Os empregados exigem-na cada vez mais, mas as suas expectativas sem, na maioria dos casos, goradas. Mesmo que esteja comprovado que líderes morais obtêm performances mais positivas, são mais respeitados pelos que com eles trabalham e conseguem inspirar os outros a darem o seu melhor. De acordo com um estudo abrangente que mede o pulso da liderança moral nos negócios, apenas 7% dos CEOs analisados agem em conformidade com estas – e outras – qualidades, colocando em causa a performance empresarial e o desenvolvimento dos seus trabalhadores
POR HELENA OLIVEIRA
Chama-se The State of Moral Leadership in Business e é a segunda edição sobre o tema publicada pela LNR, a consultora americana que oferece há mais de vinte anos serviços de consultoria sobre ética, compliance e cultura corporativa. Liderada por Dov Seidman, autor de HOW: Why HOW We Do Anything Means Everything, a LNR analisa igualmente de que forma a governança, a cultura e a liderança influenciam o comportamento das empresas e têm impacto na sua performance. Nesta segunda edição sobre o estado da liderança moral – sendo que moral, neste caso, nada tem a ver com moralismos -, os resultados comprovam que o imperativo para este tipo de orientação é mais urgente do que nunca.
Numa altura em que estamos cada vez mais próximos uns dos outros, o que facilita ligações mais ricas, o conhecimento e “entrada” em novas comunidades e o acesso a ideias que podem mudar as nossas vidas, em conjunto com o facto de podermos aceder, cada vez com maior transparência, aos bastidores de instituições outrora opacas – como as organizações -, tanto podemos ser vencedores, como podemos deitar tudo a perder em questão de breves momentos. Adicionalmente, e com a ascensão das máquinas inteligentes, começamos também a compreender que a única forma de as suplantarmos é através dos traços que mais humanos nos tornam.
Assim, e como afirma o CEO e fundador da LNR, estas forças em conjunto estão a reformular todo o nosso mundo, obrigando os executivos a reinventar a forma como gerem e lideram as suas empresas. Relembrando que o mundo empresarial assente na dinâmica “do topo para as bases”, armado de “cenouras” que eram suficientes para que as pessoas fizessem o que está certo só porque assim estava especificado, já deixou de existir, Seidman alerta para o facto de que hoje em dia essa mesma autoridade formal perdeu força e, como escreve, “só a autoridade moral pode construir a confiança, inspirar os que connosco trabalham, criar significado ou ajudar as pessoas a imaginar um futuro melhor e diferente”.
Afirmando que a liderança moral nada tem a ver com moralismos e não se limita aos que tomam uma posição sobre questões sociais e políticas que a todos interessam (referindo-se ao crescente “activismo dos CEOs”), Seidman afirma que a mesma está enraizada numa estrutura moral e num conjunto de princípios que nos mostram de que forma é que os líderes abordam a realidade em que vivem: como interagem com os outros, como tomam decisões, e como gerem e se conduzem a si mesmos. Adicionalmente e mais importante que tudo o resto, a liderança moral está profundamente relacionada com a forma como os líderes conseguem tocar nos corações e nas mentes de quem com eles trabalha, integrando-os num ambiente de partilha e de propósito e criando as condições necessárias para que estes desenvolvam os seus talentos e realizem a sua mais profunda humanidade.
Palavras bonitas que não espelham, na verdade, os resultados deste estudo: com base em inquéritos realizados a 1105 empregados nos Estados Unidos, de vários sectores e representando diferentes níveis de responsabilidade, só 7% dos entrevistados afirmaram que os seus gestores demonstram ter os comportamentos que integram a liderança moral. O estudo identifica os comportamentos por excelência que os trabalhadores associam ao líder moral e que incluem “ver os empregados como pessoas”, “estimular a liberdade”, “demonstrar humildade”, “agir com coragem”, “procurar a verdade” e “defender padrões éticos”. E pior ainda é o facto de 59% dos respondentes afirmarem que os seus superiores hierárquicos exibem poucas ou nenhuma destas características.
