O reconhecido professor da Harvard Business School, “padrinho” do conceito de inovação disruptiva e considerado como um dos mais influentes pensadores na área da gestão, morreu na passada semana. O legado de Clayton Christensen perdurará decerto no tempo e muitos foram os que lhe prestaram um sentido tributo. Para a história ficará também o seu artigo, convertido mais tarde em livro, e que nos obriga a pensar: como avaliaremos, no final da nossa existência, a vida que vivemos?
POR HELENA OLIVEIRA
“Quando morrer e tiver a minha entrevista com Deus, ele não vai dizer, ‘Oh, Clay Christensen, tu foste um professor famoso na Harvard Business School’. Mas dirá decerto ‘podemos antes falar sobre os indivíduos que ajudaste a tornarem-se melhores pessoas?’”
Clay Christensen, um dos mais influentes professores na longa história da Harvard Business School, morreu no passado dia 23 de Janeiro, de complicações provocadas pelo tratamento à leucemia de que sofria. Com 67 anos, há cerca de uma década que batalhava contra o cancro, com vários outros problemas de saúde associados, nunca deixando, contudo, de trabalhar na área que, a seu ver e se bem praticada, poderia ser considerada como “a mais nobre das profissões”: a gestão.
Autor do famoso livro “The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail”, uma das mais influentes obras sobre a prática da gestão e estratégia, e considerado como o “padrinho” do conceito de “inovação disruptiva”, Clay – como era chamado pelos amigos – deixa um legado de peso. Considerado como um dos mais influentes pensadores do mundo, e um dos últimos a carregar o epíteto que deixou de estar na moda, mas que o perseguia – guru da gestão – Clay Christensen tocou as vidas de milhares de estudantes – que não precisavam de café para assistir às suas aulas -, e de muitos pioneiros da tecnologia, como Andy Grove, co-fundador da Intel, Jeff Bezos, da Amazon, Reed Hastings, co-fundador da Netflix, bem como de Steve Jobs, da Apple, que considerava o seu Innovator’s Dilema como o melhor livro de gestão jamais escrito, e de todos os que com ele trabalharam e privaram. É que Christensen não era apenas um professor e consultor de prestígio, mas um homem profundamente admirado pelos seus pares, devido à sua bondade, sentido de justiça e enquanto “fazedor do bem” para aqueles que o rodeavam.
O impacto de Christensen no mundo empresarial e académico foi magistral. Considerado, de forma consistente, como uma super-estrela de Harvard e frequentemente requisitado para dar palestras – as quais ascendiam à módica quantia de 100 mil dólares -, para além do best-seller traduzido em 25 países The Innovator’s Dilemma, Christensen foi o autor de mais de uma dezena de outros livros e de mais de 100 artigos que continuam a ser de referência para todos os que se interessam por gestão. Num longo artigo publicado na Harvard Business Review esta semana (foram, aliás, vários os seus colegas que escreveram sobre o seu legado) e assinado por Karen Dillon, antiga editora da prestigiada revista de Harvard, afirma-se que “as teorias de Christensen ajudaram a criar indústrias inteiramente novas, conduziram a milhares de milhões de dólares em receitas, a centenas de empresas e a centenas de milhares de empregos criados”. Uma das suas características que mais repetida tem sido nos últimos dias é o facto de Christensen nunca tentar dar respostas, mas antes fazer perguntas para ajudar as pessoas a aprenderem como pensar e não o que pensar. O próprio afirmava que uma grande questão valia muito mais do que uma grande resposta, porque sem essa grande pergunta, nunca chegaríamos à resposta certa.
Apesar de não ser muito conhecido em Portugal, onde a sua morte passou desapercebida, os tributos que se seguiram à sua morte vieram de vários cantos do mundo, de um conjunto heterogéneo de personalidades, de muitos dos meios de comunicação social de referência, de várias escolas de gestão, propagando-se nas redes sociais e sendo “notícia” ao longo desta ultima semana. O Twitter, em particular, serviu de plataforma de condolências por parte de muitos CEOs e investidores de Silicon Valey e de muitos dos seus alunos que o recordam como um dos professores mais apaixonantes e “humanos” que tiveram nas salas de aula de Harvard.
