Vivenciar o trabalho como uma vocação é, em si, uma recompensa

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Rolando Medeiros, Presidente da UNIAPAC Internacional - © Arlindo Homem

Encontramos um propósito magnânimo na nossa responsabilidade empresarial sempre que concentramos os nossos talentos, habilidades, pensamentos e energias para colocar a nossa empresa verdadeiramente ao serviço do bem comum. Quando alguém considera que o seu papel de líder é um apelo, em vez de ser um mero “trabalho”, a sua experiência empresarial transforma-se de forma radical. Vivenciar o trabalho como uma vocação é, em si mesmo, uma enorme recompensa: não só constitui uma fonte de satisfação pessoal como também é contagioso, inspirando outros líderes empresariais
POR ROLANDO MEDEIROS

Lisboa foi um ponto de partida de muitas viagens de longo alcance a todos os confins da Terra, muitas das quais transformaram o mundo naquilo que é hoje. Ao elegermos Lisboa como domicílio do nosso congresso, tínhamos a esperança de que fosse também um ponto de partida na nossa jornadapessoal para transformar os negócios em vocações nobres… uma expedição tão apelativa, desafiante e fascinante como as muitas viagens que ali se originaram mas muito mais urgente, à luz dos grandes desafios que estamos a enfrentar no século XXI.

A ciência, a tecnologia, o mercado livre e a democracia permitiram-nos alcançar realizações sem precedentes a nível do conhecimento, da liberdade, da expectativa de vida e da prosperidade. Trata-se das maiores conquistas da civilização humana e temos que defendê-las e valorizá-las. Não obstante, a tecnologia dá-nos poder, mas não nos guia relativamente a como usar esse poder. O mercado fornece-nos opções, mas deixa-nos ignorantes sobre como optar. O estado democrático liberal dá-nos a liberdade de viver como decidirmos, mas rejeita – em princípio – conduzir-nos quanto ao exercício dessa liberdade. O resultado é que o século XXI nos deixa com um máximo de opções e um mínimo de significado, de sentido.

[quote_center]O século XXI deixa-nos com um máximo de opções e um mínimo de sentido. O “eu” é um lugar muito pobre para encontrar significado[/quote_center]

Encontrar significado requer vincularmo-nos com algo maior do que o ego solitário. Ou, em outras palavras: o “eu” é um lugar muito pobre para encontrar significado. Pode a nossa missão empresarial constituir-se através de uma meta preponderante que reúna temas que dêem sentido não apenas às nossas actividades diárias mas também à vida de quem trabalha connosco? Todos os líderes empresariais têm essa opção, e sim, podemos encontrar um propósito magnânimo na nossa responsabilidade empresarial sempre que nos esforcemos em concentrar permanentemente os nossos talentos, habilidades, pensamentos e energias para colocar a nossa empresa verdadeiramente ao serviço do bem comum. Todos temos a opção de encontrar algo sobre que valha a pena dedicar-nos entusiasticamente, sem hesitação nem egoísmo. Todos podemos abraçar uma causa que, dentro do papel que desempenhamos, consideremos um propósito nobre.

De acordo com a antropologia cristã – uma antropologia relacional – nenhuma finalidade é legítima se não atinge os objectivos da promoção integral da pessoa humana, do destino universal dos bens e da escolha preferencial das necessidades dos mais pobres. Será isto uma utopia ou uma meta desafiante mas alcançável? Como pode o nosso papel de líderes empresariais –entendido habitualmente como o de maximização dos lucros– reconciliar-se com estes requisitos? No centro do objectivo deste congresso esteve a procura de respostas a este dilema: o ponto de partida da nossa viagem exploratória!

Através da análise dos conceitos subjacentes à actividade empresarial enquanto uma vocação nobre, o XXVI Congresso Mundial da UNIAPAC procurou suscitar o início de uma transformação pessoal de todos os que participam no mundo dos negócios. Num sistema económico-financeiro tão dinâmico, com um ritmo de mudança extremamente rápido graças à inovação, à criatividade e às comunicações instantâneas, as normas regulamentares – ainda que sejam as adequadas –  tenderão a estar desfasadas, independentemente da rapidez com que se adaptem às novas circunstâncias ou da velocidade a que se revelam actualmente os abusos e as transgressões. E nestes casos, tanto a auto-regulação baseada num desempenho empresarial inspirado em princípios como a conduta ética do líder empresarial são de extrema importância, e requisitos chave para assegurar o respeito incondicional pela dignidade humana.

