Comunicação interna mantém próximos os que estão distantes

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Para Dominique Wolton, sociólogo francês e especialista em Ciências da Comunicação, comunicar não é apenas informar, é também criar relação. E numa altura em que os relacionamentos de proximidade estão suspensos, criar e manter “relação” com os colaboradores que estão confinados nas suas casas é mais importante do que nunca. A EDP, o Santander, a sociedade de advogados Morais Leitão, a firma de consultoria imobiliária Savills Portugal e a seguradora de crédito CESCE demonstram de que forma organizações tão diferentes, de dimensão e sectores distintos, utilizam a “cola” necessária para manter os seus colaboradores motivados, envolvidos e com a certeza de que não foram abandonados, antes pelo contrário
POR HELENA OLIVEIRA

O britânico Institute of Internal Communication apresenta metaforicamente o papel da comunicação interna como “o óleo que ajuda a suavizar o funcionamento da sua organização ou uma ponte que cria ligações entre pessoas e funções”. E numa altura em que o distanciamento social é norma para um extenso conjunto de trabalhadores que passou a desempenhar as suas funções em regime de teletrabalho, a necessidade de se manter uma proximidade genuína com os mesmos tornou-se ainda mais crucial e urgente. A pergunta que naturalmente se coloca é: como manter a motivação, o envolvimento e o compromisso dos colaboradores quando o distanciamento físico é a opção mais segura e, em muitos casos, a única?

Atentas às dificuldades deste até há pouco tempo inimaginável mundo novo, as empresas, e independentemente da sua dimensão e sector, têm vindo a dedicar-se a aprimorar as suas vias de comunicação interna em época de pandemia. O VER falou com cinco organizações que partilharam medidas concretas já implementadas com o objectivo principal de não deixar que os seus trabalhadores se sintam isolados ou “desligados” da empresa, ao mesmo tempo que mantêm a sua motivação e produtividade, tarefa árdua nos tempos incertos em que vivemos. A EDP, o Santander, a sociedade de advogados Morais Leitão, a firma de consultoria imobiliária Savills Portugal e a seguradora de crédito CESCE partilharam o seu novo quotidiano laboral, caracterizado, no geral, por uma saudável adequação por parte dos trabalhadores que se encontram em regime de teletrabalho, mesmo que confrontados com novos desafios e ainda sem data prevista de regresso à normalidade. Vejamos as suas principais apostas.

Motivação, produtividade e proximidade

“Desenhámos um plano de adaptação a esta nova fase que reuniu conteúdos de comunicação interna e formação (em teletrabalho, gestão de equipas remotas, ferramentas digitais colaborativas) que disponibilizámos às pessoas e equilibrou esta transição inesperada”, afirma, ao VER, Paula Carneiro da EDP. E, pelos vistos, a adaptação tem sido bem-sucedida. De acordo com a directora de Recursos Humanos da Energias de Portugal e tendo em conta o que têm observado no ritmo diário e nas interacções com colaboradores de vários segmentos e unidades de negócio, esta nova forma de trabalhar não teve um impacto significativo na produtividade, envolvimento ou motivação dos trabalhadores. Antes pelo contrário. Como declara, “tendo em conta o cenário destas últimas semanas em que a companhia teve de replanear e redefinir planos de trabalho para o novo cenário (ao mesmo tempo que obviamente teve de assegurar o dia-a-dia normal), é seguro afirmar que poderá ter existido um pico de trabalho nesta fase inicial, para o qual as pessoas se envolveram e responderam com bastante entusiasmo, compromisso e sentido de urgência”.

Já o Santander refere a experiência como uma aprendizagem constante, “desde o entusiasmo do ‘isto funciona’, passando por ‘trabalho mais em casa do que no Banco’, até ao ‘temos de desligar’”, como enuncia Sara da Fonseca, responsável pela área de Gestão de Pessoas da instituição financeira, colocando igualmente a tónica numa reinvenção do trabalho a ser realizado, a qual tem sido bastante positiva. Como refere “verificámos que, de repente, estamos a trabalhar de outra forma, mais simples, sem papel. Reinventámos e acelerámos o contacto digital com Colaboradores, Clientes, Fornecedores. Acreditamos que podemos verificar depois, passámos a confiar e não a controlar”, acrescentando que ao desejarem “entregar resultados”, decidem com “rapidez e bom senso”.