Do universo total de entrevistados, 87% afirmaram necessitar, mais do que nunca, deste tipo de características nos seus líderes e dizem acreditar que a liderança moral lhes permitirá, em conjunto com as organizações a que pertencem, obterem uma melhor performance. Os gestores que não exibem estes traços morais têm, de acordo com o estudo, dez vezes mais de probabilidades de tratarem os seus empregados de forma injusta, oito vezes mais de possibilidades de “açambarcar” informação e são cinco vezes mais propensos a colocarem como prioridade os resultados de curto prazo em detrimento dos de longo prazo.
Liderança moral abre caminho a melhor performance
No estudo em causa, 82% dos inquiridos concordam também que as empresas enfrentam riscos mais sérios quando falham em considerar as implicações éticas e morais dos actos perpetrados pelos seus líderes. O sentimento aumenta para 92% entre as empresas de maior dimensão (com 10 mil milhões de dólares em receitas ou mais) e em indústrias altamente reguladas como a financeira ou a dos serviços financeiros, o que reflecte também o maior escrutínio pelas mesmas enfrentado.
Os dados também comprovam que os líderes morais suplantam, em termos de performance, os seus pares. No estudo de este ano, foi pedido aos respondentes que indicassem a frequência de comportamentos associados à liderança moral praticados pelos seus gestores e executivos. A LNR considerou 43 comportamentos, desde a forma como os líderes tratam os seus empregados até ao como lidam com questões éticas complexas. E os gestores e executivos que pontuaram melhor nestes comportamentos – aqueles que demonstraram, de forma consistente, exibir pelo menos 75% destes traços – parecem também ter uma performance muito mais positiva: 94% dos respondentes declararam que estes líderes são mais eficazes a alcançar os objectivos de negócio definidos pela empresa, comparativamente a 14% dos gestores e executivos que não “praticam” este estilo de liderança.
Os mais bem cotados pontuam também melhor em objectivos de gestão cruciais, tais como o aumentar da performance dos que com eles trabalham, “libertar” a criatividade e estimular locais de trabalho mais éticos. Por exemplo, 94% dos que demonstram consistentemente seguir uma liderança moral encorajam a criatividade e 90% viabilizam a inovação. E também têm melhor pontuação nos principais atributos da gestão: 94% inspiram confiança aos seus pares e 81% são considerados mais resilientes quando é necessário ultrapassar obstáculos e desafios.
A pesquisa em causa analisou igualmente até que ponto os gestores e executivos que exibem os comportamentos associados à liderança moral criam as condições necessárias para que os outros floresçam. E cerca de 90% dos que trabalham para estes líderes afirmam ser “vistos, escutados e respeitados”, 89% afirmam sentir “que importam” e 95% declaram que “se sentem inspirados a dar o seu melhor” quando para eles trabalham. A LNR assegura assim que estes resultados ilustram que os líderes morais reconhecem que o humanismo tem de estar no centro da organização, o que lhes permite ter melhores relacionamentos com as pessoas com quem trabalham, elevando em simultâneo a sua performance na medida em que os inspiram a dar o seu melhor.
Mas o que define, verdadeiramente, os líderes morais?
Apesar da ascensão dos “CEOs activistas” constituir hoje uma tendência crescente no sector privado, com os líderes de topo a tomarem posições morais no que respeita a um conjunto de questões políticas e sociais, de acordo com a LNR não é este activismo que define a liderança moral. Na verdade, e apesar de 45% dos respondentes confirmarem que os seus CEOs tomaram este tipo de posições, apenas um quarto dos mesmos os descreve como consistentemente detentores de um dos quatro pilares que definem a liderança moral: liderar com propósito, inspirar e “elevar” os outros, ser “animado” por valores e virtudes e manter a construção do “músculo moral”.
Mas e então o que define, verdadeiramente, os líderes morais?