[quote_center]Todos os líderes empresariais têm a opção de dar sentido não apenas às suas actividades mas também à vida de quem trabalha consigo [/quote_center]

Consequentemente, é imprescindível que os actuais e futuros líderes empresariais estejam abertos a compreender a economia e as finanças através de uma visão integral da pessoa humana, que impeça a sua redução a apenas algumas das suas dimensões ou, neste contexto, unicamente a um homo oeconomicus. Consistente com esta exigência, a UNIAPAC aspira a ser reconhecida mundialmente pela promoção distintiva que faz da actividade empresarial enquanto uma vocação nobre. Os fundamentos de esta visão baseiam-se na convicção de que a actividade empresarial é uma vocação, e é uma nobre vocação sempre que os intervenientes no meio empresarial se sintam interpelados por um sentido mais profundo da vida; um sentido que lhes permitirá servir verdadeiramente o bem comum, contribuindo para acrescentar valor aos bens mundiais, tornando-os mais acessíveis para todos.

Dizer que alguém tem uma vocação equivale a dizer que sente um chamamento: o termo “vocação” provém do latim vocatio, “ser chamado”. Quando alguém considera que o seu papel de líder empresarial é um apelo, em vez de ser um mero “trabalho”, a sua experiência empresarial transforma-se de forma radical. Torna possível que se sinta orgulhoso até das realizações mais rotineiras, porque toma consciência de que está a contribuir para o bem-estar social. Vivenciar o trabalho como uma vocação é, em si mesmo, uma enorme recompensa; não só constitui uma fonte de satisfação pessoal como também é contagioso: os líderes empresariais que vivem este sentimento de apelo inspiram outros para que encontrem um significado mais profundo nos seus trabalhos.

[quote_center]Tanto a auto-regulação baseada num desempenho empresarial inspirado em princípios como a conduta ética do líder são requisitos chave para assegurar o respeito incondicional pela dignidade humana[/quote_center]

Na missão pela transformação dos negócios numa vocação nobre há que distinguir três características do líder empresarial: a sua transformação pessoal; a sua capacidade para construir culturas organizacionais mais humanas; e a sua capacidade de liderança para direccionar a empresa para o serviço ao bem comum. Estes três requisitos foram pedras angulares da agenda do XXVI Congresso Mundial da UNIAPAC:

  • Transformação pessoal

Comportamentos e atitudes e/ou acções e business casesreais que demonstraram a predisposição dos líderes empresariais presentes como oradores, bem como os seus esforços para se sentirem desafiados por um significado superior da sua vida e, dessa forma, dispostos a adoptar uma visão mais ampla da sua responsabilidade na sociedade e a transcender a procura de benefícios a curto prazo, e a todo o custo, para se transformarem em construtores do bem comum e promotores de um novo humanismo no trabalho.

  • Culturas organizacionais mais humanas

Foram apresentadas iniciativas e exemplos específicos de esforços de líderes empresariais e resultados que reflectiram o seu empenho para construir uma cultura baseada no princípio do respeito pela dignidade humana, organizando o trabalho nas suas empresas de modo a que os seus membros aderissem aos princípios de solidariedade (assumindo responsabilidades pelo bem-estar dos outros) e subsidiariedade (promovendo um espírito de iniciativa e aumentando as competências dos colaboradores para que se sentissem como co-empreendedores) e, consequentemente, considerassem o seu posto de trabalho como um motivo para a sua própria realização pessoal.

  • Empresas orientadas para o bem comum

Foram discutidos casos específicos de negócio que demonstraram a aplicação de um conjunto de princípios práticos nas empresas dos líderes participantes, tais como o princípio de satisfazer as necessidades do mundo com bens que fazem realmente o bem e serviços que realmente servem, sem esquecer as necessidades dos mais pobres e dos mais vulneráveis; e o princípio da criação sustentável de riqueza e da sua justa distribuição entre todos os stakeholders, com vista à melhoria de toda a sociedade. Em outras palavras, exemplos dos “3Bs” em acção: Bom trabalho; Bons bens; e Boa riqueza.

[quote_center]É imprescindível que os actuais e futuros líderes empresariais compreendam a economia e as finanças através de uma visão integral da pessoa, que impeça a sua redução unicamente a um homo oeconomicus[/quote_center]

O XXVI Congresso Mundial da UNIAPAC proporcionou aos seus mais de 450 participantes, bem como a milhares de seguidores via streaming, em todos os cantos do mundo, a motivação necessária para iniciar em Lisboa outra viagem impressionante: a viagem exploratória rumo à transformação dos negócios numa vocação nobre.