“Mais justo não significa mais igualitário”

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Alexander Sandy Pepper é Professor de Gestão na London School of Economics

Para a maioria das pessoas e segundo o professor da London School of Economics, Alexander Pepper, o conceito de justiça não corresponde ao que entendemos por igualdade, mesmo que sejam muitas as vezes em que ambos se confundem. Este é o ponto de partida para uma conversa sobre justiça distributiva, estruturas de remuneração, teorias filosóficas e psicologia moral. E também sobre a forma como empresas e trabalhadores olham para a equidade salarial
POR HELENA OLIVEIRA

Outrora partner da PricewaterhouseCoopers, onde desempenhou várias funções de gestão de topo, nomeadamente a de Líder Global de Práticas de Consultoria em Serviços de Recursos Humanos, Alexander Pepper é actualmente Professor de Gestão na London School of Economics and Political Science, no Reino Unido. Enquanto académico, os seus interesses concentram-se sobretudo no estudo das organizações e da teoria da gestão, com especial enfoque na relação existente entre pessoas, trabalho e remunerações, em particular no que respeita ao impacto dos incentivos e recompensas na motivação e comportamento dos executivos seniores. A psicologia, a filosofia e a economia comportamental fazem igualmente parte das suas pesquisas, sendo considerado um especialista na abordagem das estruturas de remuneração das empresas.

Por exemplo, no seu livro The Economic Psychology of Incentives: New Ways of Thinking about Executive Rewards, o professor e ex-consultor da PricewaterhouseCoopers propõe novos princípios para a remuneração dos executivos, ao mesmo tempo que explica a enorme resistência corporativa face à adopção de novos modelos de remuneração ou à mudança das práticas vigentes nesta matéria.

Na extensa conversa que teve com o VER, Alexander Pepper, quando questionado sobre as mudanças que considera obrigatórias para criar não só uma gestão de topo motivada, mas também uma força laboral mais envolvida, responde que, apesar de parecer “quase uma perversidade”, a seu ver, os planos de incentivos a longo prazo – que têm como objectivo ligar de uma forma mais estreita a remuneração à performance – têm, na verdade, contribuído para o inflacionamento do pagamento aos executivos, sem existir uma melhoria significativa na sua relação com a performance. Esta e outras questões estão actualmente a ser desenvolvidas no seu novo livro, intitulado “Agency Theory and Executive Pay”, que será publicado em Dezembro deste ano.

Enquanto principal responsável pelo estudo “The ethics of pay in a fair society: what do executives thinks” (ao qual o VER dedica um artigo nesta sua edição especial sobre justiça salarial), Pepper não só comenta, em entrevista, alguns dos seus principais resultados, como nos guia entre as várias teorias e filosofias da justiça distributiva, oferecendo igualmente a sua perspectiva. 

De que forma devemos distinguir a desigualdade da injustiça visto que, e muitas vezes, são conceitos utilizados como sinónimos?

Na verdade, são conceitos diferentes. Igualdade significa tratar todos da mesma forma: o que explica que, em Cuba, os médicos ganhem o mesmo salário de base auferido por professores ou varredores de lixo. E é utilizado também o termo “equidade” que significa que as pessoas são recompensadas de forma proporcional ao seu contributo – ou seja, se alguém adicionar maior valor do que outrem, é apropriado pagar-lhe mais.

Desta forma e na prática, e tendo em conta a ausência de algum tipo de combinação entre igualdade e equidade, o termo “desigualdade” tende a ser usado de forma imprecisa. E é também um conceito que pode referir-se tanto às desigualdades em termos de riqueza (ou seja, referente ao capital acumulado de alguém) ou de rendimento (o que cada um ganha anualmente). E, muitas vezes, estes termos são confundidos.

Já a “justiça” é tipicamente equiparada ao que os filósofos morais chamam de “justiça distributiva”. Todavia, os mesmos filósofos discutem se a presença desta justiça distributiva exige um tratamento igualitário, equitativo ou de outra natureza.

Assim, existem seis orientações por excelência:

  • A de Gerry Cohen (Oxford), que é um igualitarista que considera que toda a gente deve ser tratada igualmente;
  • A de Ronald Dworkin (Oxford) que é um “igualitário da sorte”, que defende que todos devem ter acesso à igualdade de oportunidades, mas que o seu contributo (o qual é definido pelos economistas como “esforço”) pode ser recompensado de forma distinta;
  • A de John Rawls (Harvard) que acredita numa forma de equidade, isto é, que seja permitida uma recompensa diferenciada DESDE QUE se maximize o maior número possível dos que vivem pior na sociedade;
  • A de Robert Nozick (Harvard) que advoga que qualquer “distribuição justa a partir de um determinado ponto justo é justa”, mesmo que o resultado se traduza em grandes variações de rendimento e riqueza – e que é chamada de teoria da titularidade [entitlement];
  • O “merecimento justo”[just desert], defendido por vários autores e que tipicamente significa que as recompensas devem ser proporcionais ao contributo ou ao esforço, ou seja, similar à “equidade” acima definida;
  • E a teoria da “suficiência” (vários autores) que significa que toda a gente tem direito a ter o suficiente para levar uma vida digna.

