“A empresa é um projecto humano a longo prazo” – Rolando Medeiros – Presidente da UNIAPAC

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Rolando Medeiros, Presidente da UNIAPAC Internacional
Somente no longo prazo “se podem conciliar os interesses, muitas vezes conflituosos”, entre os diferentes grupos de interesse que estão envolvidos numa empresa. Para renovar a sua acção inspiradora da actividade empresarial, “num mundo tão diverso nas suas realidades geopolíticas”, a nova presidência da UNIAPAC quer contribuir para uma economia mais humana através de um “propósito comum” que convoque todas as suas associações para uma “visão de futuro”. Em entrevista, o novo presidente da União Internacional de Empresários Cristãos, Rolando Medeiros, defende que a empresa “é uma vocação, sempre que aqueles que nela participam se sintam interpelados por um sentido mais amplo da vida”
POR GABRIELA COSTA
“A vocação de um empresário é uma nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o bem comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos” – Papa Francisco, Evangelii Gaudium (2013)A UNIAPAC posiciona-se actualmente como uma organização internacional de líderes cristãos dedicada à construção do bem comum através da actuação da empresa na sociedade, que quer ser “reconhecida mundialmente pela sua contribuição distintiva da actividade empresarial como uma vocação nobre”. A propósito da sua actual estratégia de actuação e do seu próximo congresso mundial, que terá lugar em Lisboa, em Novembro deste ano, o VER conversou com o presidente da UNIAPAC Internacional a respeito da influência de uma economia ao serviço do Homem no mundo empresarial.

Em entrevista, Rolando Medeiros, que assumiu a presidência da União Internacional de Empresários e Gestores Cristãos a 30 de Junho de 2017, com um mandato de três anos, sublinha que um “bom trabalho é aquele que proporciona a oportunidade de crescimento, de desenvolvimento integral, a todos os que trabalham na empresa”.

A UNIAPAC está presente em mais de 40 países na Europa, América Latina, África e Ásia. Quais são as grandes linhas mestras da nova presidência e de que modo esta organização influencia o mundo?

Num mundo em constante mudança – em que a constante é a mudança – e num mundo que é, ao mesmo tempo, tão diverso nas suas realidades geográficas e geopolíticas – com áreas desenvolvidas, outras em desenvolvimento e outras ainda incrivelmente subdesenvolvidas -, o maior desafio que a UNIAPAC enfrenta é, talvez, manter-se vigente com um “discurso” que continue a ser “fresco”, inspirador e orientador da acção, em todos os cantos da nossa casa comum. As realidades que enfrentam as nossas associações, as circunstâncias em que lhes compete levar avante a sua missão de transformar o coração dos líderes empresariais para que transformem a sociedade através da acção e da actuação das empresas que lideram, e onde as capacidades e recursos com que contam são tão diversos e desiguais, parece uma missão impossível.

O maior desafio que a UNIAPAC enfrenta é manter-se vigente com um “discurso” que continue a ser inspirador e orientador da acção

Portanto, as linhas mestras com que a UNIAPAC pode contribuir para as suas associações traçam-se através de uma Visão de Futuro partilhada por todos; de um propósito comum que nos convoque a todos e que seja o destino de todas as nossas acções. E esse processo de alinhamento em torno desta visão partilhada foi iniciado em 2017, com a premissa de que “a UNIAPAC será reconhecida mundialmente pela sua contribuição distintiva da actividade empresarial como uma vocação nobre”.

Cada associação da UNIAPAC, a partir da sua realidade particular e muito própria, pode diagnosticar as suas lacunas relativamente a esta visão comum e, em função das suas potencialidades e capacidades, definir as suas prioridades para colmatá-las. Porém, simultaneamente, e sem perder a sua autonomia, pode replicar o que as outras associações estão a fazer e aprender com os seus sucessos e fracassos. A melhor forma para que a UNIAPAC possa influenciar o mundo e contribuir positivamente para uma economia ao serviço do Homem é, justamente, através do empenho sinérgico a nível local, nacional, regional e internacional; através da captação de economias de escala e especializadas; e da eficácia resultante de não “reinventar a roda”, mas antes focar os seus esforços perspicazmente.

Quais são as prioridades e como se posiciona a estratégia de actuação da actual presidência face à missão da UNIAPAC Internacional? De que modo está alinhada esta missão com a da sua congénere em Portugal, a ACEGE?

A prioridade da UNIAPAC Internacional nesta fase é conseguir o referido nível de alinhamento de todas as suas associações, de modo a que todas orientem as suas iniciativas para promover de uma forma distintiva a transformação da empresa numa vocação nobre. A actividade empresarial é uma vocação, e é uma vocação nobre sempre que aqueles que nela participam se sintam interpelados por um sentido mais amplo da vida – o que lhes possibilita servir verdadeiramente o bem comum com os seus esforços para multiplicar os bens de este mundo e torná-los mais acessíveis a todos.

O colaborador torna-se um “co-empresário” quando se realiza através do seu trabalho

O desafio para os líderes empresariais cristãos tem, assim, três níveis: 1) A sua transformação pessoal para que vivam o seu quotidiano empresarial como uma vocação, como um chamamento para cumprir o plano que Deus lhes propõe para a sua própria realização através do seu trabalho na empresa, num sentido mais transcendente. 2) A sua liderança de serviço para a transformação da cultura organizacional da sua empresa, de modo a que esta assente no princípio irrenunciável e incondicional do respeito pela dignidade humana que, na prática, se traduz na aplicação dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade ao mundo do trabalho, como forma de relacionamento com todos os que interagem internamente e a partir da empresa. 3) A orientação da empresa para o serviço ao bem comum, o que não se consegue de uma forma sustentável sem o compromisso e a motivação do líder e sem uma cultura humanista no trabalho.

