Sem surpresas, a desigualdade salarial entre homens e mulheres continua a existir. De acordo com um estudo recentemente publicado pela PayScale, as mulheres ganham, em média e a nível mundial, menos 22% que os homens. O facto de pedirem menos aumentos e de não receberem tantas referências de antigos empregadores, em conjunto com períodos mais frequentes e longos em situação de desemprego são os principais motivos apresentados para a persistência desta disparidade
POR MÁRIA POMBO
A nível mundial, as mulheres ganham, em média, 78 centavos por cada dólar auferido pelos homens – o que significa uma diferença salarial na ordem dos 22%. Erguem-se bandeiras, modificam-se leis, fazem-se protestos e, mesmo com todas as provas dadas em termos de dedicação, competência e empenho, as mulheres continuam a “desmerecer” o mesmo salário que os seus pares masculinos. E esta é uma realidade que se verifica em todos os sectores de actividade, em todas as faixas etárias e em todos os níveis de escolaridade, mas com uma maior expressão nos cargos de topo das empresas. Quem o diz é a PayScale, uma organização norte-americana que promove a cultura de pagamento justo, no seu mais recente estudo, denominado “The State Of The Gender Pay Gap in 2018”.
Para a elaboração deste documento, a PayScale contou com a participação de dois milhões de pessoas que, entre 2016 e 2018, responderam a diversas questões relacionadas com a função que ocupam, o sector onde trabalham e o salário que auferem.
O fosso salarial é um problema que, de forma crescente, diversas empresas se esforçam por combater – veja-se o exemplo da Google, da Starbucks, da Amazon e da própria PayScale, que têm posto em prática algumas medidas que pretendem atingir a igualdade entre homens e mulheres, evitando qualquer tipo de discriminação logo desde o processo de selecção –, mas esta preocupação ainda não faz parte da cultura da esmagadora maioria das organizações a nível mundial.
É certo que, de acordo com o estudo, este gap salarial diminuiu desde 2016 (ano em que as mulheres auferiam 0,76 dólares por cada dólar ganho pelos homens), o que revela algum progresso, se é que assim se pode chamar. Porém, o mesmo não é – de todo – suficiente para que a discriminação seja mitigada, exigindo um esforço ainda maior por parte de mais empresas, no sentido de promoverem o igual pagamento e as mesmas oportunidades entre homens e mulheres.
O documento faz a distinção entre fosso salarial não controlado e fosso salarial controlado. O primeiro diz respeito à média dos salários auferidos pelas mulheres e pelos homens, independentemente do cargo ocupado e é aquele onde se verifica a maior diferença, revelando que as mulheres recebem os tais 0,78 dólares (referidos no início deste artigo) por cada dólar ganho pelos homens. Já no segundo – que compara os salários dos homens e das mulheres que ocupam cargos semelhantes – a diferença não é tão acentuada, com as mulheres a auferirem 0,98 dólares por cada dólar levado para casa pelos homens. Importa explicar que, dentro do fosso salarial controlado, as desigualdades são mais acentuadas nos cargos de liderança, nos quais as mulheres ganham apenas 94 centavos por cada dólar que os homens auferem.
Desemprego, pedidos de aumentos e referências de antigos patrões
O facto de os homens pedirem aumentos de ordenado mais frequentemente do que as mulheres, ao longo das suas carreiras, é uma das justificações que o documento apresenta para a existência destas aparentemente eternas discrepâncias. O que o estudo também sublinha é que a diferença salarial não controlada revela que as mulheres têm menos acesso que os homens a potenciais promoções e a exercerem funções de topo e mais bem remuneradas. Ou seja, apesar de tanto eles como elas iniciarem as suas carreiras em níveis semelhantes, a evolução masculina é muito maior – e mais rápida – do que a ascensão no feminino.
