“Não há empresas éticas; há pessoas com comportamentos éticos”

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Jorge Líbano Monteiro é secretário-geral da ACEGE
A Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) realizou o seu 4º Congresso em Lisboa nos passados dias 17 e 18 de Abril, sob o tema“Empresários e Gestores: Missão e Valores perante os desafios de hoje”. Jorge Líbano Monteiro é o Secretário-geral da ACEGE e partilha com o JORNAL W as origens e os projectos desta associação.

Como nasceu a ACEGE?

A ACEGE é uma associação antiga. Nasceu em 1950, primeiro como UCIDT, União Cristã dos Dirigentes e Industriais do Trabalho, e depois de um período importante da sua vida até 1974, transformou-se na UCIDT-ACEGE, tentando dar uma nova realidade a esta associação. Um grupo de dez, doze pessoas manteve uma reunião mensal na igreja de São Nicolau. Há 12 anos atrás houve uma aposta da Conferência Episcopal em reactivar esta pastoral com os empresários e com os gestores, percebendo a sua importância na sociedade e na Igreja. Conseguimos há cerca de 6 anos dar um salto qualitativo e pôr a ACEGE numa estratégia de crescimento e de maior proximidade com os empresários.

Quantos são os associados e quais os vossos objectivos?

Estamos a chegar aos mil associados. É uma associação de homens e mulheres de empresa. Temos um crescimento muito interessante em termos territoriais, passando de Lisboa para estar presente em 13 núcleos regionais em que a maior parte deles se confunde com dioceses. Procuramos ir ao encontro da realidade de cada um dos núcleos e dioceses. O grande objectivo da ACEGE é ajudar os empresários e gestores a viverem melhor a sua fé. A acabarem com o que acontece muitas vezes, que é uma esquizofrenia entre a vida profissional e a vida religiosa. Quando chegam à empresa muitas vezes fica a ideia de que não há ligação com a vida religiosa. Também existe a ideia de que, muitas vezes, a própria Igreja está afastada, e contra o papel dos empresários e gestores. O nosso objectivo é explicar às pessoas que se querem ser felizes, e todos aspiramos a ir para o Céu e esse caminho para o Céu é feito por unidade de vida, essa unidade de vida tem que passar por uma conjugação total entre a vida privada e a vida profissional, entre a vida espiritual e a vida quotidiana. No fundo é explicar aos empresários que aquilo que estão a fazer é uma missão importante, que eles fazem parte da construção do mundo, e que é com esses dons e com essa realidade que eles têm que podem ajudar a construir um mundo mais justo. Como dizia o António Pinto Leite na abertura do Congresso, a ACEGE baseia-se em duas “fés”. Uma é a fé do homem em Deus, que nos leva a acreditar e a estar presentes na ACEGE como entidade de Igreja, querendo fazer comunidade com outras pessoas que acreditam na mesma coisa. E por outro lado é a fé de Deus no homem que nos obriga a ser construtores do mundo com Ele, que nos obriga a investir na realidade terrena.

Muitas vezes, o dinheiro e a riqueza aparecem como contrários ao projecto de Deus…

Há uma ideia mal explicada: como a Igreja tem uma opção preferencial pelos mais pobres, na teoria, teria que estar contra os empresários e os gestores. Na maior parte das vezes o desenvolvimento e o fim da pobreza no mundo dá-se pela criação de riqueza. A própria Doutrina Social da Igreja já vem dizendo isto: o fim da pobreza no mundo é feito pela criação de riqueza e a criação de riqueza é feita pelas empresas. É através de empresas constituídas de forma correcta e com uma postura correcta no mercado que se pode acabar com a pobreza no mundo. Aí está a grande responsabilidade dos empresários e gestores, e o que lhes será perguntado no final é o que fizeram com a sua circunstância, com o seu poder, com a sua capacidade e a sua riqueza em prol de todo o mundo e em prol do bem comum.

Quais foram as linhas mais importantes deste Congresso?

Para nós o congresso foi uma enorme graça. Superou as nossas expectativas. Tínhamos três objectivos para o congresso. O primeiro era conseguir a noção de comunidade a todos estes núcleos espalhados. Era muito importante criar a noção de pertença e de comunidade. Um segundo era mais virado para fora: é importante que a ACEGE tenha uma palavra e tenha um espaço na sociedade portuguesa. Essa afirmação da presença de uma associação cristã num mundo laico é importante numa altura em que nos tentam pôr sempre para dentro da sacristia, em que tentam tirar tudo o que é ligado a Cristo do mundo público. O terceiro objectivo era potenciarmos uma reflexão suficientemente interessante e interpelativa para as pessoas presentes, que ajudasse os empresários e gestores a olharem para a sua vida empresarial de uma forma diferente e porem-se perante os grandes desafios complicados que têm pela frente.

