Depois de dois dias de conferência, os pensadores de gestão que se reuniram em Viena foram convidados a fazer um exercício não só de súmula das principais temáticas tratadas neste Fórum Global, mas sobre o que Peter Drucker diria sobre o actual estado de graça – ou de desgraça – da gestão. Seguem-se as principais conclusões
A sessão de encerramento do Drucker Global Forum foi liderada por Rick Wartzman, director executivo do Drucker Institute . Admirador confesso da obra de Peter Drucker, o também colunista da revista Time, responsável pela coluna “The Drucker Difference”, publicou um livro com a colecção dos seus escritos, o qual intitulou “What Drucker Would Do Now”. E foi com esta mesma perspectiva – a de imaginar o que Drucker diria do estado da gestão em 2013, que alguns dos organizadores da conferência se juntaram a Wartzman para recordar os ensinamentos do mestre e comprovar que muitas das suas ideias, visionárias na altura, acabariam por se tornar realidade. O VER apresenta de seguida as principais conclusões desta sessão de encerramento. De acordo com Rick Wartzman, Peter Drucker adoptaria uma atitude de humildade face à complexidade – “O estado normal das coisas nunca foi outro senão o da turbulência – o contrário é que é excepção”, afirmou, longe de imaginar a verdadeira turbulência que se viria a manifestar três anos após a sua morte. O homem dos sete instrumentos – Drucker foi jornalista, colunista, consultor, autor distinto na área da gestão, romancista e professor em part-time – sempre afirmou que, sem prática, o académico não pode contribuir para a gestão. E também sempre dedicou a sua prolífica mente a pensar sobre as formas como as pessoas tentavam gerir a complexidade e também sobre o papel dos economistas, os quais, durante um longo período de tempo, eram considerados como “infalíveis”. Adicionalmente, Drucker manifestou também vontade de escrever o livro “Gerir a Ignorância” – algo que não conseguiu cumprir – na medida em que era costume pedir aos seus estudantes que abordassem os problemas com uma atitude de desconhecimento, ou seja, a partir do zero. Drucker acreditava também na estratégia da “base para o topo” e seria, decerto, adepto de estruturas que se auto-organizassem. E, já em 1954, previa que as estruturas que tentassem exercer o controlo a partir do topo não iriam sobreviver. O vienense Peter Ferdinand Drucker sempre foi um visionário e não deixou de gerar polémica. A sua visão da gestão como uma arte liberal nunca foi devidamente compreendida pelos seus pares contemporâneos. Reza a história que um dos seus estudantes lhe perguntou o que deveria fazer para se tornar num gestor melhor, ao qual Drucker aconselhou que deveria estudar violino. Duas das suas premissas defendiam acerrimamente que a aprendizagem contínua seria sempre a chave para a sobrevivência, bem como o acto de colocar o cliente no centro da organização. E, tantos anos passados, são estas mesmas ideias que os praticantes de gestão defendem como centrais para as organizações da actualidade. Centrais ao seu pensamento – e, consequentemente, aos valores que tentava transmitir aos seus alunos – estão os valores da paixão, pessoas e lucro (uma espécie de antevisão do que viria a ser a triple bottom-line da responsabilidade social), e a ideia de que as premissas económicas eram importantes, mas não os valores essenciais da vida. E se a palavra “propósito” foi inúmeras vezes evocada ao longo deste Fórum (bem como em toda a literatura e pensamento de gestão ao longo de 2013), em 1973 já Drucker afirmava que se o lucro se transformasse no propósito, toda a actividade da gestão e, consequentemente, da economia, seria completamente distorcida.
O que defendia na altura era que o propósito de uma organização seria o de oferecer valor para os indivíduos, um mantra que só começou a aparecer na história da gestão há pouco mais de uma década. Por outro lado, e mais relacionado com o próprio tema da conferência – a forma como as organizações estão estruturadas – os responsáveis pela sessão de encerramento sublinharam que a gestão do século XX nunca conseguiu resolver o problema de como combinar a disciplina, a execução e a inovação contínua, muito possivelmente devido ao facto de os valores pelos quais se guiavam as organizações do século passado serem a eficiência e a previsibilidade. Recorde-se que as características que envolvem os negócios – e não só – na actualidade apresentam-se como o inverso destes: ambientes voláteis, incertos, complexos e ambíguos. Na actualidade, a transparência emerge com uma das principais características do ambiente de negócios, em conjunto com a própria comunicação que se tornou multidimensional. A JP Morgan, enquanto organização de grandes dimensões, foi a eleita para ser apresentada como um exemplo desta era da transparência e na qual os clientes se transformam em “produtores”, já não sendo meros receptores de bens e serviços: ou seja, face ao conjunto massificado de comentários negativos que a mesma teve no Twitter, a gigantesca firma foi forçada a abandonar esta nova forma de comunicação “social”. Pierre Hasler, em representação da consultora Capgemini, foi o último orador nesta sessão de encerramento, a qual concluiu com um apelo à celebração da complexidade, na medida em que na actualidade são cada vez mais os produtos e os serviços das empresas que se mantêm conectados com as mesmas, funcionado como “emissores de feedback”. Hasler chamou igualmente a atenção para a crescente ambiguidade em que se encontram os trabalhadores, na medida em que estes estão permanentemente ligados à empresa onde trabalham, seja no horário de expedientes, como fora dele. Sublinhando a ideia já anteriormente referida e defendida pelo próprio Drucker, no que respeita ao cliente estar, de forma crescente, no centro da organização, o responsável da Capgemini relembrou a substituição da sua anterior atitude passiva face aos produto e serviços, a qual foi profundamente substituída por um comportamento activo e participativo, que as empresas não podem esquecer nem por um segundo.