Como seria de esperar, ninguém ganha o estatuto de líder moral simplesmente através de um título ou de uma posição. E muito menos por atingir resultados fora de série. Como anteriormente referido, os autores do estudo da LNR identificaram sete práticas que geralmente fazem parte da performance e comportamento dos líderes morais e analisaram o seu impacto em determinados resultados da gestão. Vejamos os resultados.
De acordo com a definição do estudo, os líderes morais são mais eficazes a longo prazo porque praticam “pausas”. Ou seja, conseguem isolar-se dos tumultos diários que caracterizam o quotidiano nas empresas e reflectir sobre os motivos que os fizeram chegar à posição que alcançaram. Estes líderes que “sabem dar um passo atrás” e olhar para a big picture do negócio têm, de acordo com a consultora, 13 vezes mais de probabilidades de atingir os objectivos do seu negócio. Em termos gerais, 18% “abrandam” para restabelecer a ligação com o propósito e valores em situações de grande stress ou urgência; 27% consideram o impacto de longo prazo que as decisões da empresa têm nas pessoas e no planeta e outros 27% despendem tempo a falar com os seus pares sobre os motivos que conferem significado ao seu trabalho.
A facilidade de edificar laços pessoais profundos com as pessoas que lideram não só permite uma maior eficácia, com também aumenta a sua resiliência quando confrontados com desafios, o que os faz serem nove vezes mais resistentes nos casos em que têm de ultrapassar obstáculos complexos. Neste âmbito, 34% tratam os seus pares como “pessoas” e não como meros recursos, mesmo “à porta fechada”; 30% envolvem-se em diálogos construtivos com aqueles com quem trabalham, independentemente do seu nível de senioridade e 33% celebram a diversidade e as diferenças individuais.
Ao conferirem liberdade aos seus co-trabalhadores para correrem riscos e lidarem com as situações da forma que melhor lhes fizer sentido, os líderes que exibem esta característica em particular têm 14 vezes maior propensão para atingir os objectivos por si definidos, com 30% a “ampliar” a confiança que sentem nos seus colegas, 12% a retirarem-se dos holofotes para deixar que sejam outros a alcançar grandes feitos e 21% a permitirem que seja a sua equipa a determinar de que forma é que o trabalho deve ser executado.
Por seu turno, os líderes que demonstram humildade e que admitem não terem as respostas todas, retiram-se facilmente para os bastidores, permitindo que sejam outros a ocupar lugares privilegiados no palco. Estes líderes demonstram ter 18 vezes mais de probabilidades de inspirar e encorajar os seus pares a contribuir com os seus melhores esforços, com 25% dos mesmos a escutarem e a aprenderem a partir de argumentos que desafiam as suas próprias visões e assunções, 21% a reconhecerem os seus fracassos e 15% que pedem ajuda de uma forma que expõe a sua própria vulnerabilidade.
Já os corajosos, ou aqueles que lutam pelo que é correcto, contribuem 20 vezes mais para erigir ambientes de trabalho éticos, com 19% a não demonstrarem receio em lutar pelo que consideram certo, mesmo que fora do âmbito das suas competências de gestão, 27% a defenderem aqueles que são tratados injustamente, mesmo colocando em riscos relações ou posições pessoais, e 22% a corrigirem os seus erros quando deles são alertados.
A procura da verdade, em qualquer que seja a situação, é também um traço comum aos líderes morais, o que se traduz em 18 vezes mais de propensão para merecerem a confiança dos seus pares. Nestes casos em particular, 22% “saem do seu próprio caminho” para encontrarem a verdade, 20% colocam perguntas difíceis sobre o certo e o errado, o que é justo ou injusto e 22% mudam de opinião quando percebem que estão errados.
Já os líderes que se mantêm fiéis aos seus padrões éticos demonstram ser 10 vezes mais capazes de encorajar a criatividade e a inovação. Destes líderes morais, 36% agem em conformidade com os valores defendidos pela empresa, mesmo quando “ninguém está a ver”, 24% explicam as considerações subjacentes às suas decisões e 34% tornam muito claro que contornar regras ou políticas para atingir metas ou prazos não é aceitável.
