“Devemos questionarmo-nos continuamente”

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A quarta geração da família Mello mantém valores transmitidos de geração em geração na gestão das empresas do Grupo José de Mello, os quais assentam nas pessoas, na ética e RS e na inovação, e “estão hoje embutidos na cultura de todos os nossos negócios”. No almoço que abriu o Ciclo de Debates da ACEGE dedicado à temática “Liderar para Transformar”, Vasco de Mello defende o papel fundamental dos empresários para a economia, alertando que é necessário “aprender com os erros”, ter “consciência de que cada pessoa faz a diferença” e “questionarmo-nos continuamente para criar valor e riqueza para a sociedade”
POR 
GABRIELA COSTA

Vasco de Mello foi o orador convidado no almoço-debate da Associação Cristã de Empresários e Gestores que assinalou o reinício das actividades da ACEGE em 2018/2019, sob o mote “Liderar para Transformar”. No evento realizado em Lisboa, a 10 de Outubro, o presidente do Grupo José de Mello partilhou a sua experiência de gestão nas empresas que dirige – e que são líderes de diversos mercados em Portugal.

O empresário recordou que a empresa fundada em 1897 pelo seu bisavô, Alfredo da Silva (que criou a CUF por fusão da Companhia União Fabril e da Companhia Aliança Fabril) é hoje detida pelos 11 irmãos da quarta geração da família, accionistas do grupo em conjunto. Defendendo que “somos uma família de negócios”, Vasco de Mello explicou como, ao longo das quatro gerações, todos os seus membros contribuíram para se manterem fieis ao lema do fundador, “Mais e Melhor”, com um foco na inovação, na criação de valor para todos os stakeholders e na promoção do bem-estar da sociedade.

Foco esse que já o seu avô, Manuel de Mello (que “teve um papel muito importante na consolidação do grupo”), perseguiu até às últimas consequências, de tal forma que quando se casou com a sua avó, Amélia da Silva, lhe disse que ela tinha de se lembrar que também se iria casar com as empresas do grupo. Nas palavras de Vasco de Mello, “tratava-se de um sentido de enorme responsabilidade, que significava que na vida estávamos para desenvolver o grupo, criando emprego, gerando valor e sempre assumindo o tema da responsabilidade social, que era fundamental”. E este conceito “foi transmitido na família ao longo dos anos”.

Já o seu pai, José Manuel de Mello, em conjunto com o seu tio, Jorge de Mello, teve um papel essencial no desenvolvimento da obra social do grupo, com base num sentido de missão que integra hoje a Fundação Amélia de Mello. Como explica o orador convidado, “com a revolução o grupo foi nacionalizado, mas o meu pai nunca baixou os braços, pois considerou sempre que era sua responsabilidade ir mais longe. E portanto, contra ventos e marés, continuou a batalhar e assim que pôde reconstruiu o grupo em Portugal”.

[quote_center]A nossa responsabilidade traduz-se em valores ao nível do desenvolvimento humano e das competências[/quote_center]

Hoje a José de Mello é completamente diferente do que foi no passado, diz. O grupo está diversificado – integra as empresas Brisa, José de Mello Saúde, José de Mello Residências e Serviços, Bondalti, ATM, Monte da Ravasqueira e Efacec –, e tem actividades em inúmeras áreas, desde a concessão rodoviária à manutenção ou ao sector vinícola. A aposta em vários negócios é uma característica que sempre procurou ter, não só para diminuir o risco mas, e principalmente, para “ter impacto” e “conseguir uma estrutura que consegue levar para a frente a gestão”, explica Vasco de Mello.

A José de Mello integra três plataformas de maior dimensão: a Bondalti, “que é no fundo a ex-CUF na área química”, ou seja, a origem do grupo; a Brisa, “que todos conhecem”; e a José de Mello Saúde, que hoje tem uma posição de liderança no mercado – “tendo partido de um só hospital, a CUF Infante Santo, é hoje um grupo hospitalar com uma rede nacional”, diz.

