O trabalho remoto veio para ficar?

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É uma das questões que tem vindo a ser discutida depois de milhões de pessoas terem sido forçadas a trabalhar em casa e com aparente sucesso. Apesar de existir ainda um longo caminho a percorrer no que respeita a questões de regulação, a possibilidade de as empresas deixarem de ter espaços físicos e investirem, ao invés, em ferramentas de apoio ao trabalho virtual poderá constituir um abençoado corte de custos para muitas, a par da manutenção da produtividade de trabalhadores satisfeitos com a hipótese. Apesar dos contras, que também os há, são já várias as empresas que estão a optar por esta nova via
POR HELENA OLIVEIRA

Como em muitos outros domínios, é a tecnologia que está a mostrar o caminho. O Facebook e a Google informaram os seus trabalhadores que estes estão dispensados de regressar aos escritórios pelo menos até 2021, com Mark Zuckerberg a acrescentar que, até 2030, metade da sua força laboral trabalhará remotamente. Por sua vez, o CEO do Twitter, Jack Dorsey, fez saber que, caso seja do seu interesse, os trabalhadores poderão continuar a trabalhar em casa “para sempre”.

Com o regresso lento das pessoas aos escritórios físicos – os quais têm de lidar com regras difíceis de implementar e cumprir – uma das questões que se está a colocar no mundo do trabalho é exactamente se o teletrabalho vai deixar de ser uma resposta à crise colocada pelo surto de Covid-19 e passar a ser uma norma, pelo menos para os chamados “trabalhadores do conhecimento”que, com as ferramentas certas, conseguem cumprir as sua obrigações profissionais a partir de casa. A mudança súbita e forçada para este êxodo “doméstico” acabou por convencer até os mais reticentes líderes que é possível ser-se produtivo fora das fronteiras físicas dos escritórios, ao mesmo tempo que forçou os trabalhadores que pela primeira vez se viram nestas condições a abraçar as tecnologias de trabalho remoto.

Assim, uma das hipóteses óbvias que se se coloca sobre o futuro do trabalho é a de que o mesmo se possa desconectar dos escritórios físicos. A tecnologia que suporta o trabalho remoto já por cá anda há uns bons anos, e a pandemia abriu portas a uma prova de fogo que, no geral, acabou por ser positiva para empregadores e empregados. A maioria destes últimos, e mesmo com algumas dificuldades iniciais, acabou por se render aos benefícios do teletrabalho e não é preciso ser-se um génio da contabilidade para estimar o brutal corte de custos para as empresas que decidirem assim continuar, mesmo se e quando a pandemia deixar de ditar as regras do confinamento. Assim, são muitos os que prevêem que um número significativo de empresas possa tornar-se completamente virtual, com as equipas não só a trabalharem remotamente, como a fazerem-no a partir de qualquer que seja o local por si escolhido.

Esta mudança drástica terá, decerto, grandes implicações para a congestão do tráfego – com um bónus para os níveis de poluição – para a cultura organizacional e para os lucros corporativos. Claro que existem alguns riscos para as empresas, como por exemplo uma quebra de lealdade por parte dos empregados, acompanhada de índices mais baixos de pertença e até de produtividade – apesar de não existirem ainda dados que evidenciem estas possibilidade – e a gestão poderá revestir-se de maiores dificuldades. Mas também existem verdadeiros benefícios em termos de custos numa altura em que os custos importam e muito. No seguimento de um estudo feito pela Gartner e, nas palavras do seu vice-presidente, Brian Kropp, “mesmo que os empregados que estejam a trabalhar remotamente apresentem uma quebra de produtividade de 5%, as empresas poderão poupar cerca de 20% em alugueres de escritórios, o que, no final, se cifrará num maior retorno”.

