“Partir dos projectos para a transformação…”

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A fé inabalável e contagiante de Mafalda Ribeiro, que sofre da chamada «Doença dos Ossos de Vidro» e que desde sempre transformou as mais de 100 fracturas que já sofreu em toda a vida em verdadeiras histórias de coragem e de auto-superação deu lugar a Rui Diniz e ao projecto Inclusive Community Forum, que está a ser desenvolvido pela Nova SBE e cujos principais objectivos são lutar pela empregabilidade e a educação das pessoas com deficiência, com um particular apelo à participação das empresas. Já Margarida Ruch Perdigão explicou os muitos benefícios que deram nova vida ao Santander através da sua certificação como empresa familiarmente responsável (efr) e Rita Sacramento Monteiro “encheu” o palco com a sua forte crença na Economia de Francisco e na nova geração de líderes que sabe ser impossível desligar a ecologia da economia. O painel terminou com Diogo Alarcão, o responsável pela mais recente iniciativa lançada pela ACEGE, o programa “Semáforo”, o qual promete pôr a descoberto a pobreza invisível existente nas empresas

 

«Vai, Mafalda, Vai!»

«Para mim foste, desde o início, a mais perfeita das criações. Fiz-te como um Meio para seres a Minha Mensagem e a manifestação do Meu poder». É a partir de um texto adaptado do Salmo 139 que Mafalda Ribeiro se apresenta aos participantes no Congresso Nacional da ACEGE. A oradora partiu da sua convivência com a Osteogénese Imperfeita para pôr em prática o seu propósito de vida: partilhar a sua história e ajudar os outros na esperança. Esta doença rara e congénita, também chamada «Doença dos Ossos de Vidro», caracteriza-se por fracturas espontâneas e obriga Mafalda Ribeiro a deslocar-se numa cadeira de rodas.

A jornalista destaca a relevância do verbo «partir» na sua vida. Representa um paradoxo, pois reflecte a procura por algo ou alguém, mas também a necessidade de esperar. No caso de Mafalda Ribeiro, a espera marcou a infância e a adolescência. Conta que, neste período, partiu quase todos os ossos com excepção dos da cabeça; segundo o seu pai, por ter uma «cabeça dura». Em cada fractura era necessário que ficasse imóvel e que esperasse.

A autora do livro Mafaldisses – Crónicas sobre rodas revela que nunca se tinha visto como alguém que pudesse estar num palco a motivar outras pessoas, apesar dos diversos convites. Foi uma partida que lhe mudou o pensamento. A morte da mãe aproximou-a de outras pessoas através de uma realidade irreversível que nada tinha que ver com a sua condição de pessoa com deficiência. Mafalda Ribeiro percebeu estar bastante preparada para esta separação e que era o momento ideal de pôr a sua fé à prova e de se desafiar. Durante a sua participação no congresso que celebrou os 70 anos da ACEGE, a oradora mostrou acreditar que cada um foi feito com um propósito e que Deus não comete erros. A perfeição das Suas obras é, para Mafalda Ribeiro, o que torna mais fácil lidar com a sua vida.

Por usar a sua realidade para partir preconceitos e derrubar discriminações, encara a sua identidade como uma forma de obediência a Deus. No entanto, esta forma de vida não terá sido sempre bem encarada. Quando iniciou a participação em palestras, foi convidada por uma multinacional para encerrar um congresso. Numa das últimas reuniões de preparação do evento, o CEO mostrou interesse em conhecê-la, tendo-lhe pedido: «não fale em Deus». Por momentos, Mafalda ainda considerou usar as suas capacidades jornalísticas para partilhar a sua vivência de uma outra forma, mas rapidamente se lembrou de quem é. Mafalda Ribeiro não poderia mostrar a sua essência sem Ele. Falou de Deus e que a palestra foi um sucesso. Percebeu, com esta experiência, que os outros têm o poder de pedir para partir a realidade individual, mas ninguém tem o direito de exigir que se altere essa realidade para ser compatível com a dos outros.

A sua participação no congresso termina com uma reflexão que envolve toda a sala: «Sempre que eu me parto, […] tenho de escolher que a esperança me transforme, para poder chegar a palcos como este. Foi no momento de partir o pão que dois homens reconheceram Jesus ressuscitado. É na partida e ‘re-partida’ que se pode descobrir quem precisa de ser encontrado e ir ao encontro dos outros».

