É mais conhecido pela Herdade do Esporão e pela passagem pela presidência do Sporting, mas aos 75 anos José Roquette é o principal responsável pelo projecto turístico do Parque Alqueva. Em entrevista ao Diga Lá, Excelência, do PÚBLICO, RR e RTP2, diz que a falta de ética está na origem da presente crise, que, de resto, era previsível.
– É um dos dinamizadores da ACEGE, a Associação Cristã de Empresários e Gestores. A sua condição de católico altera a forma como está nos negócios?
– Não tenho qualquer dúvida que muda. Muda o sentido ético das decisões que os empresários têm que tomar no mundo de conflitos permanentes em que as empresas vivem. Um dos problemas hoje mais latentes é a ausência de uma dimensão ética nas decisões dos empresários, que são muitas vezes extremamente difíceis e complexas.
Um empresário tem que gerir relações, dentro e fora da empresa, altamente conflituantes e em que tem de haver uma dimensão ética na articulação dos vários projectos. Essa dimensão vai ganhar espaço à medida que fica claro que foi a sua ausência que eventualmente poderá estar na origem da conjuntura que hoje atravessamos.
– O pecado capital que está na origem desta crise é a ganância?
– Não tenho qualquer dúvida. Não é aceitável que se diga que esta crise era imprevisível. No início do século vivemos circunstâncias muito parecidas com estas, embora de consequências claramente menos devastadoras. Foi o que aconteceu nos EUA com a Enron e com a WorldCom e na Europa com a Parmalat. Na origem estava exactamente a mesma ausência de ética, o mesmo tipo de perspectiva especulativa em relação aos negócios, a mesma ausência de princípios em termos de responsabilidade social.
Em 2001 e 2002, nos Estados Unidos, fez-se a lei Sarbanes-Oxley [que tentou regular aspectos da auditoria, transparência e contabilidade das empresas, na sequência dos escândalos atrás referidos] e aquilo que na introdução dessa legislação se lê são exactamente as mesmas circunstâncias que agora vivemos.
Todas: a ausência de regulação, a responsabilidade por parte das estruturas como os auditores, a regulação do mercado de capitais…
– Coloca também entre essas causas os salários dos gestores?
– Coloco-a como desequilibrada, sobretudo nos bónus que são dados aos gestores. Muitos são dados em acções da própria empresa, o que faz com que os gestores tenham tendência a privilegiar o curto prazo, retirando a perspectiva de médio e longo prazo que deve estar presente em qualquer projecto, dando-lhe uma perspectiva especulativa que acabou por conduzir à situação actual.
– Como é que se explica essa degradação da ética? Será que o colapso do comunismo deu aos gestores a sensação de que tudo é possível para ganhar dinheiro?
– Nos últimos 20 anos criou-se um sentido de impunidade das lideranças empresariais que veio a ser validado pela falta de consequências pesadas como deviam ter acontecido nos casos que foram acontecendo. A ausência de regulação, de supervisão, de estruturas de controlo…
– … isso é culpa dos políticos.
– Esta crise é basicamente uma crise de lideranças, políticas ou empresariais. Esse é um dos problemas desta crise: pretende-se que aqueles que criaram esta situação nos tirem agora dela.
– Quem há-de ser então? O Estado?
– Não há tempo para esperar que apareça uma nova classe empresarial com outro tipo de postura ética. Os protagonistas deviam entender-se e perceber que têm que encontrar novos paradigmas. Temos que fazer apelo à sustentabilidade, que é a satisfação das necessidades de uma geração sem prejudicar o mesmo direito das gerações seguintes. Isto começou por surgir aplicado ao planeta e aos seus recursos finitos, mas hoje estende-se em relação a tudo o que é a vida do Homem.
Tem que ter uma perspectiva de responsabilidade, de longuíssimo prazo. As gerações seguintes são muito mais do que os que hoje estão no planeta e basta fazer as contas para perceber quantos biliões de pessoas serão afectados pelas nossas decisões. Tem que haver medidas que preparem a retoma com esta perspectiva de futuro.
– E está a ver essas medidas a serem tomadas?
– Não. No pós-crise vai haver um emagrecimento quantitativo mas também qualitativo. Os mercados vão-se alterar de forma dramática. O sector automóvel, por exemplo, partiu do princípio que vamos continuar a trocar de carro a cada dois anos. Se esse período passa para três anos, a aritmética diz-nos que o mercado cai um terço.
E os fabricantes também têm que saber que têm que fabricar carros que durem três e não apenas dois anos. Isso obriga a repensar o negócio e isso já está a ser feito.
– Isso passa-se também noutros sectores. Quer dizer que não conseguiremos manter os níveis actuais de emprego?
– Não tenhamos nenhuma dúvida sobre isso. O problema da requalificação é o mais complexo que temos em cima da mesa. Imagine, por exemplo, o problema do Alentejo. Em Aljustrel vai haver um problema que vai implicar o desemprego de algumas centenas de trabalhadores nas minas. Eu tenho enorme dificuldade em os aproveitar no projecto turístico do Parque Alqueva, como gostaria.
– A ética de que fala passa também, como já referiu, por mercados concorrenciais e pela luta contra todas as formas de corrupção. Isto está hoje mais garantido em Portugal?
– Somos demasiados permissivos em relação a algumas práticas. Vai demorar algum tempo até se assimilar a dimensão ética que é necessária aos negócios. A longo prazo todos os mercados e os consumidores vão valorizar essa postura.
Público, 23-05-2009