Elites à beira da destruição

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“A imagem de que as elites (em Portugal) são todos uns ladrões (…), só se passou no pós 25 de Abril”. E é grave o facto de estarmos “à beira de chegar à destruição das elites’, afirmou o gestor João Talone durante o almoço-debate da ACEGE, associação dos empresários cristãos, onde abordou a temática do novo paradigma da gestão  
Por VÍTOR NORINHA

“Na Europa pode haver um conjunto enorme de desempregados na rua por falta de apoios”, enfatizou João Talone, perante dezenas de empresários nacionais reunidos no debate da ACEGE.

Ao comentar a actual situação económica e social na Europa e nos EUA, Talone disse estar muito preocupado e deu o exemplo da Grécia, cujo ambiente qualificou de “algo mais grave do que uma manifestação de estudantes de esquerda”.

O gestor atribui o problema aos políticos, que se “fartaram de fazer demagogia” e a crise passou do sistema financeiro à economia real e rapidamente está a passar do sistema económico para o sistema político e social. Antecipa algo que poderá acontecer na Europa a nível social nos próximos oite ou nove meses e que obrigará o “velho continente” a tomar medidas graves.

Na Europa não se mudou o modelo de gestão e o Tratado de Lisboa não foi ratificado por todos. Talone defende que na Europa ou se caminha para a federalização ou haverá um retrocesso, e isto por que “hoje não se decide porque é politicamente incorrecto, para duas, três semanas depois se tomar a decisão e esta não ter qualquer contributo para a hipotética solução (porque chegou tarde)”. Nos EUA tudo se passa de forma diferente, afirma.

Na Europa existe o grande problema de credibilidade e o sistema financeiro “não está a funcionar, o dinheiro não chega à economia, os sistemas financeiros espanhol e inglês estão fechados”.

Talone afirma que é grave o facto dos bancos com dimensão estarem a desaparecer e os bancos de cada um dos países europeus “reservam-se” para dar apoios às suas economias domésticas.

A Europa está sem soluções para a crise económica e financeira instalada. À questão de como a resolver, João Talone contrapõe uma ideia que lhe ocorrera e que ganhou corpo depois de a ver escrita no Finantial Times por um reputado colunista. “Os bancos centrais de cada país poderiam funcionar como câmara de compensação local, dando eles (bancos centrais) as garantias, e canalizando a falta de fundos para o BCE”, disse.

Defende, por isso, uma plataforma de entendimento entre os principais partidos nacionais com o objectivo de assumirem valores fundamentais, evitando o desvio para a “batalha política da temática actual da crise financeira e crise económica.

“Não interessa se e 0% ou 0,1%”, afirma, tendo elogiado a governação socialista actual. “A actuação do governo português tem sido marcadamente positiva, enquanto a oposição tem sido destrutiva e não está à altura do momento”. Talone disse ainda que se “caminha para uma nova maioria do PS”.

As elites
As notícias sobre os bancos BPN, BPP e BCP “levaram a criar a imagem errada sobre as elites, algo que está errado porque elas são necessárias”, explica o gestor.

Afirma ainda que a demagogia levou a criticar a intervenção pública no BPP, quando esta “foi bem-feita”, embora considere ser “algo difícil de explicar à população”. Rematou no seu comentário que “o governo português funciona muito melhor do que o governo espanhol”, o qual só recentemente tomou consciência da dimensão do problema e só agora está a começar a actuar.

Sobre a actual situação financeira em Portugal, disse que o facto da CGD ter ido ao mercado interbancário internacional obter liquidez com o aval do Estado, tendo conseguido um spread de 90 pontos de base, algo que é elevado, mesmo com o risco soberano, não reflecte um risco país elevado.

Significa que há menos liquidez no mercado, algo que tenderá a agravar-se.

© DR

Auto-regulação não chega
João Talone teorizou sobre os últimos acontecimentos para exemplificar a necessidade de um novo paradigma da gestão. Disse que nos últimos 15 anos se assistiu à globalização da economia “e não assistimos à alteração do modelo de regulação”.

Durante os últimos, anos aquilo que se viu foi um “sistema financeiro ultra-eficaz e inovador que provocou um desenvolvimento e um bem-estar nunca vistos até aqui”, prosseguiu.

No entanto, sublinhou, “metade do balanço do sistema financeiro mundial continua a não estar sob qualquer supervisão”.

A questão do subprime “teve pouco a ver com a crise que existe”, afirmou, porque “o mais relevante (neste crise) foi o facto de se transformar o princípio de que quem avalia e assume o risco deixar de ser a mesma entidade que suporta o risco, para além de ter deixado de ser a entidade que fecha o crédito”. Esta foi uma realidade que duplicou nos últimos três anos, com a opção de crédito a repassar para veículos e estes a serem revendidos.

“O princípio da “des-solidariedade” entre quem dá e quem cobra, fez o empolamento”, concluiu. Deu o exemplo prático de quem trabalha na banca de investimento, ao afirmar que até 2006 era comum os bancos darem 8 vezes o capital da dívida na compra de empresas, e repassavam o risco para veículos. (…) Hoje dão três vezes o capital em balanço por que o risco esta dentro dos bancos.

O que fazer?
A pergunta que se faz é como sair da crise de liquidez?

A essência da resposta está na questão da confiança. “O sistema está todo alavancado e a liquidez não chega aos consumidores finais. Aquilo que está a ser cedido está a servir para desalavancar (os bancos) e não se pode, nem vale a pena começar a pensar em soluções até se dissipar a crise de liquidez”.

Talone citou uma notícia do FT que dava conta de que as injecções de liquidez não estão a chegar às famílias e se os Estados não forçarem essa transferência, os mesmos Estados terão de nacionalizar todo o sistema financeiro.

O gestor elogia a opção dos EUA, onde “há alguém que manda” e onde a Fed irá injectar toda a liquidez que for necessária, enquanto os decisores políticos optam por medidas keynesianas de forçar o investimento público em substituição do investimento privado em falta. O défice dos EUA poderá, por isso, chegar ao recorde de 10% do PIB e a dívida pública subirá de 60% para 80%, com a emissão de um trilião de dólares, tomados essencialmente por investidores estrangeiros.

Este é um novo desafio para a Europa, argumenta João Talone, porque esta decisão significa que os activos denominados em dólares terão de ser mais atractivos, o que se conseguirá com a depreciação da divisa norte-americana, estimando os analistas uma paridade de 1,9 no euro/dólar.

Warren Bufett foi o primeiro a compreender isto e nos últimos dias “shortou” 25 mil milhões de dólares na expectativa de queda desta divisa. “Este é o primeiro tema de grande preocupação na Europa” e isto porque se está “no fim de uma expansão do continente europeu e não se mudou o modelo de governação e (…) não se decide porque é politicamente incorrecto”.

© Artigo publicado originalmente no Jornal OJE. Publicado com permissão.

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