(…) Senhores Embaixadores, considerados os progressos que se verificam em vários âmbitos, a humanidade está neste momento a viver uma espécie de viragem na sua história. Não podemos deixar de nos alegrar com os resultados positivos, que concorrem para o bem-estar autêntico da humanidade, por exemplo, nos campos da saúde, educação e comunicação. Mas há que reconhecer também que a maior parte dos homens e mulheres do nosso tempo continua a viver dia a dia numa precariedade de consequências funestas.
Aumentam algumas patologias, com as suas consequências psicológicas; o medo e o desespero apoderam-se do coração de numerosas pessoas, mesmo nos Países considerados ricos; a alegria de viver vai diminuindo; a imoralidade e a violência estão a aumentar; torna-se mais evidente a pobreza. Tem-se de brigar para viver, cingindo-se muitas vezes a uma vida pouco dignificante. A meu ver, uma das causas desta situação reside na relação que temos com o dinheiro, aceitando o seu predomínio sobre nós e as nossas sociedades. Assim a crise financeira, que estamos a atravessar, faz-nos esquecer a sua origem primordial, que se encontra numa profunda crise antropológica, ou seja, na negação da primazia do homem. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32,1-8) encontrou uma nova e cruel versão na idolatria do dinheiro e na ditadura de uma economia realmente sem fisionomia nem finalidade humanas. A crise mundial, que envolve as finanças e a economia, parece evidenciar as suas deformações e, sobretudo, a sua grave carência de perspectiva antropológica, que reduz o homem a uma única das suas exigências: o consumo. Pior ainda, hoje o próprio ser humano é visto como um bem de consumo, que se pode usar e deitar fora. Começámos esta cultura do bota-fora. Esta perversão verifica-se tanto a nível individual como social; e goza do seu favor! Em tal contexto, a solidariedade, que é o tesouro dos pobres, acaba muitas vezes por ser considerada contraproducente, contrária à racionalidade financeira e económica. Enquanto os rendimentos duma minoria crescem de maneira exponencial, os da maioria vão-se exaurindo. Este desequilíbrio deriva de ideologias que promovem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira, negando assim o direito de controle aos Estados, que têm precisamente a responsabilidade de prover ao bem comum. Instaura-se uma nova tirania, invisível e às vezes virtual, que impõe, unilateralmente e sem recurso possível, as suas leis e regras. Além disso, a dívida e o crédito afastam os Países da sua economia real, e os cidadãos do seu poder real de compra. Depois vem juntar-se a isto uma corrupção tentacular e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A avidez de poder e riqueza não conhece limites. Por detrás desta atitude, esconde-se a recusa da ética, a recusa de Deus. Como a solidariedade, também a ética incomoda! É considerada contraproducente, vista como demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder, e como uma ameaça, porque recusa a manipulação e sujeição da pessoa; porque a ética conduz a Deus, que escapa às categorias do mercado. Deus é considerado por estes financeiros, economistas e políticos como não regulável, Deus não regulável, ou até perigoso, porque chama o homem à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A meu ver, a ética – naturalmente não ideológica – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humanos. Neste sentido, encorajo os peritos financeiros e os governantes dos vossos Países a terem em conta estas palavras de São João Crisóstomo: «Não partilhar com os pobres os próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Os bens que possuímos não são nossos, mas deles» (Homilia sobre Lázaro, 1, 6: PG 48, 992D). Prezados Embaixadores, seria desejável a realização de uma reforma financeira que fosse ética e produzisse, por sua vez, uma reforma económica salutar para todos. Isso, porém, requereria por parte dos dirigentes políticos uma corajosa mudança de atitude. Exorto-os a enfrentarem este desafio com determinação e clarividência, naturalmente tendo em conta a peculiaridade dos respectivos contextos. O dinheiro deve servir, e não governar! Eu amo a todos, ricos e pobres; mas tenho o dever de recordar ao rico, em nome de Cristo, que deve ajudar o pobre, respeitá-lo, promovê-lo. Por isso, o Papa exorta à solidariedade desinteressada e a um retorno à ética que favoreça o homem na realidade financeira e económica. A Igreja, por sua parte, não cessará de trabalhar pelo desenvolvimento integral de toda a pessoa. Neste sentido, recorda que o bem comum não deveria ser simplesmente um acréscimo, um esquema conceitual de reduzido valor, inserido nos programas políticos. A Igreja encoraja os governantes a permanecerem verdadeiramente ao serviço do bem comum das suas populações. Exorta os dirigentes das realidades financeiras a tomarem em consideração a ética e a solidariedade. E porque não dirigirem-se a Deus para que lhes inspire os seus desígnios!? Formar-se-á então uma nova mentalidade política e económica, que contribuirá para transformar a profunda dicotomia entre as esferas económica e social numa sã convivência. Discurso do papa francisco aos novos embaixadores do Quirguistão, |
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Papa Francisco
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