Por outro lado, a psicologia moral (em oposição à filosofia moral) é também relevante neste caso. O principal académico desta área é o psicólogo social John Stacy Adams que defende que cada pessoa avalia, mentalmente, os seus resultados (por exemplo, os salários que aufere) e os seus contributos (ou seja, o quão arduamente trabalha), e compara-os com aqueles que lhes são mais relevantes e/ou que lhes servem como ponto de referência – como por exemplo os seus colegas de trabalho. Na medida em que o rácio entre resultados e contributos é geralmente o mesmo face às nossas referências, então sentimos que o resultado é justo. E neste caso consideramos que esta realidade corresponde mais à “equidade” e ao “merecimento” (tal como definido cima pelos filósofos) e menos à igualdade ou a qualquer outra coisa.

Em suma, existe um corpo alargado de evidências que demonstra que a perspectiva da psicologia moral – que considera a justiça como equivalente à equidade – é a forma como muitas pessoas, especialmente nas sociedades ocidentais capitalistas, pensam sobre a justiça.

Um dos principais objectivos do estudo que desenvolveu em colaboração com a PwC – e tendo como base os princípios da justiça distributiva – era o de explorar a perspectiva dos líderes de negócio relativamente à justiça salarial. Levando em linha de conta que as empresas precisam primeiro de compreender o que entendem por “justiça”, de que forma avalia, no geral, esta “compreensão corporativa” e a vontade de a colocar em prática em oposição a considerá-la apenas como um ideal?

A nossa expectativa, baseada em pesquisas anteriores com executivos seniores, era a de que os entrevistados iriam acreditar que a “justiça” era importante (uma resposta psicológica em linha com a psicologia moral), mas que iriam também pensar que eles próprios eram justificadamente recompensados acima da média por causa do seu (auto percepcionado) maior esforço e contributo. Esperávamos igualmente que os executivos seniores iriam responder que a sociedade (sob a forma do seu Governo e através dos impostos) teria um papel muito mais importante em assegurar que os resultados seriam “justos” em oposição à ideia de que também as empresas têm a obrigação de remunerarem de forma justa os seus empregados.

Todavia, os dados sugerem que nenhuma destas previsões estava completamente certa. Deparámo-nos com uma crença muito maior relativamente à importância da igualdade de oportunidades e do “merecimento justo” do que tínhamos inicialmente previsto. Os resultados para a “empresa” e a “sociedade” foram igualmente muito mais alinhados do que era expectável – ou seja, os executivos parecem realmente acreditar que as empresas devem ter pelo menos alguma responsabilidade em assegurar resultados justos relativamente aos salários que praticam.

Tentámos também, e tendo em conta a forma como preparámos a pesquisa, forçar os participantes a pensarem de forma profunda sobre a justiça distributiva e existem provas empíricas, por parte de um número significativo de executivos, de que esta estratégia foi bem-sucedida. Todavia, talvez tenha razão quando afirma que os participantes parecem ser mais idealistas do que pragmáticos, em particular quando a questão está relacionada com as suas próprias remunerações.

Uma das conclusões do estudo é a de que mais de 82% dos executivos subscrevem três ou mais princípios (em seis) da justiça distributiva e que uma proporção significativa, superior a 20%, subscreveu a sua totalidade. Escreveu que esta multidimensionalidade pronunciada entre os executivos se afigurava como “desconcertante”. Já conseguiu, em conjunto com a professora Susanne Burri [que colabora no estudo] encontrar uma explicação académica/filosófica que clarifique estes resultados “confusos”?

Na verdade, ainda nos sentimos um pouco perplexos relativamente a essa questão. Um filósofo consideraria muito estranho que alguém subscrevesse, por exemplo, o princípio da “maximização” e o da “titularização” em simultâneo, e na verdade, foram vários os participantes que o fizeram! Uma possibilidade é a de que os inquiridos tenham interpretado as diferentes posições sobre a justiça distributiva enquanto “valores” e não “princípios”. Os valores possuem um componente afectivo – aquilo que sentimos como certo – enquanto os princípios são mais racionais, ou seja, aquilo que consideramos que, logicamente, é correcto. E é possível sentir que as posições diferentes têm mérito a um nível emocional, mas ter em consideração o facto de que não podem ser subscritas em simultâneo se forem pensadas de uma forma totalmente racional.

No estudo da PwC, a maioria dos respondentes acredita que as empresas possuem uma responsabilidade abrangente de providenciar uma estrutura justa de pagamentos a todos os seus empregados. Com toda a experiência que tem nesta área, acredita verdadeiramente que é possível construir uma estrutura de remunerações que seja justa, equitativa e que vá ao encontro das expectativas dos trabalhadores e da sociedade no geral?

