Propósito: a essência de um novo modelo de gestão

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O Propósito traduz em grande medida os Valores da empresa, orientados para o futuro, e também presentes na Missão, desta feita mais relacionados com o que a organização efetivamente faz, e como o faz. Por sua vez, é daqui que deve emanar toda a atuação estratégica e o próprio sistema de objetivos da organização, que tem de ser coerente, autêntico e íntegro, e estar devidamente alinhado com o próprio Propósito
POR JOSÉ ANTÓNIO PORFÍRIO

Vivemos num mundo caracterizado pela volatilidade, pela incerteza, pela complexidade e pela ambiguidade, que os ingleses denominaram por VUCA World.

Este é um mundo onde se fazem sentir, de forma bem visível, sobretudo para as empresas, os princípios da destruição criativa de Schumpeter. A evolução dos principais rankings mundiais de empresas torna por demais evidente este facto.

Um estudo realizado pelo AEI (American Entreprise Institute) concluiu que apenas 60 das empresas que em 1955 compunham o Índice Fortune 500 permaneciam neste índice em 2016. Nestes 61 anos de diferença, as restantes 440 empresas teriam, entretanto, falido, fundindo-se com outras empresas ou, simplesmente, deixado de apresentar condições para pertencerem a este Índice.

Mais recentemente, um estudo de 2018 do Innosight analisou dados do índice S&P500, entre 1995 e 2016, tendo concluído que apenas 153 empresas que faziam parte do Índice S&P500 em 1995 se mantiveram no mesmo em 2016. Em 21 anos, 347 empresas deixaram de reunir condições para permanecer neste índice.

Num cenário tão volátil como o que se descreve, é normal que os empresários e gestores se questionem sobre quais poderão ser os melhores mecanismos para manter as empresas no mercado e fazê-las crescer, tornando-as mais competitivas e sustentáveis

Ainda que estes valores possam não impressionar, pois a mudança nos mercados é uma característica de todos os tempos, o que não pode passar despercebido é a rapidez com que estas mudanças tendem a ocorrer, sobretudo nos tempos mais recentes. Numa análise mais fina podemos verificar que o mesmo estudo do Innosight aponta para que, mantendo-se este ritmo de mudança, cerca de metade das empresas do Índice S&P500 será substituída até 2029, e todas as atuais empresas que estão hoje neste Índice desaparecerão até 2051.

Num cenário tão volátil como o que se descreve, é normal que os empresários e gestores se questionem sobre quais poderão ser os melhores mecanismos para manter as empresas no mercado e fazê-las crescer, tornando-as mais competitivas e sustentáveis.

Desde há muito que se sabe que a capacidade de conceber e implementar adequadamente uma estratégia assume um papel crucial no sucesso e competitividade das empresas, especialmente em momentos de grande turbulência nos mercados. Nestes casos, a estratégia pode mesmo ser encarada como uma espécie de bóia de salvação para as empresas, pois é precisamente nas maiores tempestades que dispor de um barco seguro, principalmente quando se sabe que nos dirigimos para um destino apetecível, poderá fazer toda a diferença.

Parece mesmo claro que nenhuma decisão estratégica por si só será hoje suficiente para lidar com a volatilidade e incerteza características dos mercados atuais e para fazer face à multiplicidade de ambientes de negócio emergentes a que as empresas estão expostas.

Os modelos outrora baseados numa visão mecânica ou até, mais recentemente, assentes numa lógica orgânica de funcionamento das empresas (que potenciaram, respetivamente, a histórica gestão por tarefas e a mais recente gestão por objetivos), revelam-se hoje, assim, manifestamente insuficientes para promover esta mudança

Além disso, importa ter presente que a própria estratégia, na sua aceção tradicional, baseia-se em previsões e modelos analíticos, quase sempre de base microeconómica, que têm subjacente uma atuação racional de agentes económicos situados, geralmente, em mercados relativamente bem delimitados geograficamente, e quase sempre minimamente conhecidos.

Acontece que, no atual contexto, os cenários de atuação das organizações não apenas passaram a ser dominados pela incerteza constante, que torna quase irrelevante a racionalidade típica dos agentes económicos, como também os mercados, ao passarem de locais delimitados geograficamente, para locais virtuais (sites) passaram a estar sujeitos, geralmente de forma inesperada, à potencial ação de agentes económicos situados em partes remotas do planeta que, anteriormente, nunca seriam considerados competidores. Esta situação torna quaisquer análises de contexto de suporte à estratégia rapidamente desatualizadas.

Num cenário deste tipo, mais que a perceção dos mercados, a capacidade de inovar e antecipar a mudança tornaram-se aspetos cruciais da vida das organizações. Isso é conseguido, sobretudo, a partir da capacidade das mesmas adaptarem, não apenas as suas estratégias e os seus produtos mas, sobretudo, os seus próprios modelos de negócio. Para isso são necessários não apenas líderes competentes mas, sobretudo, pessoas e equipas capazes de antecipar (ou mesmo criar) o futuro, mais ou menos distante dos pressupostos do passado.

