A capacidade produtiva não tem idade

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Com perspectivas diferentes, se bem que complementares, a directora da PORDATA, Maria João Valente Rosa e Diogo Alarcão, partner da Mercer Portugal, estiveram em plena sintonia no que respeita a uma visão positiva do envelhecimento. Todavia, a primeira alerta para uma profunda desadaptação do modelo de organização social e o segundo apela a um repensar da organização do trabalho nas empresas. Reinventar é, para ambos, a palavra de ordem
POR HELENA OLIVEIRA

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Afirmar que Portugal é um país envelhecido não constitui novidade para ninguém. Original é, de acordo com Maria João Valente Rosa, directora da PORDATA, “ a rapidez do processo [de envelhecimento] a que o país tem estado sujeito”. O mesmo acontece com o título da apresentação da especialista em Demografia, responsável pela abertura do segundo painel da conferência sobre Trabalho e Emprego: “Portugal: tempos de mudança” pode parecer – e ser – um lugar-comum, mas a verdade é que o país tem sofrido alterações significativas não só em termos demográficos, mas também no que respeita à própria sociedade que dele faz parte.

Para responder ao desafio proposto neste segundo painel – “O trabalho: que perspectivas para uma geração experiente”- a situação demográfica e o envelhecimento pela positiva foram enquadrados pela responsável da PORDATA, aos quais se juntaram, de seguida, as visões veiculadas por Diogo Alarcão, parner da consultora Mercer em Portugal, para uma geração que, apesar de grisalha, possui valores intrínsecos que podem e devem ser partilhados com as gerações mais novas. A moderação deste painel esteve a cargo da jornalista e directora de informação da Renascença, Graça Franco.

Comum às duas apresentações é o facto de, em termos de produtividade, a questão não residir na idade. A título de exemplo, Maria João Valente Rosa começou a sua intervenção afirmando que mais preocupante é a falta de produtividade na faixa etária entre os 45 e os 65 anos – aliada, obviamente, ao fenómeno do desemprego – do que propriamente os que, com mais de 65 anos, continuam a contribuir com o seu trabalho para a sociedade activa.

Atentemos, de seguida, ao retrato demográfico deste país que cada vez menos é para velhos e onde o nascimento de crianças diminui de ano para ano, colocando-o nos lugares mais baixos em termos de taxa de fecundidade a nível mundial.

Portugal é o 6º país mais envelhecido do mundo
Nos anos de 1970, a população portuguesa não atingia ainda a marca dos 10 milhões e, por cada 100 jovens, existiam 34 idosos. Portugal era, na altura, o país menos envelhecido da Europa dos 15. A grande inversão desta realidade pode ser apontada no tempo, com o ano de 2011 a registar 125,8 idosos por cada 100 jovens, de acordo com dados da PORDATA, os quais colocam o país nos lugares cimeiros do envelhecimento europeu e mundial. Por seu turno, e se em 1970 nasciam cerca de 181 mil bebés, os números para o ano de 2012 são verdadeiramente preocupantes, não chegando aos 90 mil. O índice de fecundidade (número médio de filhos por mulher em idade fértil) era de 3,0 em 1970, apresentando um declínio abissal em 2012, para 1,28. Se é verdade que ao longo da década de 1980, Portugal enfrentava pela primeira vez a não substituição de gerações (1,56 – em 1990 -versus os necessário 2,1 filhos por mulher), o certo é que em 2012 bateu o recorde da mais baixa natalidade de sempre.

“Na sociedade global da informação, a capacidade produtiva, em conjunto com o conhecimento, não tem idade”

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Todas estas alterações não aconteceram, como sabemos, por acaso. E as razões que as explicam são também sobejamente conhecidas e debatidas, sendo que muitas delas derivam de melhorias substanciais para os portugueses. Da elevada taxa de mortalidade infantil que assombrava Portugal em 1960 – cerca de 80 em cada mil crianças – “vergonhosa”, como a considerou Maria João Rosa, para um dos índices mais baixos do mundo na actualidade – 3,4 em cada 1000, em 2012, existem “muitas razões para orgulho” no que respeita à melhoria substancial da qualidade de vida da população portuguesa nestas últimas décadas. De destacar, igualmente, o aumento da esperança de vida à nascença: face a 1970, os homens “ganharam” 13 anos e as mulheres 12, ou seja, a esperança de vida para o sexo masculino ascende aos 77 anos e, para o feminino, aos 83 anos, de acordo com dados de 2012.

