Pode um rico entrar no Reino dos Céus?

3424

Mateus 19. A afirmação bíblica coloca-se hoje, mais do que nunca, como uma interrogação. O tema foi a base de dissertação do padre Ricardo Neves, no recente almoço conferência da ACEGE, a Associação dos Empresários Cristãos

Na conversa com os Discípulos, Jesus afirmava a impossibilidade de um rico entrar no Reino dos Céus, pois mais fácil seria “passar um camelo pelo fundo da agulha”. Os discípulos terão ficado estarrecidos, confusos e desorientados, sem saberem quem teria condições para continuar a Vida Eterna. Esta é a discussão da sociedade atual, 20 séculos depois destas afirmações, e que o padre Ricardo quis discutir, abrindo as mentes a um raciocínio estruturado.

O que é um rico? 
Para esta questão, a Sagrada Escritura dá a respostas, fazendo a ligação à figura messiânica da abundância, a qual não é mais do que “o homem bom, diligente, laborioso, aquele que produz riqueza e em quem se confia”.

Esta definição é o “contraponto do pobre”, também apelidado de indigente, e que “é preciso cuidar”, sendo que a Sagrada Escritura insiste na pobreza como opção que necessariamente é um exercício dependente de Deus. A conclusão é que “é preciso ser dependente de Deus”, sendo que a “é preciso viver e saber de quem é que o homem depende”. O “rico” é aquele que “depende daquilo que o tempo não esfuma, o Deus eterno”. Em Mateus 19 está a resposta, pois “a Deus tudo é possível”, e o padre Ricardo acrescenta que “é possível ser rico desde que se seja pobre”. A questão conceptual seguinte, colocada no encontro dos empresários cristãos, é a de saber como “se entra no Reino dos Céus”. Recorda o interlocutor que os mestres espirituais e pedagógicos gostavam de saber como é que se faz, como é que se operacionaliza, e esqueceram que “Jesus tinha mostrado as coisas ao contrário”, afirmando que “a porta já foi aberta para vocês”. Esclareceu que “a porta sou eu no meio de vós, sendo que a porta é um dom que se alcança pela bondade de Deus”.

A questão seguinte que surge é saber como é que o Reino dos Céus redefine a nossa realidade. Possivelmente, vivendo dentro de uma nova ordem, para uma nova orientação, sem criar mundos em estufas, sendo que o Reino dos Céus tem de ser construído “com o que temos”.

Que critérios é que o Reino de Deus trás à nossa vida? Esta é a grande questão.

O Padre Ricardo salienta que “a prioridade de Deus Nosso Senhor não é prioridade geométrica” e acrescenta que a interferência de Deus nas vidas faz-se “arriscando implementar as opções Dele nas nossas” e, assim sendo, “só o pobre está longe da auto-suficiência” e, por isso, os “pobres do Reino de Deus pedem a Deus que lhes dê vida e luz”.

Ainda dentro dos critérios que o Reino de Deus aporta às nossas vidas está a necessidade do bem e do mal. A dicotomia é uma forma de atuação do cristão, sendo que o espírito de Deus é ordenador de todas as racionalidades.

Um outro critério que está bem explicado no Livro dos Atos dos Apóstolos é a obrigação de colocar as necessidades dos outros à frente das nossas, dentro do espírito de que aquilo que “não for para todos, não chegará para cada um”. Neste sentido, questiona-se a eternidade se todos não estiverem lá, se não estiverem os que amamos”, e ainda neste caminho pergunta-se se o mundo pode ser completo se a riqueza prometida não for de todos”. A pobreza é injusta e, explica o padre Ricardo, a primeira preocupação dos apóstolos foi reunir os bens de todos, partilhando-os de seguida, mas sujeitando-os a um “discernimento”, entrando, neste aspeto, a doutrina social da Igreja. Há um quarto critério que o Reino de Deus trás à nossa vida: “É um Reino que cresce”. Explica o pároco que “Deus não entrega um Reino feito, entrega um Reino que se está a fazer”. O objetivo é “lançar um pedaço de vida”, e adianta que “é próprio do Reino de Deus o investimento”.

Afirma: “no Reino de Deus, o que é típico é investir”, o que significa que se “investiu não o que tinha, mas o que era, ou seja, investiu a totalidade da sua experiência”. Esta é, de forma sucinta, a conclusão da parábola dos Talentos, que se desenhou dentro de uma lógica que passa por “imprimir o investimento e partilha”, de uma forma contagiante, que se vai espalhando. A conclusão é simples: “É próprio do Reino de Deus a partilha”, sendo que ela não é a esmola que cai da mão do homem. Pelo contrário a genética do crescimento está no investimento e na partilha.

A sobriedade, um outro princípio do Reino de Deus. “Larguem todo o tipo de segurança e para a missão que vão ter levem apenas o selo da nossa garantia”. O padre Ricardo nota que não estamos perante um conceito de cultura de aforro, mas perante uma forma de “liberdade profícua”. Esta é, por outro lado, uma delicadeza para com os indigentes, sendo elucidativo o episódio de Lázaro, o pobre, com o homem rico.

O problema de insensibilidade também está aqui plasmado, obrigando a um discernimento permanente. Diz o padre Ricardo que o Evangelho não gosta de respostas fechadas, mas de “caminhos”, exigindo a “arte do discernimento ou o formalismo teológico, em que se repete verdades continuamente”. O Evangelho evidencia ainda a arte de quem escuta primeiro as pessoas e a parte de quem não tem medo de escutar as situações.

Quem o sabe fazer, tem a certeza de que entrará no Reino dos Céus no final da labuta de cada dia, aceitando de Deus “o repto de um dia novo”.  

 

Pe. Ricardo Neves