“As empresas são melhores com pessoas com deficiência. A comunidade será melhor com a inclusão das pessoas com deficiência”

Rui Diniz, CUF

Rui Diniz, presidente da Comissão Executiva da CUF, inicia a mesa redonda «Partir dos projectos para transformação…» com a partilha da história da sua família. Carmo e Rui Diniz adoptaram Bernardo com 3 anos. Foi um encontro com o filho mais novo do casal, com 99% de incapacidade, que gerou um projecto que transforma a vida de muitos: o Inclusive Community Forum (ICF). A proposta de Carmo e Rui Diniz, apresentada e desenvolvida pela NOVA SBE, pretende identificar soluções para os desafios sentidos pelo Bernardo e tantos outros. Rui Diniz identifica o medo como elemento principal na composição destas barreiras.

A primeira iniciativa foi o estímulo à empregabilidade de pessoas com deficiência. Para Rui Diniz, a falta de emprego é uma barreira enorme à inclusãoA taxa de desemprego no conjunto de indivíduos portadores de deficiência é, em média, quatro vezes superior à dos demais. O CEO da CUF aponta o medo de falhar, sentido quer pelas próprias pessoas quer pelas suas famílias, como uma das razões para esta cifra.

Todavia, as empresas têm igualmente responsabilidade devido aos receios em recrutar indivíduos com deficiência. Mesmo quando se ultrapassam estes medos, o mercado pode não ter uma plataforma de matching para quem procura e quem oferece.

O ICF quer colmatar estas dificuldades e aposta em diversas iniciativas. O Peer2Peer cria ligações entre alunos finalistas de universidades portuguesas e pessoas com deficiência com um objetivo comum – a procura de emprego. Pretende-se que todos aprendam e ganhem confiança nas suas competências e conhecimentos. Através deste fórum, foi lançado um processo de recrutamento inclusivo, convidando-se diversas empresas de recrutamento a criarem células de emprego para pessoas com deficiência. Desta forma, pretende-se que a deficiência deixe de ser um factor de exclusão e que os recrutadores saibam como moldar as candidaturas a estes potenciais trabalhadores. Destaca-se ainda o programa Compromisso com a Inclusão, que junta 50 empresas que mostraram interesse em recrutar pessoas portadoras de deficiência.

Rui Diniz termina a sua intervenção com uma reflexão sobre o presente. Apesar de mencionar uma maior consciência da necessidade de aumentar a taxa de emprego de pessoas com deficiência, há ainda um longo caminho a percorrer. Deixa um desafio: que cada um faça o seu melhor para que esta realidade mude e que daqui a alguns anos não se fale desta questão. «A família e a escola são melhores com o Bernardo. As empresas são melhores com pessoas com deficiência. A comunidade será melhor com a inclusão das pessoas com deficiência», termina.

«São as pessoas que fazem a transformação»

MARGARIDA RUCH PERDIGÃO, Santander

Também Margarida Ruch Perdigão apresenta uma transformação. Desde 2010, o Santander assume-se como uma empresa familiarmente responsável. Este projecto obrigou a um enorme compromisso e a uma reorganização no banco, mas, como afirmou vivamente a oradora, «da vontade passou-se à acção». Para o Santander, a responsabilidade corporativa, o compromisso, a diversidade, a inclusãoa saúde e o bem-estar são eixos fundamentais para tornar a instituição numa empresa familiarmente responsável.

Este posicionamento não se materializa apenas com a vontade da organização, mas também com um processo de auditorias que credencia esta responsabilidade. Margarida confessa que este caminho obriga a muito empenho, método e alegria. Tal como na intervenção anterior, Margarida Ruch Perdigão revela que existiu algum medo no trajecto escolhido pelo Santander, mas que os resultados compensaram estes desafios iniciais. O banco comprometera-se a ter 2% de colaboradores portadores deficiência até 2024 e o objetivo foi alcançado em Dezembro de 2021. Actualmente, a instituição emprega 100 pessoas portadoras de deficiência. Segundo Margarida Ruch Perdigão, o Santander é uma referência em diversidade e inclusão.

Contudo, há coisas a melhorar. Ainda não há uma total conciliação da vida profissional com a parte pessoal. Na cultura organizacional, há alguma resistência às dificuldades que a vida familiar pode trazer para a vivência profissional. Margarida Ruch Perdigão relembra que estar muitas horas na empresa não é sinal de produtividade. Os papéis atribuídos e a necessidade de uma maior inclusão das mulheres em lugares de liderança foram igualmente referidos como aspectos a melhorar.

A intervenção terminou com três conclusões. A ACEGE desempenha um papel relevante na partilha de experiências em diversas empresas, catalisando a implementação de projectos semelhantes noutras instituições e acelerando a atracção e a retenção de talento. Margarida Ruch Perdigão destaca o empenho dos líderes no sucesso destes projectos, pois apenas assim se consegue que as empresas sejam melhores locais para trabalhar. Por fim, destaca a importância de se gerir com amor.