Com o aumentar da esperança de vida e o declínio do número de nascimentos, Portugal enfrenta assim um saldo natural negativo deveras preocupante, na medida em que o número de nascimentos é inferior ao número de óbitos. Adicionalmente e para que Portugal pudesse “dar a volta” a este cenário, necessitaria de um maior número de imigrantes, o qual tem vindo a registar igualmente um decréscimo, ainda que não muito acentuado. Por outro lado, a integração das mulheres na população activa, em conjunto com os números firmemente crescentes dos seus níveis de escolaridade, são também motivo para que sejam mães cada vez mais tarde, com as consequências que tal fenómeno implica.

Os efeitos de um fenómeno inelutável
Recorrendo aos cenários demográficos para 2030 em Portugal, decorrentes de um estudo realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que avalia as possíveis evoluções da população portuguesa para os anos de 2030 e 2050, e do qual a directora da PORDATA foi co-autora, a demógrafa arrisca a prever que a diminuição da população portuguesa, e o seu envelhecimento, permaneçam uma realidade constante. “Mesmo que a fecundidade aumente”, diz, “o mesmo acontecerá com o número de idosos”. Ou seja, para 2030, as perspectivas apontam para uma percentagem de pessoas com mais de 50 anos idêntica à dos que terão menos de meio século de idade.

Assim, que efeitos mais imediatos decorrem desta realidade? À cabeça, Maria João Rosa aponta dois: um desperdício em termos de recursos humanos e a tão falada e temida insustentabilidade do modelo de protecção social.

“Os idosos do futuro não são um decalque ‘ampliado’ dos do presente”

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De acordo com a demógrafa, entre 1974 e 2012, o número de pensionistas, quer da Segurança Social (SS), quer da Caixa Geral de Aposentações (CGA), versus a população activa, cresceu cinco vezes. E, em termos de factores sociais, citando um estudo do Eurobarómetro, salta à vista, para Portugal, a descriminação dos mais velhos. Ou seja, a “idade” funciona como um marcador do valor social e económico do indivíduo. Adicionalmente, como sublinha a responsável da PORDATA, a “reforma está em contraciclo com a esperança de vida”.

A raiz do problema? Para Maria João Valente Rosa, a resposta a esta pergunta não reside no envelhecimento demográfico, mas sim numa profunda desadaptação do modelo de organização social – ou seja, nas mudanças verificadas na sociedade desde que a população começou a envelhecer. Por exemplo, está na altura de dizer adeus e para sempre ao “pleno emprego, à carreira para a vida e à antiguidade na profissão”, sublinha. “Na sociedade global da informação, a capacidade produtiva, em conjunto com o conhecimento, não tem idade”, assegura.

Assim, a especialista em demografia convida a uma apreciação do “envelhecimento pela positiva”, colocando um conjunto de ideias “à prova”, que parte do princípio optimista da “vitória sobre a vida e sobre a morte”:

  • O envelhecimento não pode ser pensado como contrário à produtividade;
  • Os mais velhos, por terem emprego, não “roubam” emprego aos mais novos;
  • A reforma não é maioritariamente desejada (dois em cada três europeus aceitam uma combinação entre reforma e trabalho parcial)
  • Os idosos do futuro não são um decalque “ampliado” dos do presente (sabem que vão viver mais tempo, estão mais próximos das novas tecnologias e têm níveis de escolaridade mais elevados)

Assim, e para terminar, Maria João Valente Rosa partilhou com a assistência duas propostas “a a caminho de uma sociedade mais inteligente”: por um lado, uma nova ordem social, que pense “diferente” e que não se caracterize por uma “idade idosa, uma idade activa e uma idade jovem” mas e ao invés, que este indicador de “idade” seja substituído por um outro que privilegie o “mérito”; e que da segmentação da vida em ciclos – formação, trabalho e reforma – se passe para uma “mistura” dos mesmos.

É que, tal como afirma, a “pessoa tem de ser encarada como um contínuo e não como uma sucessão de gavetas”.

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As vantagens dos cabelos brancos
O valor que oferece uma geração experiente em conjunto com os desafios que se colocam aos gestores e às empresas no que respeita a lidar com uma força de trabalho entre os 45 e os 65 anos foi o tema desenvolvido por Diogo Alarcão, partner da consultora Mercer em Portugal.