Ou seja, com este gigantesco desafio abre-se uma monumental janela de oportunidade. Se as empresas implementarem o trabalho remoto de forma eficaz, este tornar-se-á numa opção viável a longo prazo, permitindo não só os já mencionados cortes de custos relacionados com os escritórios físicos, como uma maior flexibilidade para todos. O contexto extraordinário imposto pela Covid-19 deu origem a um período inicial de aprendizagem e ajustamento individual – tanto para empregados como para empregadores – mas, e com o apoio eficaz dos gestores/chefes de equipa, os trabalhadores acabarão por encontrar o equilíbrio e o método certo para cumprirem as suas tarefas diárias com eficácia. Claro que, e por outro lado, serão muitos os gestores da “velha guarda” que, dependentes da estrutura própria de um escritório físico, poderão considerar este passo como ambicioso demais, pois também é certo que são muitos os que sentem que é necessário estar na mesma sala para poder controlar o trabalho que é feito.

Todavia, a História demonstra que as mudanças sociais que ocorrem em tempos de grande crise acabam por se tornar, em muitos casos, permanentes. E a adopção do teletrabalho como norma é forte candidata a esta mudança.

Ferramentas colaborativas e o aumento da vigilância

À medida que esta tendência se fortalece, é óbvio que a tecnologia ocupará um papel cada vez mais importante na forma como se trabalha. A pandemia causada pelo novo coronavírus trouxe um novo significado a softwares já existentes como as videoconferências ou as aplicações de chat, incluindo o Zoom, o Slack, o Microsoft Teams, o Google Meet, entre outros. “As aplicações que permitem a realização de conferências virtuais e o trabalho colaborativo aceleraram numa magnitude de dois anos”, afirma à Vox Wayne Kurtzman, director na IDC, a empresa líder mundial na área de “market intelligence” e serviços de consultoria para os mercados das Tecnologias de Informação. “O software de colaboração passou de um ‘nice to have’ para um ‘must have’”, acrescenta ainda.

E os números comprovam a tendência. O Microsoft Teams anunciou recentemente que o numero dos seus utilizadores activos diários cresceu 70% para cerca de 75 milhões em apenas um mês, o Google Meet afirma ter chegado aos 100 milhões de participantes no mês passado e o Zoom anunciou 300 milhões de pessoas a participarem nas suas reuniões até finais de Abril.

Durante o período de trabalho obrigatório a partir de casa, muitos foram aqueles que tiveram de aprender a utilizar estas novas aplicações, bem como ajustarem-se a um dia de trabalho repleto de reuniões por vídeo, chats digitais e novos fluxos de trabalho. E pesquisas realizadas pelo IDC “demonstram que as aplicações colaborativas, quando apoiadas por uma cultura também de colaboração, fornecem informação em tempo real aos seus utilizadores, poupam tempo, tanto a nível individual como de grupo, aumentam a produtividade e resultam numa força de trabalho mais ligada entre si”, refere ainda Kurtzman.

Como seria de esperar, muitos são os empregadores que temem que a flexibilidade inerente ao trabalho remoto tenha um impacto negativo na produtividade dos seus trabalhadores. Assim, o mercado também tem estado a assistir a um aumento na aquisição de software de vigilância, que monitoriza o que os trabalhadores remotos fazem nos seus dispositivos, seja o número de batidas no teclado ou o “fotografar” inesperado dos seus ecrãs. Mas também é verdade que apesar de serem concebidas para assegurar a produtividade, estas ferramentas de vigilância podem ter o efeito inverso nos trabalhadores, visto que a sua relação com os empregadores ficará sempre envolta num clima de desconfiança.

Em muitos casos, as empresas acreditam que o simples facto de os trabalhadores saberem que estão a ser monitorizados gera um efeito psicológico que os faz serem produtivos. Mas o que geralmente acontece é que esta monitorização enfraquece os relacionamentos entre empregadores e empregados, estes últimos sentindo-se espiados e vítimas de desconfiança. E é também uma forma de microgestão que poderá fazer mais mal do que bem a longo prazo, na medida em que causa ansiedade e tem um impacto directo na forma como se trabalha. Adicionalmente e em muitos dos casos, são os próprios empregadores que não sabem estabelecer objectivos ou prazos adequados, não estando à espera de rastrear os resultados finais do trabalho, mas sim a presença dos trabalhadores.

Assim, e em vez de software de vigilância, as empresas devem apostar no estabelecimento de objectivos e resultados esperados conferindo aos empregados a autonomia necessária para os alcançar. Quanto mais responsabilizados se sentirem, mais produtivos serão. E, como também sabemos, a confiança é a linguagem que mais une empregadores e empregados.