Ciente do risco de que o distanciamento social pudesse ter efeitos negativos nos seus advogados e demais colaboradores, a Morais Leitão traçou de imediato um plano para evitar que tal acontecesse, o qual está também a ter bons resultados, tendo começado por aumentar, de forma significativa, a comunicação por parte do seu Managing Partner e da sua Directora Geral, tanto por escrito como por vídeo. “Temos tido a preocupação de que essa comunicação seja sempre clara, transparente e completa, fundamental para a redução da incerteza e de alguma natural angústia das pessoas”, garante Ana Isabel Correia, técnica de Recursos Humanos e responsável efr (empresas famiiarmente responsáveis) da sociedade de advogados, e que realça igualmente que têm mantido um acompanhamento de proximidade com quem se mantém, em regime de rotatividade, a trabalhar fisicamente no escritório: “membros do conselho de administração, o director de recursos humanos e toda a área de RH têm estado a prestar esse acompanhamento in loco”, o qual se estende, e obviamente, aos que estão em teletrabalho. No que respeita em particular aos advogados, organizados por departamentos, o contacto é igualmente permanente, “sob a batuta dos respectivos coordenadores, assegurando que estes mantêm níveis de motivação, proximidade e ocupação efectivos e que sentem o menos possível a distância física”. E o mesmo se passa quanto às direcções: cada director é responsável por manter contacto regular com toda a sua equipa e assegurar-se quanto ao bem-estar e ocupação da mesma.

À semelhança do que se passa na EDP e no Santander, Ana Isabel Correia sustenta também que “até agora, tem sido um plano bastante bem sucedido e sentimos as pessoas muito próximas da organização, nada desligadas, antes pelo contrário, muito conscientes que a proximidade se consegue por muitas formas que não apenas a da mera presença física” e que “a moral está, felizmente, em alta”.

Com a mesma aposta forte em termos de uma comunicação estreita em cada departamento, e com a empresa em geral, está também a Savills que, todas as sextas-feiras, e da parte de cada director ou responsável de equipa, envia um relatório das principais actividades, planos ou acções de negócios para a semana seguinte. O ponto de situação e a distribuição do trabalho é igualmente feito semanal ou diariamente. Por outro lado, e como nos conta a CEO da empresa, Patrícia de Melo e Liz, “o departamento de marketing envia diariamente uma comunicação interna chamada Savills Remote Times,  com o objectivo de manter o espírito de equipa e para que, cada um em sua casa, se sinta unido e motivado pela organização”.

Por uma plataforma interna com o objectivo de manter os colaboradores unidos e informados optou também a CESCE. Apelidada de Todos en Grupo, a seguradora espanhola com sucursal em Portugal há quase duas décadas utiliza esta plataforma não só para actualizar e informar diariamente os colaboradores sobre as acções elaboradas em todo o Grupo, como também” informações actualizadas sobre as medidas implementadas pela CESCE sobre a Covid-19, documentos com ajudas e indicações de como organizar o teletrabalho, como fazer videochamadas e ainda informação sobre operações de voluntariado”. E, como afiança Luísa Malhoa, responsável de Recursos Humanos, “tudo isto cria um grande envolvimento por parte dos colaboradores”.

Criatividade e improvisação ajudam na gestão à distância

E como se gerem pessoas – e equipas – à distância? Quais os principais desafios, dificuldades e, em certos casos, “novas oportunidades” que surgem quando os escritórios passaram a funcionar nas casas dos trabalhadores? “O Grupo EDP tem realidades bastante diversas e, aquelas pessoas e equipas que já tinham o teletrabalho como prática regular, adaptaram-se mais rápido e sentiram menos o impacto da transição. Para as pessoas e equipas que nunca o tinham feito, a adaptação está naturalmente a ser mais exigente e por isso requer mais tempo, mais acompanhamento e atenção por parte da empresa”, refere Paula Carneiro, que confessa, contudo, que “a gestão à distância obrigou-nos a um trabalho de olhar para todos os processos mais core e pensar como poderiam ser adaptados a um formato completamente remoto” e que essa adaptação exigiu “alguma criatividade e improvisação”.

Ana Isabel Correia não nega que existem desafios na gestão remota das equipas: “uma gestão de proximidade é sempre mais fácil. Mas com o diálogo permanente que temos mantido e com a ajuda dos meios informáticos, muito francamente as dificuldades têm sido reduzidas a esse respeito. O foco é mesmo mais em trabalhar a motivação das pessoas”, afirma a responsável de Recursos Humanos da Morais Leitão, acrescentando ainda que, dotados de excelentes ferramentas tecnológicas e de um apoio inestimável do departamento de TI, “todos os advogados e colaboradores têm sistemas informáticos que lhes permitem trabalhar em casa quase como se estivessem no escritório”.