Em termos de dimensão, é de destacar mais de 1,7 mil milhões de euros em proveitos operacionais e seis mil milhões de activos sob gestão. “Estamos a investir, desde 2017 e até 2021, mais de 800 milhões de euros”, avança Vasco de Mello, sublinhando que o grupo tem actualmente cerca de 12 mil trabalhadores, dos quais mais de 400 foram contratados a partir de 2017.

Trata-se, na visão do orador, de “uma enorme responsabilidade, na perspectiva de assegurar a continuidade de criação de valor e da nossa responsabilidade social perante não só a sociedade mas também os colaboradores”.

Perseguindo a vontade do seu pai de ter a base do grupo em Portugal, garantindo que toda a actividade desenvolvida tem de constituir “um contributo para a sociedade”, sublinha. A forte presença do Grupo José de Mello no País “não significa que não tenhamos ambições de internacionalização”, adianta, mas Portugal é o país onde sentimos maior responsabilidade”.

E essa responsabilidade traduz-se em valores ao nível do desenvolvimento humano e das competências das pessoas – um dos pilares do grupo, a par da Ética e RS, onde se enquadra a parceria com a ACEGE, e da Inovação: “temos a responsabilidade de inovar. Só assim poderemos ir mais longe”, comenta, a propósito, Vasco de Mello. Estes valores, transmitidos de geração em geração, “são fundamentais para garantir o crescimento e a resiliência do grupo no passado, e estão hoje embutidos na cultura de todos os nossos negócios”. E, de resto, não nasceram da moda vigente de falar em sustentabilidade e responsabilidade social mas, pelo contrário, existem desde sempre na visão da empresa, conclui.

As pessoas no centro da cultura empresarial

O pilar das pessoas implica um compromisso de formação contínua dos colaboradores da José de Mello, através de acções a todos os níveis das organizações, e que se traduz já em mais de 195 mil horas de formação por ano.

Paralelamente, o grupo é uma empresa familiarmente responsável, “característica transversal a todas as empresas” que integra e que reflecte o propósito de respeitar a vida de todos os colaboradores e que também é um “tema fundamental, face à demografia em Portugal”, considera Vasco de Mello, acrescentando: “ouvimos os nossos colaboradores e o que mais necessitam”.

A reestruturação da Brisa em 2009 é, para Vasco de Mello, um exemplo do compromisso do Grupo com “as suas pessoas”, já que o programa de recuperação implementado evitou aquilo para que “muita gente apontava”, e que a legislação nacional prevê: o despedimento colectivo. “Decidimos não fazê-lo”, recorda Vasco de Mello.

[quote_center]Temos a responsabilidade de inovar. Só assim poderemos ir mais longe[/quote_center]

Num contexto desafiante em que o fraco crescimento económico do país implicava fracas perspectivas de crescimento do tráfego; a extensão da rede de auto-estradas suscitava um incremento nos custos de operação e manutenção; e a cobrança de portagens representava quase 50% dos custos operacionais da empresa, “a introdução de novas tecnologias permitiria reduzir significativamente os custos operacionais, de cobrança de portagens, e melhorar o serviço ao cliente”. Mas a medida implicava a redução de um número considerável de postos de trabalho, incluindo o de muitos portageiros com grande antiguidade e com reduzida formação e qualificação. E a realidade é que “vários membros da mesma família que trabalhavam na mesma empresa podiam perder os seus empregos”, pelo que dispensar pessoal “gerava impactos significativos num nível social e humano”.

Assim, e face à necessidade de ser mais eficiente, a Brisa optou por uma “decisão inteligente” sobre quem deveria dispensar, desenvolvendo um programa de indemnizações dirigido a dois tipos de pessoas: os colaboradores que dispunham de mais alternativas, especificamente os mais jovens e com mais qualificações, que “tinham mais facilidade em encontrar uma nova ocupação”; e os colaboradores mais antigos na empresa e próximos da aposentação. Foi accionado um plano de revogações voluntárias dos contratos de trabalho, negociadas por mútuo acordo, e implementadas diversas medidas de apoio à empregabilidade, como incentivos à criação de emprego próprio (apoio nas candidaturas e comparticipação nos investimentos), formação para empregabilidade futura e serviços de outplacement (procura de emprego), os quais permitiram que vários gestores fossem “colocados em empresas no estrangeiro com salários acima dos que estávamos a pagar”, explica Vasco de Mello.

