Sustentabilidade nos Sistemas de Saúde

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Existe uma evidência crescente de que os actuais sistemas de Saúde de algumas nações do mundo serão insustentáveis se não forem alterados durante os próximos 15 anos. Globalmente, os cuidados de saúde encontram-se ameaçados pela confluência de incontornáveis tendências: aumento da procura, custos crescentes, qualidade irregular, incentivos desadequados – as quais, se ignoradas, irão sobrecarregar os sistemas de saúde, originando enormes obrigações financeiras para alguns países e problemas de saúde devastadores para os seus habitantes.

Esta conclusão foi extraída da terceira edição do HealthCast, elaborado pela PricewaterhouseCoopers, que li recentemente. Em minha opinião, vale a pena meditar sobre algumas das suas conclusões, as quais gostaria de partilhar com os meus estimados leitores.

Desde 1997, o peso dos gastos com a Saúde em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), entre os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) tem acelerado. Em 2002, os gastos cumulativos com a Saúde de 24 países da OCDE foram de 2.7 triliões de dólares. Estima-se que os gastos com Saúde dos países da OCDE irão mais que triplicar, para 10 triliões de dólares, em 2020.

Este estudo, bastante extenso e profundo, identificou vários pontos específicos, a reter:

• Prevê-se que, no futuro, os gastos com Saúde cresçam a um nível muito mais elevado do que no passado: em 2020, como referido, estima-se que os gastos com Saúde tenham triplicado, consumindo 21% do PIB nos Estados Unidos e 16% do PIB em outros países da OCDE. 

• Existe um vasto apoio a um sistema de Saúde com riscos e responsabilidades financeiras partilhadas entre financiadores privados e públicos, em contrapartida ao habitual sistema de transferência de custos. Apenas uma minoria de líderes industriais do sector nos Estados Unidos, Canadá e Europa pensa que um sistema sustentável é um sistema maioritariamente suportado por fundos provenientes de impostos. Mais de 75% dos inquiridos no estudo HealthCast são da opinião que as responsabilidades financeiras devem ser partilhadas. 

• Universalmente, os sistemas de Saúde enfrentam desafios à sua sustentabilidade, em torno dos custos, da qualidade e da confiança dos consumidores. A transparência na qualidade e no preço foi identificada por mais de 80% dos inquiridos no estudo como um contributo para a sustentabilidade. As opiniões dos inquiridos relativamente a quem está a fazer o maior progresso na melhoria da qualidade variam de local para local. Nos Estados Unidos, os grupos de apoio a doentes ocupam o primeiro lugar, enquanto na Europa e no Canadá, os médicos assumem a posição de liderança. No Médio Oriente, Austrália e Ásia, o governo é visto como estando a fazer o maior progresso.

• Cuidados preventivos e programas de controlo da doença têm um potencial desaproveitado para melhorar o estado geral de Saúde da população e reduzir custos, mas necessitam de apoio e integração transversal na indústria de modo a poderem produzir benefícios. Os meios mais efectivos para gerir a procura, de acordo com o estudo, são programas de promoção de uma vida saudável – wellness – imunização e controlo da doença.  Mais de 80% dos inquiridos identificaram a falta de integração nos cuidados prestados como um grande problema que os sistemas de prestação de cuidados de Saúde enfrentam.

• De modo a suportar um maior poder de decisão por parte dos consumidores, o interesse no pagamento por desempenho – pay-for-performance – e na partilha dos custos tem aumentado significativamente. Os líderes do sector esperam um elevado crescimento de programas orientados para os consumidores. 

• As tecnologias de informação (TI) podem ser um importante contributo na resolução dos problemas da Saúde, desde que exista um investimento e forte apoio sectorial e organizacional no desenvolvimento de soluções integradas. Mas as TI não são, por si só, uma solução. Verifica-se uma convergência na indústria a nível nacional e global à medida que as melhores práticas na prestação de cuidados, acesso e segurança são partilhadas e as linhas entre farmacêuticas, empresas de ciências da vida, prestadores de serviços, médicos e outros profissionais da saúde e pagadores se desvanecem. 

Estão, neste momento, identificadas sete características-chave dos sistemas sustentáveis, sejam eles governos, redes de organizações ligadas à Saúde ou organizações individuais:

1. A procura de uma base comum: visão e estratégia são necessárias para equilibrar os interesses públicos e privados na construção de uma infra-estrutura e na prestação de cuidados básicos de saúde no contexto das prioridades sociais.

2. Um suporte digital: melhor uso de tecnologias e redes electrónicas inter-operacionais aceleram a integração, estandardização e transferência de conhecimentos e informações administrativas e clínicas.

3. Reajustamento de incentivos: os sistemas de incentivos asseguram e gerem o acesso aos cuidados de saúde ao mesmo tempo que permitem a sua quantificação e responsabilização pelas decisões tomadas.

4. Estandardização da qualidade e segurança: a definição e implementação de standards clínicos estabelecem mecanismos para a quantificação, responsabilização e maior transparência, fortalecendo a confiança dos consumidores.

5. Distribuição estratégica de recursos: a afectação de recursos permite satisfazer de forma apropriada as exigências para a redução de custos, mantendo ao mesmo tempo um suficiente acesso aos cuidados de saúde para o maior número de pessoas.

6. Clima de inovação: inovação, tecnologia e alteração de processos são meios para continuamente melhorar os tratamentos, a eficiência e os resultados.

7. Funções e estruturas adaptáveis: locais de prestação de serviços de Saúde flexíveis e um papel mais abrangente para as funções clínicas fornecem soluções de saúde centradas nas necessidades dos pacientes.

Atravessando fronteiras, idiomas e culturas, estas são as estratégias que estão a ser utilizadas pelos sistemas de Saúde de todo o mundo. As soluções estão lá, no mercado global da Saúde. Basta agora articulá-las entre si, o que, não sendo por vezes fácil, é possível e, acima de tudo, indispensável para que a sustentabilidade possa ser uma realidade, também, na Saúde.

Texto publicado originalmente no Jornal de Negócios no dia 20 de Março de 2008

 

Pedro Vaz Serra

 

Associado da ACEGE – Núcleo de Coimbra

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