Um oásis no deserto
De acordo com o estudo e como já sublinhado, estamos perante uma quota muito reduzida de gestores e executivos que coloca em prática os comportamentos acima elencados.
Como já anteriormente referido, e apesar da necessidade crescente de uma liderança moral e da sua eficácia, apenas 7% dos gestores e executivos foram considerados pelos seus trabalhadores como detentores de todos os comportamentos à mesma associados. Adicionalmente, 41% dos respondentes afirmaram que os seus líderes demonstram menos de um quarto dos comportamentos listados, com 18% a assegurarem que, no seu caso, nem um dos comportamentos em causa os define.
Estes indivíduos não conseguiram ganhar autoridade moral e, tendo em conta os resultados apurados junto dos inquiridos, são 10 vezes mais propensos a tratarem as pessoas com injustiça (61% versus 6% comparativamente aos líderes morais), têm oito vezes mais probabilidades de dar ordens e exibir comportamentos de “comando” (59% versus 7%) e têm cinco vezes mais de tendência para enfatizarem o lucro e os objectivos de curto prazo (50% versus 10%). Mais preocupante ainda é o facto de estes líderes serem os responsáveis por 70% dos abusos de poder e por 67% de comportamentos não éticos, tal como observaram os respondentes.
O estudo chama ainda a atenção para o facto de ser errado assumir-se que a liderança moral está apenas relacionada com a forma como as pessoas que maior poder detêm no interior da organização se comportam. Mas se é verdade que todos devem assumir estes traços, a criação das condições para que a cultura empresarial seja, também ela, moral, começa no topo, apesar de ter de ser concebida de acordo com sistemas e processos que governam a forma como toda a empresa opera.
Assim, um dos principais elementos que determina se uma autoridade moral se enraíza e “contagia” toda uma organização é o grau de compromisso existente nas suas estruturas de topo. Ou e por outras palavras, quando a autoridade moral está ausente do topo, estará e muito provavelmente, igualmente ausente do resto da organização. Ter executivos e gestores que não lideram com autoridade moral não só inibe a performance, como evita que os outros a adoptem e ajam em conformidade com ela. O estudo demonstra que ter um CEO comprometido com a liderança moral é extremamente importante: 75% dos gestores e executivos que demonstram possuir autoridade moral servem CEOs que são descritos também como detentores da mesma. E, sem surpresas, 89% dos líderes que raramente demonstram ter este tipo de qualidade reportam a CEOs que falham em tê-la também.
A verdade é que as pessoas são sugestionáveis e caso acreditem – ou sintam – que a liderança moral é recompensada, são muito mais propensas a segui-la também. Desta forma, as consequências de um comportamento que exibe traços de liderança moral (ou a sua ausência) importa e muito. Três quartos dos respondentes que acreditam que os seus líderes se preocupam e se comprometem em fazer o que é certo, assumem que as consequências são positivas. Acreditam que os líderes morais são respeitados, valorizados, que servem como exemplo a seguir e que, por tudo isto, têm maior probabilidade de serem promovidos. E a pesquisa demonstra igualmente que quando não há um exemplo a seguir, não existem razões para que exibam, eles mesmos, comportamentos morais.
Ainda de acordo com o estudo, se os gestores e os executivos com quem os inquiridos trabalham mais directamente (incluindo o seu gestor directo e pares) demonstram escassas ou nenhuma das características associadas ao comportamento de um líder moral, têm 35 vezes mais probabilidades de acreditar que coisas más acontecem quando os líderes marcam posição para fazer o que é correcto. Assim, as organizações devem pensar seriamente o que fazer se a esmagadora maioria dos seus gestores e executivos (tendo em conta as conclusões retiradas) falha em exibir, de forma consistente, uma liderança moral. Pois não só têm maiores probabilidades de terem uma performance insatisfatória, como desencorajam também os líderes potencialmente morais que com eles trabalham.