[quote_center]A reestruturação da Brisa em 2009 é um exemplo do compromisso do grupo com as suas pessoas. Conseguimos manter a paz social em todo o processo[/quote_center]

“Confrontada também com a redução do número de passageiros”, a empresa investiu ainda na criação de dois centros de operação remota de portagens e assistência a clientes, tendo optado por descentralizá-los para zonas do país com maiores níveis de desemprego (Maia e Vendas Novas). Isto apesar de existir uma infra-estrutura suficiente na sede em Carcavelos.

E foi assim que, numa empresa com mais de mil pessoas sindicalizadas (filiadas tanto na UGT como na CGTP), “conseguimos manter a paz social em todo o processo”. Após um ano da implementação das medidas, 70% dos colaboradores que aceitaram revogar os contratos tinham encontrado um novo posto de trabalho ou apresentaram candidaturas a projectos de criação de emprego próprio, conclui.

No âmbito da estratégia de ética e responsabilidade social do grupo, a Fundação Amélia de Mello, instituída em 1964, “é um património do avô e uma homenagem à avó” de Vasco de Mello, que actua em três áreas: educação, através de apoios filantrópicos a estudantes sem meios para prosseguirem os seus estudos, a partir de critérios de mérito e em função dos rendimentos familiares; bolsas de estudo, com vista a contribuir para a formação de filhos de colaboradores das empresas do grupo que desejem obter uma licenciatura ou um mestrado; e protocolos com universidades para apoio à formação de alunos, professores e projectos académicos que contribuam para o progresso do conhecimento e da investigação (inicialmente estabelecidos com as universidades Católica e a Nova, e actualmente com várias instituições). Hoje o valor anual dos donativos atribuídos pela Fundação Amélia de Mello atinge cerca de um milhão de euros, garante Vasco de Mello.

A vertente da ética e da RS do Grupo José de Mello é extensível a todos os seus negócios através da participação em vários programas de cidadania, em áreas tão díspares como a educação, a segurança ou o ambiente, e, nas palavras de Vasco de Mello, reveste-se de uma cultura própria que “transmitimos a todos os nossos colaboradores”. O grupo dinamiza ainda um programa de voluntariado transversal em todas as suas empresas que integra mais de 250 colaboradores, incluindo membros da família Mello.

[quote_center]O projecto Grow já permitiu analisar mais de 450 start-ups, iniciar 15 pilotos e aprovar contratos em oito empresas[/quote_center]

Naturalmente o grupo José de Mello aposta na promoção do desenvolvimento sustentável, integrando o WBCSD e realizando, entre outros, projectos relacionados com a implementação de uma mobilidade segura, sustentável, eficiente e inclusiva.

Por último, a inovação é fundamental em todas as plataformas de negócio do Grupo José de Mello, quer ao nível de infra-estruturas e mobilidade na Brisa, quer no serviço ao cliente e nos procedimentos clínicos da José de Mello Saúde, quer ainda a nível de proprietary knowledge da Bondalti, por exemplo.Nesta matéria o grupo lançou em 2017 uma iniciativa de apoio a start-ups – o projecto Grow –, que funciona como um acelerador ao desenvolvimento do empreendedorismo, e que, até à data, já permitiu analisar mais de 450 start-ups, iniciar 15 pilotos e aprovar contratos em oito empresas.

Defendendo que “a inovação é a única forma de criar valor para o futuro”, Vasco de Mello aludiu ao tema anual da ACEGE – Liderar para Transformar, para concluir que “o papel dos empresários para a economia é muito importante”, sendo necessário “aprender com os erros”, ter “consciência de que cada pessoa faz a diferença” e “questionarmo-nos continuamente para criar valor e riqueza para a sociedade”.