Acresce a tudo isto o facto de o mundo das empresas ser hoje igualmente caracterizado pela omnipresente disrupção digital originada, entre outros aspetos, pela disseminação dos robots e da Inteligência Artificial, pelo uso crescente das técnicas de Big Data, de Data Science e Data Analytics, e potenciado pela explosão da IoT. Estes ingredientes, conjugados com o advento de novas gerações que têm como fundamento valores e estilos de vida bastante diferentes dos tradicionais, vieram tornar ainda mais obsoletos os modelos tradicionais de gestão.

A questão essencial passa a ser, então, a de se saber como manter vivo o interesse e a dinâmica de atuação das pessoas, para fazer face aos permanentes desafios que o mercado coloca à organização, ajustando-se e ganhando posições competitivas para a empresa?

Os modelos outrora baseados numa visão mecânica ou até, mais recentemente, assentes numa lógica orgânica de funcionamento das empresas (que potenciaram, respetivamente, a histórica gestão por tarefas e a mais recente gestão por objetivos), revelam-se hoje, assim, manifestamente insuficientes para promover esta mudança.

No cenário atual, as pessoas, mais que a tecnologia, são o elemento essencial para o sucesso das organizações. São as pessoas a quem compete desenvolver e sustentar modelos de negócio dinâmicos e robustos, capazes de fazer face às alterações frequentes do mercado e às mudanças constantes nas regras dos negócios.

A questão essencial passa a ser, então, a de se saber como manter vivo o interesse e a dinâmica de atuação das pessoas, para fazer face aos permanentes desafios que o mercado coloca à organização, ajustando-se e ganhando posições competitivas para a empresa?

A Harvard Business Review acaba de publicar, na sua edição de setembro-outubro, um estudo desenvolvido ao longo de oito anos, que analisou empresas de vários países caracterizadas pelo seu elevado nível de crescimento sustentado.

Neste estudo, um novo fator surge como o elemento diferenciador para o crescimento sustentado, e sustentável, das empresas: o Propósito Organizacional.

Neste estudo, o Propósito destaca-se de variáveis tradicionalmente referidas como propiciadoras do crescimento das empresas, como é o caso: i) da capacidade de criação de novos mercados; ii) da capacidade de responder às necessidades de um maior número de stakeholders; e, finalmente, iii) da capacidade de ser “game changer”.

Um estudo publicado na Harvard Business Review conclui que todas as empresas de sucesso analisadas tinham sobretudo desenvolvido não apenas a capacidade de definir e implementar o seu Propósito, como também de colocar o mesmo no centro da sua Estratégia

Não obstante o estudo confirmar a importância de cada uma destas três variáveis, de forma isolada, para o crescimento acima da média das empresas estudadas, os autores ficaram surpreendidos ao perceber que nenhum destes fatores, por si só, seria suficiente para justificar o crescimento sustentado das organizações estudadas. O estudo conclui que todas as empresas de sucesso analisadas tinham sobretudo desenvolvido não apenas a capacidade de definir e implementar o seu Propósito, como também de colocar o mesmo no centro da sua Estratégia.

Ao colocar o Propósito no centro da Estratégia, e não apenas como orientador indireto da própria Estratégia, como defende a teoria tradicional da gestão, o Propósito torna-se, simultaneamente, na ignição, no combustível, e na chama que inicia, desenvolve, e alimenta o crescimento e a paixão dos colaboradores das empresas estudadas.

Perante esta evidência, será lícito questionarmo-nos o que é, afinal, o Propósito, como deve ser usado, e como ajuda neste crescimento sustentado? E ainda, o que é que diferencia o Propósito da Visão, da Missão, e da Estratégia de uma empresa?

Estas são as principais questões que, de uma forma muito sumária, se procuram responder neste artigo.

Numa lógica retrospetiva, o Propósito representa a razão de ser, o motivo para o qual a organização foi criada, traduzindo o ADN de quem a criou e, eventualmente, as mutações que têm marcado a sua diferença ao longo da sua existência.

Simultaneamente, numa lógica prospetiva, será do Propósito que deve derivar a resposta à questão “para que é que a organização existe?”. Assim, do Propósito deve também emanar a Visão, e desta a própria Missão da organização.

O Propósito deve representar aquilo que a organização e todos os seus colaboradores aspiram, motivando a sua Paixão pelo que fazem, e fazendo-os sentirem a organização como se fosse deles próprios

O Propósito traduz em grande medida os Valores da empresa, orientados para o futuro, e também presentes na Missão, desta feita mais relacionados com o que a organização efetivamente faz, e como o faz. Por sua vez, é daqui que deve emanar toda a atuação estratégica e o próprio sistema de objetivos da organização, que tem de ser coerente, autêntico e íntegro, e estar devidamente alinhado com o próprio Propósito.