[quote_center]As mulheres ganham, em média, 78 centavos por cada dólar ganho pelos homens, o que significa uma diferença salarial na ordem dos 22%[/quote_center]Um gráfico apresentado no documento revela que é na faixa etária dos 45 ou mais anos que as diferenças são mais acentuadas: neste segmento, os cargos mais baixos das organizações são ocupados por mais mulheres, e à medida que se sobe na empresa, a presença feminina é cada vez menor, chegando-se ao ponto em que existem apenas três mulheres por cada oito homens, em final de carreira, a ocuparem cargos executivos nas organizações. A faixa etária que surge como a mais equilibrada é entre os 20 e os 29 anos (ou seja, entre colaboradores que estão em início de carreira): neste grupo, tanto a base como a direcção apresentam uma expressão feminina ligeiramente superior, revelando-se idêntica em termos de cargos de gestão, pelo menos a intermédia. Todavia, e em cargos de topo, os homens continuam a ser em número superior.
As disrupções na carreira são outra justificação para que a desigualdade salarial persista. De acordo com o documento, existem penalizações no ordenado que são provocadas pelo tempo de desemprego ou inactividade de qualquer ordem, e quanto mais longo for este período, maior é a penalização que os trabalhadores sofrem quando regressam ao mercado de trabalho. Deste modo, uma pessoa que enfrenta uma situação de desemprego inferior a três meses sofre uma penalização de cerca de 3,4% do ordenado, ao passo que um trabalhador que está sem exercer funções durante um ano ou mais pode ser penalizado em 7,3%.
E esta situação é válida tanto para homens como para mulheres. O problema é que as mulheres, em todas as faixas etárias, têm uma maior tendência para interromper as suas carreiras, sendo normal que estas interrupções durem longos períodos (tipicamente relacionados com cuidados a descendentes e ascendentes). Mais concretamente, 17% dos homens e 21% das mulheres regressam ao trabalho após um período de desemprego, existindo uma discrepância particularmente expressiva entre os 30 e os 44 anos.
O despedimento é referido como o principal motivo para uma situação de desemprego, sendo referido por 35% dos homens e 27% das mulheres. Frequentar a escola (ou voltar a estudar) é a segunda justificação mais referida, tendo esta, tal como a primeira, uma maior expressão masculina do que feminina. Ser transferido de lugar, em termos geográficos, é o terceiro motivo, mas este, ao contrário dos dois primeiros, é mais apontado pelo universo feminino do que pelo masculino. Complementarmente, problemas de saúde e cuidados prestados a filhos e outros familiares também surgem como motivos que originam a falta de emprego.
Especificamente em termos de desemprego de longa duração, cerca de 50% dos homens e apenas 30% das mulheres referem que este se deve a frequência escolar. Porém, no que respeita a cuidados prestados aos filhos, este factor é apontado por 30% das mulheres e por menos de 5% dos homens, o que revela – sem surpresas – que a ideia de que a mulher deve ficar em casa a cuidar dos menores ainda está muito marcada na nossa sociedade.
Para além dos dois motivos já apresentados, a PayScale apresenta um outro que pode parecer “estranho”, mas que pode fazer toda a diferença no momento de negociar salários. Falamos das referências dadas por antigos empregadores.
Um white paper, conduzido em 2017 pela mesma organização, conclui que, através das referências dadas, os salários dos homens podem passar de medianos para excepcionais, o que não se verifica junto das mulheres. Em termos mais concretos, o facto de um antigo empregador dar referências ao novo patrão aumenta o ordenado anual dos trabalhadores masculinos em mais de oito mil dólares. Porém, junto das mulheres, esse valor revela ser inferior a quatro mil dólares anuais.
[quote_center]É na faixa etária dos 45 ou mais anos que as diferenças remuneratórias entre homens e mulheres são mais acentuadas[/quote_center]Complementarmente, conclui-se que as mulheres recebem menos referências dadas por antigos empregadores. Apesar de o estudo não aprofundar as causas para este fenómeno, uma dos argumentos frequentemente apontado está relacionado com o facto de as mulheres serem piores a estabelecerem um bom e proveitoso networkingcomparativamente aos homens. E, na verdade, sendo os círculos de poder maioritariamente masculinos, torna-se também mais fácil para estes estabelecerem e manterem contactos com superiores que, mais tarde, poderão ser úteis a referenciá-los para um outro cargo ou empresa.
Adicionalmente, tão ou mais absurda que a discriminação de género é a marginalização racial: comparando com os homens, as mulheres brancas/caucasianas têm 12% menos probabilidades de receber referências, ao passo que as mulheres de outras raças têm 35% menos probabilidades de serem referenciadas por antigos empregadores.