No extremo inverso, e em vários estudos que têm vindo a ser feitos nestes poucos meses de pandemia, é evidente que a extensão do dia de trabalho está a aumentar e não a diminuir. As pessoas ligam-se mais cedo e desligam mais tarde, mas também é natural que façam mais pausas durante o dia na medida em que estão em casa e outras tarefas concorrem para provocar disrupção no horário “normal” de trabalho.

Para que o teletrabalho decorra eficazmente e com ganhos duplos para ambas as partes, é igualmente necessário que os gestores estabeleçam novas regras de envolvimento com as suas equipas para que sejam incorporados rotinas e rituais que suportem a conexão, a colaboração, a produtividade e o bem-estar. E os líderes precisarão também de uma nova caixa de ferramentas que lhes permita gerir com eficácia uma força de trabalho remota, alinhando-a, motivando-a e acompanhando de muito perto os projectos e a performance em causa. Uma cultura forte, valores profundamente enraizados e partilhados, excelentes competências de comunicação e sistemas e processos de reporte serão imprescindíveis para que o trabalho remoto possa passar a ser uma regra e não uma excepção.

O fortalecimento de laços entre equipas é também uma mais-valia

Se existe algo de positivo no surto de coronavírus que assolou o mundo é o facto de as pessoas sentirem que têm algo em comum com toda a gente do planeta, sentimento esse que simplesmente não existia há dois meses. Como refere o especialista da IDC, “isso dá-nos algo para partilhar e humaniza-nos”, para além de “este sentimento de comunidade ter chegado a um ponto onde a tecnologia serve exactamente para nos fazer sentir mais próximos uns dos outros”.

E, no caso das equipas – e pese embora existirem vozes discordantes – esse sentimento é ainda mais forte. É natural que, depois de um período de enorme turbulência, imprevisibilidade e medo, os relacionamentos entre colegas se tenham aprofundado, na medida em que todos passaram pelsa mesmas dificuldades e necessidades de ajustamento. Estas relações mais profundas, em conjunção com processos de trabalho mais flexíveis, permite algo que é denominado como “trabalho ágil”. Celebrado primeiramente pelas startups e pelas tecnológicas, este conceito implica que uma cultura de flexibilidade, eficiência e criatividade dê origem a uma força de trabalho mais “livre” e com maior autonomia. Esta nova forma de operar é menos hierárquica e mais colaborativa e permite, no geral, que as pessoas façam melhor o seu trabalho.

Como refere Raúl Castañón-Martine, analista sénior na 451 Research, “o que estamos a testemunhar neste momento é uma transição para um tipo diferente de trabalho e uma forma distinta de o organizar”, diz. “Existe uma melhor compreensão dos objectivos que uma equipa tem de alcançar em detrimento dos contributos de cada um”.

Como já referido anteriormente, a tecnologia está a permitir, de forma crescente, que trabalhadores dispersos se “juntem” num ambiente comum e são cada vez mais as soluções virtuais que ajudam as equipas a colaborar, a comunicar e a operar “normalmente”. E à medida que estas transferem as suas habituais reuniões para videoconferências e fazem corresponder os fluxos de trabalho aos processos digitais, são visíveis os benefícios em termos de eficiência, conveniência e transparência.

De forma similar, as actividades sociais e as conversas “de café” próprias dos ambientes de trabalho físicos estão a encontrar a sua versão online através de conversas de chat em grupo e até “happy hours” virtuais. E, se a tendência for para ficar, a capacidade dos ambientes de trabalho virtuais para replicar uma boa parte dos elementos que caracterizam o trabalhar-se em conjunto num escritório físico irá aumentar e serão mais as empresas a optar por esta solução.

Por outro lado, o facto de a pandemia, mesmo que à força, ter aberto portas para o trabalho remoto, permitiu igualmente que os trabalhadores se habituassem a “verem-se” nos seus habitats naturais, o que esbateu a linha entre a vida profissional e a vida pessoal e acabou por aproximar mais os membros das equipas. Ironicamente, foi a tecnologia que tornou esta transição possível. Mas a verdade é que as actuais circunstâncias abriram caminho para uma nova visão do trabalho, na qual o que nos faz humanos é o mais importante.