Patrícia de Melo e Liz concorda que é sempre preferível – e mais fácil – gerir com proximidade e que apesar da boa comunicação que existe entre os colaboradores da Savills, não existem dúvidas de que “a comunicação presencial confere um grau de proximidade e humanismo inigualável”. Todavia e a ter de eleger um dos maiores desafios nesta gestão à distância é o de “perceber como está o estado psicológico, os níveis de produtividade, criatividade e organização de cada colaborador”, nomeadamente porque o isolamento social já dura há quatro semanas “e a tendência natural, se não for combatida, será a perda de ânimo”.

Já Sara da Fonseca nomeia como um “enorme desafio” o facto de se conseguir “que os top performers descansem e tirem férias”, a par da liderança pelo exemplo, de ajudar a equipa a progredir, dando autonomia e responsabilidade. “Ensinar a desligar” tem sido igualmente uma das preocupações do Santander que, no geral, afirma não sentir maiores dificuldades do que “a gestão normal”, embora “num contexto de maior tolerância e de perceber melhor as dificuldades”. Para a responsável pela área de Gestão de Pessoas do banco, a verdade é que “alguns problemas até desapareceram… o potencial de queixa baixou” e, acredita, “valorizamos mais o que temos”.

Esta necessidade de “ensinar os trabalhadores a desligar” é comum às organizações auscultadas. Para Paula Carneiro e porque o ambiente e espaço de “trabalho” e de “casa” é exactamente o mesmo, “os limites (principalmente horários) do teletrabalho num momento de lockdown domiciliário podem não ser claros para todos e isso traz consigo naturais riscos psicossociais”. E é para dar resposta a esta dificuldade que a EDP está agora a difundir “um conjunto de guidelines e boas práticas principalmente direccionadas aos gestores de equipas, com o objectivo de reforçar a importância da conciliação e do estabelecimento de fronteiras neste contexto”, acrescenta ainda a directora de RH, sublinhando que “estas recomendações estão relacionadas essencialmente com os temas dos horários e gestão do tempo, do ritmo das equipas e do bom uso de ferramentas colaborativas”.

De que têm mais medo os colaboradores?

Como seria de esperar no contexto atípico em que vivemos, temer pela própria saúde e pela segurança de familiares, amigos e colegas é comum nas organizações auscultadas. E como refere, por exemplo, Paula Carneiro da EDP, “em particular para aqueles que continuam a sair de casa para exercer as suas actividades profissionais e/ou aqueles que pertencem a grupos de risco”. E foi por isso que, no âmbito médico, a empresa criou uma linha interna de atendimento para gerir casos suspeitos de infecção e acompanhar eventuais infectados. Adicionalmente e porque as preocupações associadas ao contexto de isolamento podem levar a situações de risco psicossocial, a EDP disponibilizou também “uma linha de apoio psicossocial que permite o contacto com profissionais especializados em aconselhamento psicológico”.

Mas não são apenas as questões relacionadas com a saúde em tempos de pandemia que ocupam as mentes os trabalhadores. A título de exemplo, e no seguimento de um inquérito recente realizado aos colaboradores do Santader – e no qual o banco obteve 4,6 estrelas em 5 na avaliação global sobre as medidas implementadas – “a entrega de resultados ou a concretização dos objectivos” também figura na lista de preocupações. O mesmo acontece na Morais Leitão, cujos colaboradores “estão igualmente empenhados em continuar a desempenhar o seu trabalho, porque sentem que o esforço colectivo é hoje mais importante do que nunca”.

A difícil gestão entre as exigências do trabalho e o apoio aos filhos ou a outros familiares, ao que se acrescentam ainda as tarefas domésticas, resulta igualmente num esforço complexo a ser feito por todos os que se viram obrigados a trocar as paredes dos escritórios pelo nem sempre tranquilo ambiente do lar. Como refere a responsável pela área de Gestão de Pessoas do Banco Santander, “cumprir a agenda profissional com as múltiplas tarefas domésticas tem sido muito duro para alguns colaboradores. Nem sempre as casas têm o espaço, o silêncio ou a tranquilidade para as actividades mais criativas e de maior foco”. De qualquer das formas, acrescenta ainda Sara da Fonseca, apesar do regresso à “vida normal” estar já a ser pensado pela instituição financeira, de acordo com o inquérito realizado e previamente citado, os colaboradores não expressaram ainda preocupação com esse tema em particular.