Um dos grandes handicaps verificados até aqui no uso do Propósito, pela grande maioria das organizações, reside precisamente no facto de ele ser praticamente esquecido a partir do momento em que as organizações definem a sua própria Missão, tornando-se incoerente com a Missão, ausente da Estratégia e mesmo, muitas vezes, aparentemente contraditório (ou contradito) com as práticas correntes de gestão e operação da organização. Acontecendo isso, o Propósito geralmente perde o seu papel de catalisador da paixão na organização e dos seus colaboradores, deixando de desempenhar o papel que pode ter no crescimento sustentado das empresas.

Comparativamente, em termos temporais, ao contrário da Missão e, por maioria de razão, da Estratégia, o Propósito assume um cariz quase perene na organização, só se devendo modificar quando a organização muda o seu cariz e a sua essência, e perde de algum modo a sua identidade com o passado.

Todavia este caráter perene do Propósito está longe de o transformar em algo estático. O Propósito deve representar aquilo que a organização e todos os seus colaboradores aspiram, motivando a sua Paixão pelo que fazem, e fazendo-os sentirem a organização como se fosse deles próprios. E isso nunca poderá ser algo amorfo, pois deve ser vivido no dia-a-dia da organização.

Já a Missão deve inspirar os colaboradores para a realização das suas atividades, focando-os no seu trabalho, e levando ao seu compromisso efetivo no desenvolvimento das suas tarefas.

Enquanto alma da organização, o Propósito é o elemento perene que permite construir a ponte entre a Missão da organização e a missão pessoal de cada um dos seus colaboradores

Como um sonho, o Propósito deve ajudar a partilhar entre os colaboradores uma vontade comum relativamente ao negócio, enquanto a Missão foca esses colaboradores na operação desse negócio. E é esse sonho, que decorre do Propósito, que, quando partilhado entre os colaboradores, fará com que os mesmos, uma vez atingidos os objetivos a que se propuseram, continuem a desenvolver o seu trabalho para permitirem a sustentabilidade da organização onde trabalham.

Numa organização onde o Propósito assume, de facto, um papel catalisador das pessoas, o sentimento de “missão cumprida” pelos colaboradores que alcançam os patamares definidos pela organização e pelo seu modelo de gestão, não significa o atingir da meta final, mas apenas o ultrapassar de mais uma etapa no caminho do sonho ambicioso que todos partilham, e que vai geralmente muito além das fronteiras e dos desejos da própria organização, radicando na visão de uma sociedade bem melhor.

É este sonho que fomenta o desenvolvimento da inovação organizacional e o desenvolvimento de novos modelos de negócio, ajustados às alterações constantes dos cenários onde a organização se move, que acaba por promover o crescimento sustentado pois, mais importante que alcançar um qualquer cume (o que é traduzido geralmente pela Visão), para o Propósito prevalecer será sempre preciso alimentar a caminhada de todos os colaboradores e garantir a Unidade na Organização.

Enquanto alma da organização, o Propósito é o elemento perene que permite construir a ponte entre a Missão da organização e a missão pessoal de cada um dos seus colaboradores. Criando ownership no seu dia-a-dia, o Propósito permite desenvolver a motivação transcendente nos colaboradores da organização, a qual alimenta geralmente uma insaciável vontade de continuar o caminho do sucesso para garantir o desenvolvimento da sociedade, meta após meta alcançada.

Para o Propósito prevalecer será sempre preciso alimentar a caminhada de todos os colaboradores e garantir a Unidade na Organização

O Propósito é, assim, o sonho construído e partilhado com os (e pelos) proprietários e principais stakeholders da empresa, a começar pelos seus colaboradores. O Propósito traduz a razão de existir da organização, a partir dos valores partilhados.

É a partir do Propósito que se define a Visão, enquanto o objetivo dos objetivos que a organização pretende alcançar. A Missão que derivará dessa Visão, deve gerar o buy-in que permitirá aos colaboradores focarem-se na Estratégia da organização e, ao mesmo tempo, sentirem que ao desenvolverem as suas atividades operacionais, estão a contribuir para algo muito maior que a simples realização dos objetivos organizacionais propostos. É isso que gera a efetiva e genuína motivação das pessoas, promovendo a Unidade dos colaboradores e permitindo, numa relação win-win, o desenvolvimento permanente da Inovação nas empresas e o consequente crescimento dos seus resultados, de modo a servir todos os principais stakeholders da organização.

Se assimilado por todos os colaboradores da organização, e vivido no dia-a-dia, como dizia Tim Cook, num discurso de abertura do ano letivo no MIT, em 2017, o Propósito será então o elemento distintivo que permite às organizações “usar, não apenas as cabeças e as mãos dos seus colaboradores, mas também o seu coração, para ajudar a construir algo maior do que eles próprios”.

Assim, se ainda não encontrou o seu Propósito, ou se não o consegue identificar ou identificar-se com o Propósito da organização onde trabalha, deve pensar muito bem que caminho seguir pois, como dizia Shakespeare: “todos os caminhos são errados se alguém não sabe onde quer chegar”.