Por fim, Pierre Hasler declarou que todos os executivos foram treinados para traduzir as ideias complexas em ideias simples e prioritárias, algo que, a seu ver, é crescentemente necessário nos dias que correm. Hasler defende igualmente a criação, no interior da organização, da “simplicidade com propósito”, que deverá ser abraçada por todos os colaboradores. Estes deverão ser capazes de se auto-organizar sempre que possível. O segundo alvo da simplicidade deverá ser aplicado aos clientes, cuja posição pode até ser um elemento perturbador para a empresa, mas que não pode funcionar como um impedimento para que as organizações se dediquem inteiramente ao trabalho que fazem pelo cliente, transformando-o numa experiência única e com procedimentos harmonizados. Ou, como escreveu Drucker, “a primeira grande medida de inovação é abandonar organizadamente o passado”. E Drucker teria dito: eu bem avisei… Todavia, e de acordo com os organizadores da conferência, o que talvez o surpreendesse mais, e pela negativa, estaria relacionado com a forma como o trabalho na actualidade está a ser coordenado. Nos livros que escreveu ao longo dos seus últimos 10 anos de vida (Drucker faleceu em 2005), o pai da gestão moderna teve sempre em mente a seguinte questão: como seria possível melhorarmos a produtividade do trabalhador do conhecimento? E não teve tempo suficiente para encontrar uma resposta para tal. Todavia, nos últimos anos essa questão começa a ter mais respostas e Drucker ficaria possivelmente agradado com a ideia tão falada do design thinking, da substituição do controlo vertical pela estrutura horizontal, entre outras ideias discutidas no Fórum. No que respeita à emergência extraordinária das novas tecnologias e dos media sociais, os organizadores acreditam que ele concordaria com a ideia postulada por Dan Tapscott no que respeita ao facto de a tecnologia, por si só, não, garantir um futuro positivo. Se, por um lado, a tecnologia permite a possibilidade de uma interacção muito maior e uma sociedade muito mais aberta, por outro, pode também criar possibilidades muito mais negras para as quais devemos estar em permanente alerta.
No que respeita aos líderes para este novo mundo, em alguns sectores, existe já uma enorme experiência de formação para a Economia Criativa emergente. O que é particularmente verdade no sector em constante desenvolvimento do software, no qual a inovação representa a sua força motriz. Para os participantes, é neste sector que é mais visível uma abordagem extensa e alargada no que respeita à formação de líderes que saibam responder aos desafios da inovação contínua e das equipas auto-organizadas. Adicionalmente, os especialistas concordam que os demais sectores deveriam colocar os olhos no exemplo acima, aplicando o tipo de formação nele existente às demais indústrias. Um outro aspecto relativo à criação dos líderes adequados tem, obviamente, que ver com a alteração das próprias organizações. Para que seja possível encorajar o novo tipo de liderança necessária para estes novos tempos, em oposição aos ambientes organizacionais que muitos oradores descreveram, em particular, como organizações que matam a inovação, o entusiasmo, a confiança e o espírito que se procura exactamente para estes novos líderes, a mudança organizacional. Assim, alterar as próprias organizações constitui, para os organizadores do Global Forum, a tarefa mais urgente para que se possam “criar” o tipo de líderes que mais precisamos. Ou, como defendia Drucker, “colaboração, e não coordenação, é a tarefa central da gestão e do gestor”. Nota: O VER recorda aqui o artigo escrito por Jorge Nascimento Rodrigues a propósito da celebração dos 100 anos passados sobre o nascimento de Peter Drucker. O jornalista é co -autor do livro Peter Drucker: O essencial sobre a vida e a obra do homem que inventou a gestão e privou com o próprio na sua casa em Claremont, tendo publicado várias entrevistas a Drucker no Expresso e na revista Executive Digest. |
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