivo recebimento por parte do cliente é um dos maiores factores de pressão da tesouraria das empresas;
4. Uma factura emitida neste mês de Maio tem que ser liquidada ao Estado no final do ano, mesmo que a empresa ainda não tenha recebido o dinheiro do cliente.

A partir de 1 de Outubro será esta a cronologia:
1. As empresas emitem a factura a um cliente;
2. Esperam que o cliente pague e só depois entregam o IVA ao Estado;
3. Este adiamento representa um balão de oxigénio para a liquidez das empresas;
4. Uma factura emitida este mês e não paga pelo cliente poderá ser paga até Maio do próximo ano.

Fonte: Believe