Numa entrevista intimista, o novo presidente da ACEGE assegura ser fundamental, a todos os que com ele partilham os valores cristãos, “manter a capacidade de ler os sinais dos tempos” e ter a “sabedoria de os saber discernir em cada momento”. Revelando alguns aspectos pessoais do caminho que foi trilhando no interior da associação que agora dirige, João Pedro Tavares assegura, ainda, que “tal como no primeiro dia”, está na ACEGE “para servir”
Deixe-nos começar por uma pergunta mais pessoal. O que o levou a ser membro da ACEGE?
Começou com o convite de um amigo e colega, que me direccionou para a ACEGE, que eu não conhecia. Inicialmente desvalorizei e acedi e, gradualmente, fui-me deixando cativar pelo percurso que fui fazendo.
Hoje reconheço que ser membro da ACEGE foi um dos meios de que Deus se serviu, entre muitos outros, para ir transformando a minha vida.
O que é que mais valoriza na ACEGE, uma associação com 60 anos de história?
Valorizo três aspectos fundamentais, os seus Valores, a sua História e as Pessoas.
Os valores cristãos e o propósito de os viver em todas as circunstâncias da vida, em particular, no mundo do trabalho. Nesses valores destaco “o amor como critério de gestão”, que acompanha a organização desde o primeiro dia e que constituiu o vínculo explícito do meu antecessor e amigo, o Antonio Pinto Leite, tendo-o feito de uma forma marcante e profundamente inspiradora.
Na História, destaco a coerência em que viveram os seus membros ao longo de 60 anos, com momentos de tensão, de expansão e retracção, de ânimo e desânimos, mas sempre em absoluta coerência. Milhares de pessoas têm o seu nome inscrito no livro de ouro de Acege, na forma como serviram a sociedade no mundo do trabalho, como inspiraram outros, como o fizeram a partir da Igreja e da sua Doutrina Social. Tenho o privilégio de conviver com os dois últimos presidentes da ACEGE e perceber essa mesma coerência vivida por homens de enorme carácter, o que constitui para mim uma herança marcante e inspiradora.
E por fim as Pessoas, que são o mais importante de qualquer organização. Convivo e caminho ao lado de exemplos únicos e irrepetíveis, marcantes e motivadores que nos confirmam no caminho que temos feito.
E por que aceitou ser seu Presidente?
Enquanto membro da ACEGE fui-me disponibilizando para múltiplos serviços que me foram sendo solicitados ao longo destes anos. No primeiro momento em que me comunicaram esta possibilidade, rejeitei-a mas, de facto, acabei por aceitar como mais um desses serviços que me estavam a ser pedidos e perante a solicitação de múltiplas pessoas. Não correspondeu a nada que alguma vez tivesse planeado ou colocado como objectivo e confesso que me apanhou de surpresa o convite, a possibilidade e a forma reiterada como o mesmo me foi solicitado. Mas, como no primeiro dia, aqui estou para servir, fazendo parte de uma Direcção de pessoas amigas, próximas e muito inspiradoras. A forma enormemente generosa como os membros dos actuais corpos sociais da ACEGE responderam aos desafios que lhes coloquei constituíram para mim um factor de enorme ânimo. E, no final, a noção de quem é o verdadeiro Presidente da ACEGE, sabendo-nos todos que estamos em delegação d’Ele.
Que marca gostaria de deixar na ACEGE e no mundo empresarial?
Não ambiciono nem pretendo deixar uma marca pessoal mas, ao invés, que todos em conjunto, em particular os que hoje lideram a Direcção Nacional, deixem uma marca de Corpo, de unidade de mente e coração, no que formos discernindo pelo caminho. Isso será uma marca de paz e serenidade para todos e é algo que o mundo bem precisa. É fundamental que sejamos fiéis ao que referi anteriormente, aos valores, à história e às pessoas que fazem parte da ACEGE e a todos os que se revêm nos valores cristãos. Por outro lado, gostaria que tenhamos a capacidade de ler os sinais dos tempos e tenhamos a sabedoria de os saber discernir em cada momento. Apesar de termos definido uma visão para o futuro, não temos um plano estratégico a três anos, mas que não nos falte um coração amplo para saber atender às circunstâncias.
A família tem sido, desde sempre, um tema primordial na visão da ACEGE sobre o meio empresarial. Como é que é ser vice-presidente de uma multinacional, estar envolvido voluntariamente em tantas iniciativas e ser marido e pai de quatro filhos? É possível conciliar a vida familiar com tantas actividades?
