A responsabilidade do empresário

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O ciclo de debates da ACEGE sobre a Responsabilidade Social das Empresas, tema eleito pela Associação para discussão nos próximos meses, foi inaugurado por Vasco de Mello. O presidente do Grupo Mello falou dos compromissos inerentes à função dos líderes empresariais, sem deixar de alertar para os complexos dilemas que estes têm de enfrentar enquanto presidem ao destino das organizações

POR HELENA OLIVEIRA

Na óptica de Vasco de Mello, a responsabilidade do empresário é “conseguir transformar a sua capacidade de assumir riscos em produtos e serviços, reunindo os recursos necessários para os colocar ao serviço da sociedade”. Contudo e apesar de considerar este processo como “entusiasmante”, o presidente do Grupo Mello alertou para o facto de existirem períodos, no ciclo de vida de todas as empresas, que são extremamente difíceis, com consequências relativamente a terceiros que nem sempre podem ser consideradas “pretas ou brancas”.

O tema comum às discussões sobre a responsabilidade social das empresas (RSE) – a geração de lucro como principal função destas – foi igualmente abordado por Vasco de Mello, numa perspectiva de “impacto social do lucro”. “É através do lucro que se torna possível gerar uma multiplicidade de factores de criação de valor para a comunidade”, afirmou, acrescentando, contudo, que como o mundo não é perfeito, há que levar a responsabilidade do empresário mais longe.

Recordando a sua herança familiar, nomeadamente a obra do seu bisavô Alfredo da Silva, cujo valor empresarial se pode igualar ao valor social que proporcionou no trabalho que desenvolveu na antiga Companhia União Fabril (CUF), Vasco Mello afirma possuir uma responsabilidade acrescida a par do orgulho que sente por pertencer a uma família que “sempre teve responsabilidades sociais”. A intensa obra social iniciada por Alfredo da Silva, que compreendia a criação de vários bairros, escolas, hospitais e outros benefícios para os seus colaboradores não pode, de acordo com Vasco de Mello, voltar a ser repetida. Ou seja, actualmente este tipo de benefícios sociais já não pode ser assegurado pelas empresas, mas sim pelo Estado, que deverá também assegurar às organizações as infra-estruturas necessárias para que, em conjunto, possam contribuir para um bem comum. 

O presidente do Grupo Mello alertou também para o facto de que os denominados aspectos cruciais das empresas socialmente responsáveis – a compatibilidade entre trabalho, desenvolvimento pessoal e vida familiar – têm, de uma vez por todas, de ser incorporado nos modelos de negócio das empresas. A ligação entre empresa e meio, outra das faces da RSE, foi igualmente referenciada por Vasco de Mello, que afirmou não ser suficiente cumprir a lei, ou seja, os mínimos absolutos, mas integrar no modelo de negócio formas de minimizar os impactos ambientais e “contribuir com iniciativas várias para ser possível restaurar e dar um contributo positivo à marca ambiental que ficará para o futuro”.

Ainda citando a sua herança familiar e a propósito da importância dos Códigos de Ética para a orientação e prática de políticas socialmente responsáveis nas empresas, Vasco de Mello recordou que “nos anos 60, a sua família já possuía um código de ética, denominado de ‘Credo da Empresa’, que defendia o primado dos valores humanos, colocava questões sobre a responsabilidade perante os accionistas e colaboradores e incluía temas actuais como a formação, o desenvolvimento de carreiras e a compatibilização com a vida familiar, sem esquecer o compromisso assumido com o desenvolvimento do País”.

Os dilemas do empresário
Retomando as decisões difíceis e complexas que o empresário tem de tomar, Vasco de Mello elegeu os temas da corrupção, da incompatibilidade por vezes existente entre a ética e o negócio e o não pagamento de salários aos trabalhadores em tempos de crise.

Sobre a corrupção, o empresário sublinhou o facto de que, num mundo empresarial economicamente internacionalizado, a “possibilidade de aceder a mercados com regras diferentes das nossas e a necessidade de entrar em esquemas que põem em causa a nossa moral” constitui um dos maiores dilemas a enfrentar. “Em termos teóricos, é fácil dizer que não”, afirmou, “mas em termos de actuação no mercado, onde existem instalações e empregados com as respectivas famílias, os custos, não só os financeiros mas sobretudo os pessoais, têm de ser criteriosamente ponderados”.

No que respeita à ética e elegendo como exemplo o sector da saúde onde o Grupo que lidera actua, Vasco de Mello falou da actividade privada e de um código de ética que é cumprido por todos os colaboradores em contraponto com a actividade do Grupo Mello na gestão de hospitais públicos. “O nosso enquadramento tem de ser cumprir a lei e, por vezes, em casos como a investigação científica ou a interrupção voluntária da gravidez, esta conformidade com a lei entra em colisão com o código de ética que aplicamos no sector privado”, afirmou. Nestes casos, Vasco de Mello afirmou existirem duas opções: ou “abandonar o sector ou desenvolver a nossa actividade no sector público, cumprindo as regras, mas trazendo os temas a discussão, tentando minimizar o seu impacto, através de, por exemplo, instrumentos de ajuda às mães, ou seja, apostando na diferenciação”. O empresário confessou, contudo, que este tema delicado está ainda a ser estudado.

Por último, o presidente do Grupo Mello referiu ainda o terrível dilema que as empresas enfrentam quando, em tempo de crise, têm de decidir entre a aplicação dos poucos fundos existentes no pagamento de salários ou nos investimentos necessários para continuar a actividade, algo que considera “marcante em termos de agressão de valores”.