Estes conceitos não podem estar mais alinhados com a missão da ACEGE de inspirar os líderes a viver o amor e a verdade no meio económico e empresarial e a prestar o seu testemunho junto das comunidades; nem com a sua visão de promover, através do trabalho desenvolvido pela sua comunidade de líderes empresariais, a dignidade de cada pessoa e a construção do bem comum.

Que boas práticas preconiza a UNIAPAC para as empresas e que impacto tem a sua acção no meio empresarial?

A construção do bem comum através da actuação da empresa na sociedade só se atinge ao considerar-se a mesma como um projecto humano a longo prazo. Somente no longo prazo se podem conciliar os interesses, muitas vezes conflituosos, entre os diferentes grupos de interesse que participam ou estão envolvidos nessa actuação: os seus trabalhadores, os seus clientes e fornecedores, os seus investidores, as comunidades em que opera, as autoridades públicas e as futuras gerações.

A UNIAPAC tem vindo a estabelecer vínculos cada vez mais estreitos com o Vaticano

A empresa orienta-se para o bem comum através dos “3Bs”: bons produtos e serviços, bom trabalho e boa riqueza. Bons produtos são aqueles que são realmente bons e bons serviços são aqueles que realmente servem (isto é, em termos empresariais, que satisfazem verdadeiramente necessidades humanas e ultrapassam as suas expectativas). Bom trabalho é aquele que proporciona a oportunidade de crescimento, de desenvolvimento integral, a todos os que trabalham na empresa (isto é, um ambiente de trabalho em que cada colaborador se sente convidado a contribuir, voluntariamente, para o projecto empresarial com as suas ideias, a sua criatividade, a sua iniciativa: torna-se assim “co-empresário”, porque se realiza através do seu trabalho). Boa riqueza é aquela que se gera correctamente, respeitando incondicionalmente todas as pessoas que interagem com ela… sem as instrumentalizar (incluindo as futuras gerações com consciência sobre o meio ambiente), e que se distribui justamente (em forma devidamente proporcional às contribuições de todos os que participaram directa e indirectamente nessa criação de riqueza).

A conjugação de estes “3Bs” traduz-se numa contribuição da empresa para uma sociedade mais próspera, justa, solidária e humana. Transforma a actividade empresarial numa vocação nobre.

Como descreve a relação desenvolvida actualmente entre a UNIAPAC e o Vaticano?

A UNIAPAC tem vindo a estabelecer vínculos cada vez mais estreitos com o Vaticano. Primeiro com o Conselho Pontifício Justiça e Paz e depois com o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que se constituiu recentemente através da fusão de este conselho pontifício com outros três.

A UNIAPAC trabalhou colaborativamente no desenvolvimento do documento “A Vocação do Líder Empresarial”, traduzido em muitos idiomas e que foi apresentado em conferências em muitos países, e no qual participou o Cardeal Peter Turkson conjuntamente com um líder empresarial da nossa organização internacional. Hoje a UNIAPAC integra a equipa de cinco pessoas que está a rever este documento, cujo relançamento, dentro de poucos dias, esperamos que siga o mesmo procedimento.

Mas a UNIAPAC também desenvolveu uma relação estreita com a Secretaria de Estado do Vaticano, que nos convida permanentemente a participar activamente nas suas iniciativas como, por exemplo, a constituição de uma união de ONGs de inspiração católica, à qual concorremos como actor relevante. E ainda em muitas actividades e iniciativas bastante concretas.

A experiência concreta de muitos líderes empresariais portugueses associados da ACEGE permitirá à UNIAPAC, no seu próximo Congresso Mundial, divulgar o conceito de transformação da empresa numa vocação nobre

Porventura, o melhor reflexo de esta relação cada vez mais próxima é o Congresso Mundial da UNIAPAC de Novembro de 2016, realizado na Sala do Consistório no Vaticano, e que incluiu uma audiência privada com o Papa Francisco, que nos entregou uma mensagem muito inspiradora.

Outro exemplo é o apoio claro e contundente enviado por escrito pelo Cardeal Peter Turkson, no qual não apenas nos insta a avançar na transformação da actividade empresarial como vocação nobre, como nos pede que o mantenhamos informado sobre os empenhos e progressos das nossas associações no mundo inteiro.

Que perspectivas têm sobre a realização do XXVI Congresso Mundial da UNIAPAC em Portugal, em Novembro?

Para a UNIAPAC a realização do seu XXVI Congresso Mundial em Portugal é um motivo de orgulho e esperança. Por um lado, representa uma mensagem muito forte de apoio ao excelente trabalho que a ACEGE está a desempenhar na promoção dos princípios e valores da Doutrina Social da Igreja entre o meio empresarial. Por outro lado, transmite uma mensagem moderna e cativante pelo atractivo que actualmente Lisboa revela no contexto europeu, e pela sua conotação de cidade pujante, acolhedora, encantadora… com a sua história que se sente nos edifícios, na atmosfera e nas suas gentes, e a sua manifesta alegria hospitaleira, que é muito contagiosa.

E, de resto, a experiência concreta e prática de muitos líderes empresariais portugueses associados da ACEGE permitirá à UNIAPAC divulgar o seu conceito de promoção da transformação da empresa numa vocação nobre, e inspirar os líderes a viver o amor e a verdade e a dar testemunho dessa vivência no mundo económico e empresarial. A convicção com que a ACEGE vive a sua visão de promover, através do trabalho desenvolvido pela sua comunidade de líderes empresariais, a dignidade de cada pessoa e a construção do bem comum é, para a UNIAPAC, uma enorme garantia do sucesso de este XXVI Congresso Mundial.