São muitos e variados os valores acumulados ao longo da vida e as empresas só terão a ganhar se os conseguirem manter e transmitir às gerações futuras. Se é verdade que o mundo do trabalho se tem vindo a alterar substancialmente, não são de se deitar fora as principais características que, ao longo de décadas, acompanharam os trabalhadores que se encontram hoje nas faixas etárias mais elevadas. Tal como Diogo Alarcão referiu, os conhecimentos técnicos específicos, as capacidades de liderança, o denominado “business acumen” – o qual se traduz no conhecimento aprofundado do negócio, do sector e dos clientes em qualquer que seja a empresa – e, sem esquecer, os níveis de produtividade mais elevados (apesar de enfocados em tarefas administrativas ou mais rotineiras) representam um manancial de experiência inerente à força de trabalho “grisalha” que nenhuma organização deverá desprezar. Exemplos? São vários, mas os escolhidos pelo consultor da Mercer incluem o fundador da Microsoft e actualmente o maior filantropo do mundo, Bill Gates, a comunicadora nata norte-americana Oprah Winfrey, o músico (e também filantropo) vocalista dos U2 e, numa idade mais avançada, mas rica em actividades múltiplas, o Papa Francisco.

O mesmo acontece com a graying advantage, encarada pelas consultoras como os benefícios que uma idade mais avançada traz, naturalmente, “em si embutidos” ou, tal como Diogo Alarcão sublinhou, “os valores essenciais que tendemos a esquecer”: o bom senso, a maturidade e a resiliência, ajudados pelas vantagens do “dejá-vu”, em conjunto com uma rede alargada de contactos, sem esquecer o “mentoring” e, em princípio, uma maior estabilidade emocional com consequentes níveis menos elevados de stress. Bons exemplos nacionais? Manoel de Oliveira e Rui Nabeiro, sem dúvida.

“É necessário falar mais em longevidade e menos em inactividade”

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E no que respeita à complementaridade intergeracional? De acordo com Alarcão, o gap geracional existe, sim, nomeadamente entre os representantes da geração X (os nascidos entre 1960-1985) e os que a precederam (os baby-boomers nascidos a partir de 1946), mas também com a geração Y, a qual, nascida na era digital, encara o trabalho de uma forma completamente diferente das gerações que a antecederam. Se os baby-boomers ostentam orgulhosamente as suas “medalhas” de rigor, fiabilidade, precisão, foco no cliente e dedicação a toda a prova, os jovens Y, que não sabem viver sem tecnologia, têm, para além da energia própria da idade, uma flexibilidade e criatividade que os distingue dos seus pares mais velhos.

Mas e apesar de existirem diferenças próprias de cada uma das gerações que actualmente coabitam o mesmo local de trabalho, esta “mistura” geracional promove, igualmente, níveis de respeito mútuos. E se há tema que não devia passar despercebido em qualquer organização, independentemente da sua dimensão, é o “mentoring” entre gerações. Para o partner da Mercer, o mentoring é responsável pelo aumento de níveis de orgulho (para todas as gerações envolvidas), por uma melhor auto-estima, por um dinamismo crescente, em conjunto com o gosto pela descoberta e, dando origem, sem dúvida, a um verdadeiro respeito intergeracional.

Mas e como não há bela sem senão, existem também desafios sérios que se colocam aos gestores e que estão igualmente relacionados com as respostas dadas pelas empresas no que a esta questão diz respeito.

Repensar a organização à luz da saída de uma geração para a reforma
Para aqueles que pertencem à geração baby-boomer (1945-1960), a idade da reforma ou já lhes bateu à porta ou está perto de o fazer. Esta realidade levanta problemas a vários níveis, nomeadamente no que respeita à gestão de talentos, na medida em que podem existir dificuldades em colmatar lacunas relacionadas com as competências de liderança e com o conhecimento do negócio. Todavia, e antes de esta geração “de saída” se juntar à fileira dos reformados, é “preciso ouvir o rugido que ainda transmitem e a energia que continuam a possuir, ainda que as empresas se esqueçam de tal”, alerta Diogo Alarcão. Adicionalmente, é da competência dos gestores planearem as necessidades futuras das empresas que lideram no que respeita à sua força de trabalho.