Acredito que seja muito difícil fazê-lo, apesar de ser possível – e que as empresas deveriam tentar, de forma mais árdua, chegar mais longe. Em primeiro lugar, tal iria exigir que reconhecessem o argumento de John Stacey Adams, ou seja, o de que a remuneração deve ser proporcional ao contributo e fazer disto uma política explícita da empresa. E ainda mais importante é o facto de os empregadores conseguirem assegurar que dispõem de processos robustos que determinam tanto a remuneração como o contributo e que existe uma comunicação adequada deste princípio com todo os empregados.

A literatura de justiça distingue dois tipos de justiça – a justiça distributiva (resultados justos – como acima referido) e a justiça procedimental (ou justiça dos procedimentos). Enquanto se afigura ser muito difícil assegurar que todos os resultados são justos, especialmente tendo em conta as percepções subjectivas e pessoais do que é ou não justo, é certamente mais fácil demonstrar que os procedimentos são justos, ou seja, os empregados aceitam muito mais facilmente os resultados se acreditarem que existiu um processo “justo” através do qual a sua remuneração foi determinada.

É também sabido que os níveis de remuneração dos executivos há muito que têm vindo a crescer e, em muitos casos, sem corresponderem à performance das empresas que lideram. Nos Estados Unidos, a nova regra da SEC que determina que as empresas têm de revelar/publicar o montante que, face ao salário médio dos trabalhadores, é pago a mais aos executivos [pay ratio], foi obrigatória pela primeira vez este ano. E, só para dar um exemplo (sim, extremo), Margo Georgiadis, a (agora antiga) CEO da fabricante de brinquedos Mattel ganha(va) 4,987 vezes mais do que o salário médio dos empregados da sua empresa. Em que medida considera que a publicação dos pay ratios pode ajudar a estreitar o gigantesco fosso salarial entre executivos e empregados?

O problema com os pay ratios é que, estatisticamente, podem ser muito enganadores. Estamos a falar de uma comparação entre a remuneração do CEO e a média salarial paga na empresa? É o salário médio pago a todos os empregados independentemente da sua localização no mundo ou apenas contabiliza os que trabalham no mesmo país que o CEO? É, na verdade, o quê?

Existe também um caso que serve como um bom exemplo desta relatividade e que é bem explícito na “Tesco vs Goldman Sachs”. Por que é que o pay ratio na cadeia de supermercados é muito mais elevado do que no banco de investimento em causa? Porque a Tesco paga salários muito baixos, por exemplo aos seus operadores de caixa, ao passo que todos os trabalhos de baixos rendimentos no Goldman Sachs são feitos em regime de outsourcing, como por exemplo os realizados pelos seguranças, sendo que o banco emprega apenas banqueiros com remunerações muito elevadas.

Ou e em suma, o pay ratio é, e no melhor dos casos, apenas um instrumento tosco – e que envolve custos substancialmente consideráveis para as empresas (especialmente no caso do sistema vigente nos Estados Unidos) no que respeita à recolha de dados, sendo que os seus resultados exigem uma interpretação extremamente cuidadosa. A meu ver, só daqui a alguns anos é que os dados relativos aos pay ratios começarão a fazer sentido – as comparações interempresas não são fáceis, ao passo que os dados longitudinais intra-empresa serão mais fáceis de interpretar. E talvez consigamos saber se os mesmos estão a crescer (maior desigualdade) ou a diminuir (maior igualdade).

Apesar de ser de aplaudir a “transparência” proveniente da publicação destes valores e de a maioria dos trabalhadores estar consciente destes fossos salariais, acredita que esta nova exigência da SEC possa vir a criar ainda mais frustração, desconfiança e desmotivação na força laboral?

Isto toca um outro assunto. Existem dois tipos de problemas económicos no que respeita aos salários: aqueles que estão relacionados com informação inadequada e os outros que dizem respeito aos procedimentos. O fornecimento de mais informação não resolve necessariamente os problemas relacionados com os procedimentos. De uma forma geral, os economistas acreditam que, caso seja fornecida informação suficiente, então será o mercado livre a divisar algum tipo de solução. Contudo e na prática, existem várias coisas que os mercados não conseguem resolver e eu suspeito que as remunerações elevadas sejam uma delas. Assim, pode ser necessário que o Governou ou os reguladores tenham de estabelecer um conjunto de procedimentos ou mecanismos se realmente estiverem dispostos a assegurar uma maior justiça no que respeita às remunerações.

Considera que um dia seja possível existir uma verdadeira justiça salarial?

Isso é algo pelo qual deveremos lutar – apesar de o objectivo poder antes ser o de termos sistemas de remuneração “mais justos”, em vez de pensarmos que algum dia atingiremos um ponto absoluto de justiça com o qual toda a gente ficaria feliz.

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