E também a EDP refere que, no que respeita à generalidade dos colaboradores, “o principal desafio foi a adaptação ao teletrabalho num contexto em que o volume de tarefas domésticas também aumentou significativamente (para algumas pessoas devido à presença dos filhos em casa, para outros porque estão sozinhos e têm de assegurar todas as tarefas) ”, o que “é exigente e requer, de todos, bastante disciplina e estabelecimento de limites entre o ‘trabalho’ e ‘vida pessoal’”. Já no que respeita às equipas operacionais, “que mantêm as suas actividades no terreno e garantem os serviços de produção e distribuição de energia à população”, o principal desafio foi, e como sublinha Paula Carneiro, “a adequação dos processos de trabalho, levando nalguns casos à redefinição de procedimentos de turnos e à alteração de sistemas de controlo”, sem esquecer, é claro, que “as medidas de contingência contemplam a salvaguarda de distâncias de segurança e utilização de equipamentos de protecção por forma a minimizar ao máximo o risco de infecção e contágio”.

Para além do risco de infecção pela Covid-19 constituir a principal preocupação neste momento, “pois gera medos, angústias e em alguns casos, pânico”, a CEO da Savills afirma ainda que “com um horizonte temporal ainda muito incerto para o fim da pandemia, a situação económica do País, a situação financeira da empresa  e, consequentemente a manutenção dos postos de trabalho”, são as principais dúvidas/temores demonstrados pelos seus colaboradores.

Relativamente ao futuro, a EDP acredita “que a união, entreajuda e responsabilidade de todos são factores decisivos para ultrapassarmos esta situação”, ao mesmo tempo que os colaboradores e advogados da Morais Leitão expressam “uma intranquilidade geral com a situação que o país e o mundo atravessam”, mas também “uma tranquilidade no trabalho e quanto ao seu futuro”.



Face a face é indispensável para manter a proximidade

A que canais e aplicações estão as empresas a dar preferência para manter a comunicação com os seus colaboradores?

Entre o Meet, da Google, ao Zoom, ao Skype e sem esquecer o Microsoft Teams, que permitem a realização de reuniões virtuais e a manutenção da proximidade tão necessária e desejada em tempos de confinamento, algumas organizações têm aproveitado também as suas intranets para assegurarem que os seus trabalhadores não se sintam sozinhos. É o caso da EDP, do Santander (que também tem uma app dedicada aos colaboradores) e da Morais Leitão, ao passo que cada departamento da Savills tem ainda um grupo dedicado de WhatsApp. É que além da comunicação habitual por email e telefone, as empresas sabem que é extremamente importante “estar cara-a-cara com os colegas, saber como estão, ver como nos podemos ajudar, manter a proximidade”, como sublinha, aliás, Ana Isabel Correia.

A EDP, por seu turno, tem ainda uma rede social interna – a Workplace, uma ferramenta online de colaboração em equipa que usa os recursos do Facebook no mundo do trabalho – e que, muito activa, é prova da necessidade “que os colaboradores têm de interagir e comunicar com a empresa e com os colegas”. Como conta Paula Carneiro, “desde o primeiro dia de teletrabalho generalizado que a gestão de pessoas na EDP alinhou com a equipa de comunicação a criação de conteúdos que permitissem uma transição equilibrada” para a nova realidade que a empresa está a viver, com as pessoas a envolverem-se de forma bastante activa nestes mesmos conteúdos.

A eléctrica portuguesa fez uma dupla aposta em conteúdos profissionais e de lazer, os quais incluem uma enorme variedade de formatos. Por exemplo, foi criado um grupo específico no Workplace para partilha de temas relacionados com teletrabalho, ao mesmo tempo que têm sido gravadas entrevistas, via Teams, com colaboradores de várias unidades de negócio e geografias que partilham pormenores da sua transição para este regime de trabalho remoto. Outras entrevistas com especialistas contemplam igualmente temas tão diversos como o mindfulness, a gestão de tempo ou a gestão de equipas (em modo remoto). Os trabalhadores têm ainda acesso a vídeos/directos com exercícios físicos em parceria com ginásios, a aulas online de ginástica laboral e postura, não faltando igualmente a partilha de receitas culinárias saudáveis. E porque a vida em casa neste momento não pode ser só trabalho, os colaboradores partilham igualmente dicas relacionadas com filmes, livros, apps e sites, existindo igualmente uma lista de sugestões semanal dedicada aos vários eventos acessíveis a partir do conforto do lar. E como assegura a directora de Recursos Humanos, “verificámos que as pessoas acabaram por envolver-se de forma bastante activa nestes conteúdos e que o grupo de Workplace encontra-se em ‘ritmo de cruzeiro’ com a maioria dos conteúdos a serem introduzidos pelos próprios colaboradores”.