E os resultados…

Em relação ao primeiro, as reacções dão-nos a certeza de que quem esteve ficou convicto de que este era um espaço importante para pertencer. Em relação ao segundo, e também muito devido ao discurso do Presidente da República que foi muito forte, muito directo e muito correcto, mesmo sendo muito crítico em relação aos empresários e gestores, acabou por dar uma visibilidade inesperada à ACEGE. E em relação ao terceiro tivemos intervenções de nível superior que ajudaram ao objectivo de mostrar como é natural a fé e o trabalho e como as duas coisas se complementam. Todas as intervenções tinham um denominador comum que era a certeza de que o carácter era a questão importante a trabalhar neste momento. Muito mais do que imaginar sistemas económicos alternativos que são utópicos e que não existem. Saber como é importante o carácter dos líderes empresariais para possibilitar que os sistemas possam funcionar e as empresas possam desenvolver.

Têm propostas concretas para este tempo…

Por um lado este reafirmar da importância do carácter é essencial. Algo que também foi lançado neste congresso é que esta crise é profunda, que não se vai resolver neste ano, nem no próximo. E perante esta realidade os empresários têm por obrigação não arredar o pé. O sentimento de firmeza, de coragem, de risco é o que se pede aos empresários. Em sintonia com o que o Presidente da Republica pediu é importante a questão da independência em relação ao Estado. Há um perigo grave: quando acabar a crise, já não haver iniciativa privada e aí não haver mais motor para resolver a crise económica. Mas acreditamos que a crise se vai resolver pela iniciativa privada, e não pelo Estado. O Estado tem um papel regulador, um papel de apoio nesta fase, mas não é o Estado que vai desenvolver a economia portuguesa. É essencial que a iniciativa privada se mantenha e se consiga aguentar durante este período. Que as empresas saibam arriscar, saibam internacionalizar-se, encontrar esta crise como oportunidade para desenvolver a sua acção para outras áreas. Não só uma oportunidade para discutir, mas para perceber que se calhar acabou este paradigma e modelos que se estavam a viver e têm que se encontrar outros. Fazer da crise uma oportunidade para uma nova fase da empresa.

Que mudanças a fazer, então?

A regeneração do próprio sistema é feita por pessoas. As empresas são feitas por pessoas, e não há empresas éticas; há pessoas com comportamentos éticos que fazem as empresas parecerem éticas. Não há empresas com valores, há pessoas com valores que criam empresas com valores. A aposta da ACEGE é sempre esta: convertendo a pessoa, ela tem um efeito multiplicador no sítio onde está.

A ACEGE lançou um projecto de ajuda na organização da Igreja. De que se trata?

A ACEGE lançou este apelo à Igreja de deixar-se amar com aquilo que temos, os nossos métodos de gestão, e ver como isso poderia ser aplicado à realidade da Igreja, na parte administrativa. Como diz o António Pinto Leite, a ineficiência da Igreja é um pecado. Cada vez que não comunica bem, que perde tempo em coisas que não devia, é um pecado. Tivemos o apoio da McKinsey, que nos ajudou a fazer esta reflexão sobre como se pode tornar mais eficiente a parte administrativa da Igreja. Começámos por fazer um estudo ao nível da Conferência Episcopal Portuguesa, de como todos os serviços que existem podiam trabalhar mais em comunhão e unidade. Esse projecto já foi aprovado pela Assembleia Plenária. Mas queremos avançar para o nosso objectivo primário que era ver como conseguíamos intervir dentro das paróquias e dioceses de forma a potenciar este manancial de gestão. O grande objectivo, como muitas vezes dizemos, é que se conseguimos retirar os padres de cerca de 25% do seu tempo gasto com trabalho administrativo, como Portugal tem 4000 padres, estaremos a ganhar 1000 novos padres para o trabalho pastoral. É uma transformação muito grande mas parece-nos essencial abrir a Igreja a alguns métodos de gestão, libertar os padres para aquilo que é a sua missão, e envolver melhor os leigos neste trabalho de construir a própria Igreja.

Padre Vítor Gonçalves