Fosso salarial é mais acentuado junto de quem possui um MBA
Regressando ao documento inicial, apresentado pela PayScale, e fazendo a comparação entre sectores, verificamos que o fosso salarial existe em todas as indústrias, embora algumas demonstrem estar a tomar medidas para que as diferenças sejam cada vez menores.
Em termos de gap não controlado – ou seja, onde se faz a média dos salários, independentemente do cargo ocupado – o sector das finanças e dos seguros é o mais discriminatório, com as mulheres a ganharem 0,73 dólares por cada dólar auferido pelos homens. As agências e consultoras, o sector energético e as organizações do sector da saúde são igualmente discriminatórios, estando também no topo desta lista.
No pólo oposto, o sector imobiliário e de aluguer assume-se como aquele que, em termos não controlados, menos distinções faz entre homens e mulheres, com as colaboradoras a receberem 0,89 dólares por cada dólar recebido pelos seus colegas masculinos. As artes e entretenimento, bem como a educação e os serviços de alojamento e alimentação revelam ser igualmente “pouco discriminatórios”, apresentando diferenças relativamente reduzidas entre os ordenados das mulheres e os dos homens.
[quote_center]O fosso salarial é maior junto das pessoas que têm um doutoramento do que entre aqueles que não possuem qualquer diploma académico[/quote_center]Em termos de fosso salarial controlado – ou seja, que compara os salários dos trabalhadores que desempenham as mesmas funções – a situação é ligeiramente diferente e melhor. Mas no topo dos mais discriminatórios encontram-se os sectores dos transportes (com as mulheres a ganharem 0,96 dólares por cada dólar auferido pelos homens), da energia e do alojamento e alimentação. Por seu turno, entre aqueles que têm tomado as melhores medidas para promover o pagamento igualitário, encontram-se o sector da tecnologia, o das engenharias e ciências e o da saúde: em qualquer um destes sectores, as mulheres auferem pelo menos 99 centavos por cada dólar que os homens ganham.
Se alguma lógica existisse neste fosso salarial, seria a de supormos que as desigualdades diminuem à medida que aumentam os níveis de escolaridade, Todavia e de acordo com a PayScale, o fosso é maior, por exemplo, junto das pessoas que têm um doutoramento (em que as mulheres ganham 80 centavos por cada dólar ganho pelos homens, na modalidade não controlada) do que entre aqueles que não possuem qualquer diploma académico (em que esta diferença é de 82 centavos conseguidos por elas por cada dólar arrecadado por eles.
A discriminação salarial é particularmente acentuada junto daqueles que possuem um MBA, tanto no que respeita a fosso salarial controlado (em que as mulheres ganham 0,96 dólares por cada dólar ganho pelos homens) como não controlado (em que as trabalhadoras auferem apenas 74 centavos por cada dólar conseguido pelos seus pares masculinos). É junto dos licenciados que as desigualdades são menores, com as mulheres a auferirem 89 centavos (na modalidade não controlada) e 92 centavos (na modalidade controlada) por cada dólar ganho pelos homens.
De modo a mitigar a discriminação salarial, o documento termina com algumas dicas úteis que ajudam os empresários e gestores a adoptar estratégias que promovam o pagamento justo entre homens e mulheres. Primeiramente, os gestores devem saber, junto dos funcionários, qual é a percepção destes acerca de possíveis acções discriminatórias existentes ou praticadas nas suas empresas. Em segundo lugar, importa que estes promovam auditorias às contas e aos pagamentos, de modo a garantir que não existem diferenças salariais (ou outro tipo de discriminação) entre os colaboradores do sexo masculino e feminino.
Em terceiro e último lugar, os autores do documento sugerem que sejam feitas auditorias às oportunidades de crescimento profissional existentes nas organizações, averiguando se existe algum tipo de oferta (como aumentos de ordenado, por exemplo) feita a uns e que não é extensível a outros com iguais capacidades. Por fim, o documento sugere que os gestores comuniquem aos trabalhadores o quão importante é para eles promover a igualdade e mitigar a discriminação de género, pagando salários justos aos seus colaboradores, independentemente do género.
