A primeira regra da Fundação criada por António Champalimaud é “tentar compreender o que o fundador queria”. Foi assim que Leonor Beleza, a presidente da Fundação Champalimaud (FC), iniciou a abertura do ciclo de conferências da ACEGE, na passada quinta-feira, recordando o empresário como fonte inspiradora ao nível da criatividade.
Leonor Beleza foi a convidada do novo ciclo de conferências da ACEGE, cuja temática de fundo é “Portugal tem futuro: missão dos líderes empresariais cristãos”. A presidente da FC definiu a missão e objectivos de uma instituição diferente e que tem potencial para colocar Portugal na vanguarda de temáticas ligadas à Medicina. Especialidades como a oncologia e as neurociências são os objectivos de trabalho de 100 investigadores que vão trabalhar em Lisboa. O fundador nunca definiu, em concreto, o que pretendia que a Fundação fizesse, tendo deixado em aberto a área das ciências da medicina. Os responsáveis têm tido a preocupação constante de interpretar os desejos de António Champalimaud, que deixou a quase totalidade da sua fortuna de que poderia legalmente dispor para este projecto. Leonor Beleza, que recebeu o convite para a administração da Fundação com surpresa, tem tido o suporte permanente de uma outra figura portuguesa de referência, Daniel Proença de Carvalho, que acompanhou o empresário ao longo de muitos anos. Assumindo a vertente humanista, Leonor Beleza falou na ACEGE com entusiasmo de um conjunto de personalidades, destacando o Prémio Nobel James Watson, que se tem empenhado em ajudar a instituição, definindo-lhe objectivos. Beleza frisou uma frase de Watson no dia da inauguração do Centro Champalimaud para o Desconhecido, em Pedrouços, Lisboa, em que este lhe disse que “o facto (de o complexo) estar em Portugal, (o objectivo) não se deve limitar a ficar bem com o país, mas sim fazer algo que fique bem em qualquer parte do mundo e tem indicações para o fazer”. Esta frase levou Leonor Beleza, por seu lado, a afirmar que a FC, com este Centro, “tem a obrigação de estar no nível mais elevado do desafio mundial para terminar com o cancro”. Esta será uma das áreas de investigação do complexo. Leonor Beleza afirma que foram recolhidos milhares de dados para saber o que investigar na área da saúde. Do estudo, afirma, “percebemos que a área em que o investimento e o sofrimento fazem sentido é a neurocirurgia, sobretudo as doenças neuro-degenerativas”. Relativamente à área do cancro, a gestora afirma que “não é tão verdade que haja um ‘gap’ tão grande entre investimento e sofrimento, o que existe é um enorme atraso de conhecimento da Europa em comparação com os EUA. Foi nessa óptica que a FC decidiu investir com o objectivo de encontrar soluções de cura do cancro ou, em alternativa, tornando-o uma doença crónica com a qual se pode viver”. Leonor Beleza frisa que o objectivo do complexo é potenciar “investigação destinada a prevenir e a tratar doenças”. Na prática, trata-se de “investigação aplicada de acordo com os traços do nosso fundador”. O Centro de Pedrouços está a trabalhar sob a responsabilidade directa da FC, o que, sendo “um risco”, afirma, permite que “o nível global da nossa investigação seja puxado para cima”. A aposta começa com dez investigadores nas áreas das neurociências, os quais dirigem dez grupos, num total de uma centena de cientistas que, em Dezembro, estarão a trabalhar em pleno na investigação, a qual é “orientada para as doenças e, depois, para a investigação clínica”. O Desconhecido A Fundação “optou por um modelo de eficácia comprovada: a investigação translacional, ou seja, fazendo permanentemente a ponte entre a investigação básica e a investigação clínica, assegurando que as descobertas científicas e as novas tecnologias se aplicam no desenvolvimento e no ensaio de soluções para os problemas clinicamente relevantes. Desta ligação íntima entre cientistas e médicos, entre investigação e tratamento, nasce mais rapidamente a resposta para os problemas que afligem as pessoas”, refere-se na apresentação oficial da FC. Relativamente ao programa do cancro, a FC chegou a acordo com três grandes instituições norte-americanas (universidades de Princeton, Harvard e Cornell) para o desenvolvimento de programas científicos que já estão em funcionamento e visam criar massa crítica, que está a ser transferida para Lisboa. Os cientistas estão a investigar, a publicar e a formar outros cientistas que irão contribuir com o seu saber e experiência para a instalação do Programa de Metástases em Lisboa. Será o primeiro Centro mundial dedicado exclusivamente à investigação, prevenção e tratamento de metástases. O edifício foi desenhado por um arquitecto indiano de origem goesa que percebeu, em pleno, as ideias dos gestores da Fundação. Criou jardins e áreas públicas, que ocuparão uma parte substancial do espaço disponível. Jardins panorâmicos com uma grande variedade de árvores e áreas verdes, um anfiteatro ao ar livre para a realização de espectáculos musicais, sessões científicas ou artísticas – tudo isto tendo como pano de fundo a água e o Tejo – ficarão à disposição da cidade. O Centro Champalimaud inclui dois edifícios dispostos de forma a promover o acesso livre. O edifício A, que contém, nos pisos inferiores, as áreas de diagnóstico e de tratamento, e, nos pisos superiores, os laboratórios de investigação básica e os serviços administrativos. O edifício B, que inclui um Auditório, uma área de exibições e uma área de restauração no piso de entrada. No piso superior, estão os escritórios da Fundação, que comunicam com os serviços administrativos do edifício através de uma ponte em vidro. Existe ainda um espaço aberto com jardins panorâmicos e um anfiteatro ao ar livre abertos ao público. Os edifícios estão dispostos de forma a criar uma via pedonal em direcção ao mar. No coração do Edifício A, está o bloco principal, com os centros de diagnóstico e de tratamento nos pisos inferiores e com os laboratórios nos pisos superiores. Entra-se no edifício através de um lóbi de duplo pé direito que dá para um jardim tropical coberto. No piso da entrada, encontram-se as zonas de exames, ligadas ao apoio clínico e ao centro de bem-estar. A partir do lóbi, há acesso directo a uma área localizada no piso inferior, onde os utentes podem deixar os seus filhos pequenos. O jardim tropical é a peça central do edifício. Neste piso, situam-se o centro de diagnóstico e o centro de tratamento, sendo que este se abre para um outro jardim, mais calmo e reservado, na extremidade oeste. No primeiro piso, estão localizados os laboratórios de investigação, distribuídos à volta do jardim tropical, os laboratórios de apoio e os gabinetes dos investigadores. Estes espaços culminam numa biblioteca de dois pisos localizada numa posição fulcral na intersecção das duas alas, o que a torna num local de encontro de cientistas e de utentes. O segundo é o último piso de laboratórios, com aberturas para o piso inferior que ligam os dois níveis, de modo a incentivar e facilitar a interacção entre os profissionais, algo que é essencial na investigação científica.
* Artigo publicado originalmente no jornal OJE de 22 de Outubro de 2010. |
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