A família deve sobrepor-se a tudo o resto, pois de nada nos vale uma carreira que destrua a família. É um desafio diário, com tensões grandes, mais pelas responsabilidade do que pelas actividades. Nada na vida é um compromisso estritamente pessoal, mas é sempre um compromisso de família. Admito que, em determinadas circunstâncias, possa deixar algo para trás e muitas vezes com um preço elevado para a família, em particular. Há a tendência para sacrificar a família em detrimento de outros compromissos, o que deve ser combatido. As minhas responsabilidades profissionais e sociais são assumidas com sentido de missão, de cidadania e por ir mais além do que são as responsabilidades básicas que me são pedidas. É também uma forma de educar os nossos filhos para deixarem uma marca positiva no mundo.
Neste âmbito a ACEGE assinou com a Fundación MásFamilia um protocolo de colaboração, através do qual pretende promover e desenvolver a certificação efr de empresas portuguesas. Acredita que esta fará diferença nas vidas dos colaboradores?
Acredito que sim e por três motivos principais. O primeiro deve-se ao facto de obrigar as empresas a reflectir sobre o tema, o qual é relevante para colaboradores, dirigentes e accionistas. É uma forma de criar valor nas organizações. Por outro lado, irá permitir a comparação com outros bons casos e conduzir a uma partilha de boas ideias, que foram bem implementadas noutras organizações. Por fim, representa um compromisso diante de todos e esse é um aspecto a realçar também.
É, também, vice-presidente da Accenture, onde lidera um conjunto significativo de pessoas. Que principais “cuidados” considera ser imprescindíveis para uma liderança inspiradora e que lugar têm os colaboradores numa empresa de grandes dimensões e desafios complexos?
Um dos nossos principais activos são as pessoas, as quais queremos que se realizem, em plenitude, enquanto pessoas e não apenas como profissionais. Nesse sentido, a Accenture é uma empresa que dedica muita atenção às expectativas e realidades de cada pessoa, estando atenta à introdução de acções que permitam uma maior equilíbrio e realização em todas as suas componentes da vida. Recordo que, por exemplo, procuramos ajustar os tempos de descanso aos tempos escolares, entre outros aspectos.
Uma das experiências mais marcantes da ACEGE são os grupos Cristo na Empresa. Oito anos percorridos sobre esta iniciativa de “inquietação e reflexão” sobre os desafios do trabalho – e concretamente da gestão – à luz do evangelho e dos critérios de Cristo, que balanço faz deste projecto? Em que medida contribui o mesmo para ‘construir’ modelos empresariais pautados por valores humanos essenciais? Sente que o seu modelo de liderança se enriqueceu por participar nestes grupos?
Fazer parte dos grupos “Cristo na Empresa” foi um dos aspectos mais marcantes e transformadores da minha vida e, em particular, da minha visão sobre o mundo do trabalho. É um caminho pessoal e partilhado em grupo por outros líderes empresariais que vivem os mesmos valores cristãos e os procuram aplicar no dia-a-dia. A partir dos nossos desafios e das tensões diárias que vivemos, procuramos viver estes valores. O que mais me tocou foi ver o que construímos sobre as nossas debilidades e fraquezas assumidas, o que é muito enriquecedor, e não penas com base em histórias de sucesso ou de conquistas. Mas todos reconhecemos os abundantes frutos que resultam deste espaço de partilha e de crescimento.
Meditamos sobre textos da Igreja (encíclicas, cartas, doutrina) em confrontação com documentos de gestão ou estudos produzidos por empresas ou líderes empresariais. E a partir daí questionamo-nos “e eu, que tenho a ver com isto?” ou “como reajo perante esta situação específica no meu dia-a-dia de trabalho?”
Para a ACEGE, os grupos “Cristo na Empresa” são das propostas mais marcantes que existem e muito gostaríamos que todos os associados pudessem desfrutar desta oportunidade.
Pessoalmente, passei a ter uma visão muito distinta, mais valorizadora, da pessoa no centro das organizações. Poderemos buscar a maior eficiência e eficácia, mas que isso nunca ocorra com perda de dignidade das pessoas, colaboradores, clientes, fornecedores ou accionistas. A confiança mútua é um valor de base nessas relações e essa confiança só se consegue com verdade e amor. Mas isso seria um tema muito extenso para outra conversa…
Que conselho daria aos associados da ACEGE e aos líderes empresariais?
Que saibam estar no mundo, sem ser do mundo, para transformar o mundo. Que não se abstenham de ter uma posição responsável e activa, sendo fiéis aos valores cristãos e procurando, com isso, transformar o mundo, reconhecendo que as pessoas são o centro das organizações e que estas existem para criar valor e o distribuir.