Sim, parece uma mentira de mau gosto e preferíamos que este artigo fosse repleto de boas notícias. Preferíamos escrever sobre o facto de, finalmente, ter sido alcançada a igualdade salarial entre homens e mulheres, e sobre a abolição de toda e qualquer discriminação e desigualdade. Esperamos ainda cá estar, um dia, para escrever esse artigo.
Seis “factos” que precisa de esquecer sobre a desigualdade salarial
Com o objectivo de deitar abaixo alguns mitos, o The Telegraph apresentou, num artigo publicado em Janeiro deste ano, seis mitos sobre a igualdade – ou desigualdade, se quisermos ser mais precisos – de pagamentos entre homens e mulheres.
- Pagamento diferente e fosso salarial entre homens e mulheres são a mesma coisa
Esta é a primeira “verdade absoluta” que o The Telegraph pretende desmistificar, explicando que pagar salários diferentes a pessoas que exercem a mesma função é ilegal, mas que o facto de existirem diferentes médias de pagamentos entre homens e mulheres – que podem ser provocados por inúmeros factores – é legal. Ou seja, um homem e uma mulher que ocupem um cargo igual ou semelhante e tenham o mesmo tipo de responsabilidades numa empresa, devem ganhar um salário igual. Porém, se existem mais homens a ocuparem, por exemplo, cargos de chefia e mais mulheres a exercer profissões menos diferenciadas ou a trabalharem em regime de part-time, é “normal” que, analisando as médias de ordenados de uns e de outros, o fosso salarial exista.
- A disparidade salarial não é sinal de discriminação
Embora não seja ilegal, pelos motivos acima apresentados, a disparidade salarial é sempre um sinal de discriminação. Porém, de acordo com o jornal inglês, as empresas dão a entender que são as mulheres que escolhem profissões mal remuneradas. Ora, se as organizações contratam mulheres para cargos “juniores” e homens para cargos seniores, parece não existir margem de escolha por parte das candidatas, o que revela uma clara discriminação.
- Mas as mulheres ‘escolhem’ funções “menores”
Este mito está relacionado com o anterior e não é mais do que uma máscara utilizada por diversas empresas. Muitas organizações abrem vagas para posições “menores” e contratam maioritariamente mulheres para as ocupar, dando a sensação de que não fazem discriminação de género e que, ao invés, até têm uma maior presença feminina do que masculina. Porém, as mesmas empresas ocultam contratos de trabalho de curta duração, sem possibilidade de crescimento, e remunerações discriminatórias. A este respeito, e a curto prazo, o artigo explica que as empresas devem ser obrigadas a publicar informações acerca dos ordenados e das práticas de recrutamento e promoção de trabalhadores, numa lógica de transparência. Já a longo prazo, é necessário mitigar os estereótipos de género em todas as idades, valorizando o mérito e não o género.
- Também não é assim tão mau
Esta é a primeira resposta de muitas pessoas, quando são confrontadas com o fosso salarial entre homens e mulheres que, de acordo com o jornal inglês, rondava os 18%, em 2017, naquele país. O que o artigo explica é que estes “meros” 18% significam que os homens auferem mais 70 mil milhões de libras (equivalentes a quase 80 mil milhões de euros) do que as mulheres, anualmente.
- Ter filhos é uma escolha das mulheres
Sim, na realidade muitas mulheres escolhem ter filhos. O que não é uma escolha – pelo menos daquelas que pretendem trabalhar – é o corte salarial que uma gravidez ou um filho originam. Na realidade, a isso chama-se discriminação e são, infelizmente, ainda muitas as mulheres que a sofrem, sendo obrigadas a aceitar cargos mal remunerados ou até a perder os trabalhos que tinham. Por isso, ter filhos é uma escolha, mas os filhos não podem, em circunstância alguma, ser um motivo utilizado pelos empregadores para pagarem ordenados mais baixos às mulheres.
- As mulheres precisam apenas de pedir salários mais elevados
De acordo com o artigo, as mulheres não são as melhores a negociar o seu ordenado no momento da contratação. E a verdade é que muitas daquelas que o tentam fazer sujeitam-se a perder a oportunidade de ocupar a vaga que pretendem, o que faz com que muitas candidatas prefiram aceitar salários mais baixos. Por isso, não se trata de não saber negociar, mas sim de aceitar condições que, podendo não ser ideais, são razoáveis e podem fazer a diferença entre ter ou não um emprego.