Um dos problemas que se coloca à gestão nestas alturas é a forma como esta olha para a geração sénior. Ou seja, fá-lo, na maioria das vezes, numa perspectiva de custos acrescidos – em termos de remunerações, benefícios (saúde, pensões) e de absentismo por doença – o que, de acordo com o consultor, é uma visão errada e, como afirma, constitui “culpa dos modelos e políticas do passado”. O que o gestor deverá fazer é gerir, adequadamente, esta passagem de testemunho, acautelando possíveis problemas de liderança, assegurando um plano de sucessão (prática pouco desenvolvida em Portugal) e apostando no desenvolvimento das gerações que se seguem.

Assim, alerta Diogo Alarcão, é urgente “repensar a organização do trabalho nas empresas”, a qual poderá passar por um conjunto de práticas aplicadas à geração que está de saída ou mesmo que já abandonou o seu “cargo” empresarial. E de que forma? Mediante várias, como apresentou o consultor:

  • Estabelecimento de novos vínculos laborais – na medida em que o despedimento é dramático, não só para o trabalhador como para a própria empresa, há que pensar em soluções alternativas para o mesmo. E não só as empresas devem pensar num plano B, como os sindicatos deverão ter abertura suficiente para o aceitarem, como por exemplo a prestação de serviços versus o contrato de trabalho e a atribuição de “novas” funções como a de “conselheiro sénior” ou a de “desenvolvedor de negócios”. Reinvenção é a palavra de ordem neste campo;
  • Novas formas de remuneração – que não têm de passar pela habitual formatação “fixo + variável”, mas estenderem-se, por exemplo, a comissões por projecto ou de acordo com o sucesso dos resultados atingidos. Uma das ideias fortemente defendida por Diogo Alarcão diz respeito aos ajustamentos salariais progressivos em linha com a redução igualmente progressiva das responsabilidades;
  • Nova forma de organização do tempo – ou seja, privilegiar-se o trabalho a tempo parcial, contratos de curto prazo, turnos mais curtos ou licenças sabáticas;
  • Novas formas de organização do espaço – aproveitar a agilidade e produtividade inerente ao teletrabalho, em conjunto com o facto de os seniores serem mais receptivos à deslocalização para fora dos centros urbanos.

Adicionalmente, Diogo Alarcão sublinha a importância de se identificar as competências específicas dos mais seniores e de se redesenhar processos de trabalho que sejam mais “ajustados” às funções desempenhadas por estes. Uma outra solução apresentada para não se perder esta geração está relacionada com o reforço da componente social do trabalho – a qual poderá incluir o apoio em creches ou em actividades extracurriculares, a integração em redes de alumni e/ou a contribuição para as políticas de responsabilidade corporativa da empresa. Em caso de despedimento “necessário”, a empresa deverá igualmente apoiar o trabalhador numa possível reintegração do mercado de trabalho.

“É possível mitigar a percepção de orfandade e abandono muito comum em recém-reformados”

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Como principais conclusões, e a terminar a sua apresentação, Diogo Alarcão sublinha que o investimento na população mais velha terá um retorno significativamente positivo na motivação das demais gerações e também na retenção do talento. Por outro lado, a promoção da colaboração intergeracional serve para protegermos o valioso capital intelectual das empresas, ou seja, os jovens podem aprender com a experiência e os conhecimentos detidos pelos mais velhos, o que, em contrapartida, contribui para que estes últimos se sintam mais valorizados e motivados.

Em linha com a proposta de Maria João Valente Rosa, também o partner da Mercer concorda que é necessário falar mais em longevidade e menos em inactividade. Esta urgente mudança de paradigma permitirá o desenvolvimento de novas estratégias de planeamento da força de trabalho, que sejam mais consistentes e alinhadas com o negócio, evitando lacunas potenciais ao nível dos conhecimentos técnicos resultantes da saída de um número elevado de seniores num período curto de tempo.

Por último, mas de todo menos importante, é o alerta de Diogo Alarcão no que respeita à necessidade de uma transição gradual e progressiva da vida activa para formas de ocupação alternativas, em conjunto com um acompanhamento e aconselhamento, da responsabilidade das empresas. Como afirma: “a prossecução deste imperativo ético traduz-se na promoção da dignidade do trabalho e da pessoa”. E, acrescenta, “desta forma é possível mitigar a percepção de orfandade e/ou abandono muito comum em recém-reformados”.