«Este é o rumo em direcção ao caminho certo que não deixa ninguém para trás»

DIOGO ALARCÃO, Semáforo

Diogo Alarcão apresenta o programa Semáforo, lançado pela ACEGE. Esta iniciativa, que junta diversas empresas, visa abordar as questões de pobreza de forma mais abrangente, desafiando os líderes e a cultura organizacional. Segundo dados avançados pelo orador, 44% dos portugueses estariam em risco real de pobreza se fossem retiradas as pensões sociais. Um terço destes indivíduos tem um contrato individual de trabalho.

O Semáforo apresenta-se como um sorriso e um sinal de esperança para estes trabalhadores que, muitas vezes, vivem numa situação de pobreza invisível. Diogo Alarcão sugere que cada um dos participantes averigúe nas suas empresas quantas pessoas tem salários penhorados, pois pode ser um dos caminhos para melhor conhecer a realidade financeira dos colaboradores.

Todavia, este programa vai mais longe. Com uma metodologia inovadora, o Semáforo apresenta um questionário de 50 perguntas, divididas em seis dimensões de nível macro. Todas as perguntas incluem imagens que ajudam na reposta, estando ilustradas com as cores escolhidas. Mesmo numa pergunta em que se assinale o vermelho, há um sinal de esperança para o futuro.

A implementação do projecto obedece a três fases. Inicialmente, procede-se ao lançamento do questionário, seguindo-se a activação de redes de respostas aos desafios sociais encontrados. Numa terceira fase, pretende-se tornar o Semáforo num programa a nível nacional ou mesmo europeu.

Diogo Alarcão destaca a possibilidade de se fazer um diagnóstico eficaz que permita actuar através das políticas de responsabilidade social internas. Apesar de referir que a implementação deste projecto possa ser exigente, as vantagens ultrapassam o conjunto das contrariedades: «Este é o rumo em direcção ao caminho certo que não deixa ninguém para trás».

A abertura ao invisível pode transformar a cultura das empresas. O Semáforo permite que se transforme a ideia de pobreza, abandonando uma perspectiva assistencialista e assumindo um papel funcional.

“Deixem os jovens liderar”

RITA SACRAMENTO MONTEIRO, EoF Portugal

Há três anos, o Papa Francisco escreveu uma carta aos jovens do mundo, apelando a uma nova economia que não matasse, que não excluísse e que permitisse que todos cumprissem os seus objectivos. Rita Sacramento Monteiro apresentou uma das mais de 3000 candidaturas que responderam a esta chamada. Trabalhou durante uma década na EDP onde recorreu com regularidade aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, traçados pela ONU. Mas este apelo do Santo Padre ecoou de uma forma diferente.

Em Portugal, o movimento Economia de Francisco junta quase 100 participantes e apresenta várias iniciativas que permitem que os jovens liderem para a transformação. Não revela um novo modelo económico, mas antes uma ideia cristã para a economia, através do qual o Espirito Santo se pode manifestar em cada um e que permita a renovação da Terra. Rita Sacramento Monteiro relembra que não se pode falar de economia sem ecologia. A contemporaneidade mostra uma crise complexa que interliga as questões sociais, culturais e ambientais.

A oradora assegura que os jovens estão a liderar, mas em diálogo com outras gerações. Esta nova liderança é fundamental, pois serão eles a lidar com os desafios herdados. A estas oportunidades de transformação Rita Sacramento Monteiro junta vários desafios. Os gestores e os empresários devem olhar para o mundo numa perspectiva de guardiões, não de donos, e é daqui que parte toda a base da Economia de Francisco. A este novo olhar deve juntar-se o primado pela relação, e não pela eficiência. Apenas a relação permite criar raízes que possibilitem o crescimento de uma planta. Para haver vida, é preciso que a relação esteja no centro. Apenas o diálogo permite a paz e apenas a relação permite o crescimento sustentável.

Rita Sacramento Monteiro interroga a audiência sobre a sustentabilidade que é tão defendida. A jovem argumenta que, se for para suster um estilo de vida falido, mais vale rever a estratégia. A perpetuação desta forma de vida causará sofrimento em diversas latitudes.

Nestes últimos três anos, percebeu-se sobretudo que é preciso saber esperar e deixar a Terra respirar. Não significa apenas reciclar ou incentivar medidas de mobilidade eléctrica, mas antes fomentar organizações com vida e que gerem vida. Apenas se avança com esperança e com uma linguagem mais pensada e avaliada, porque a linguagem ajuda a transformar. «Não fiquemos quietinhos e não esperemos que passe!», termina.

Texto: Pedro Isidoro da Silva

Foto: © António Vale

Artigo no VER.