E é também, de certa forma, relacionado com os seus alunos o artigo que o VER dedica ao famoso professor de Harvard. No seu tributo a Christensen, Nitin Nohria, o actual reitor da Harvard Business School, escreve: “Clayton Christensen foi um dos maiores académicos na área da inovação e uma pessoa notável que teve uma influência profunda nos seus estudantes e colegas. A sua pesquisa e os seus escritos transformaram a forma como aspirantes a MBAS, indústrias e empresas olhavam para a gestão. Foi um professor adorado e um modelo de carácter e o brilhantismo do seu modo de ensinar inspirou várias gerações de alunos e de jovens académicos. E, mais importante que tudo, Clayton tinha como paixão ajudar os outros a serem o melhor de si próprios. Algo que permeou toda a sua vida. A sua perda será profundamente sentida na nossa comunidade e o seu legado será duradouro”.
O professor Nohria fala igualmente da forma como Christensen ajudava toda a gente a encontrar significado e felicidade nas suas vidas e carreiras, factor que está bem expresso no seu livro de 2012, intitulado “How Will You Measure Your Life”. O livro é o resultado de uma conversa que teve com os seus alunos, em 2010, os quais, e na última aula de MBA, lhe pediram que lhes dissesse de que forma as teorias estudadas ao longo do último semestre os poderiam ajudar na gestão das suas próprias vidas, conferindo-lhes significado. A conversa que teve com os alunos daria origem a um artigo com o mesmo nome do livro acima citado. Christensen era um homem de fé, profundamente religioso e Deus surge na sua vida como um guia orientador, mas as estratégias que escolheu para partilhar com os seus estudantes podem ser aplicadas por qualquer pessoa. E é sobre esta conversa que se transformou num artigo e depois num livro, que escrevemos esta semana, também em tom de tributo a este homem que gostava de avaliar a sua vida de acordo com o impacto que tinha nas vidas dos outros. Seguem-se algumas ideias e excertos.
Três perguntas sobre a vida
“Pedi aos meus alunos que pensassem nas seguintes perguntas: em primeiro lugar, como é que posso ter a certeza que vou ser feliz na minha carreira? Em segundo, como é que posso ter a certeza que o meu relacionamento com a minha família se pode transformar numa fonte de felicidade duradoura? E a terceira, como é que posso ter a certeza que me mantenho fora da cadeia? Apesar da terceira pergunta poder parecer divertida, não é. Duas das 32 pessoas que me acompanharam nos estudos em Rhodes passaram tempo na cadeia. E Jeff Skilling, da Enron, foi meu colega na Harvard Business School [HBS]. E eram boas pessoas – mas algo aconteceu nas suas vidas que os levou para a direcção errada”.
Para responder à primeira pergunta – como posso ter a certeza que serei feliz na minha carreira – Christensen recorreu a uma das teorias de Frederick Herzberg [reconhecido psicólogo e professor, autor da Teoria dos Dois Factores], a qual defende que o mais poderoso motivador nas nossas vidas não é o dinheiro, mas sim a oportunidade de aprender, de crescer com as responsabilidades, de contribuir para os outros e de se ser reconhecido pelos feitos alcançados. No discurso feito aos seus estudantes de MBA, o professor de Harvard conta como, na sua mente, visualizou uma das gestoras que trabalhava na sua firma (antes de se ter dedicado à vida académica), em duas situações opostas: uma em que sai do trabalho, dez horas depois de lá ter entrado, sentindo-se desapreciada, frustrada, subutilizada e humilhada, imaginando o quão profundamente a sua baixa auto-estima afectaria a forma como iria interagir com os seus filhos; e outra, em que regressa a casa com a auto-estima fortalecida, sentindo que aprendeu imenso, que foi reconhecida por ter atingido fins valiosos e que teve um papel relevante no sucesso de algumas iniciativas importantes, imaginando de seguida o quão positivamente este estado a teria afectado enquanto esposa e mãe. E a sua conclusão depois deste processo de imaginação é a seguinte:
“A gestão, se bem praticada, é a mais nobre das profissões. Nenhuma outra ocupação oferece tantas formas diversas de ajudar os outros a aprender e a crescer, a sentirmos responsabilidade, a sermos reconhecidos pelo que fazemos e a contribuirmos para o sucesso de uma equipa”. E, acrescenta: “são cada vez mais os estudantes que vêm para a Escola a pensar que uma carreira no mundo dos negócios significa comprar, vender e investir em empresas. E isso é muito triste. Fazer negócios nunca gera as recompensas profundas que são retiradas quando contribuímos para o desenvolvimento das pessoas. E eu quis que os meus alunos soubessem disso”.
O propósito e a criação de uma estratégia para a vida
Tendo em conta a questão “como é que posso ter a certeza que o meu relacionamento com a minha família se pode transformar numa fonte de felicidade duradoura”, o professor afirma que a resposta está relacionada com a forma como uma estratégia é definida e implementada. E recorda que a estratégia de uma empresa é determinada pelos tipos de iniciativas nos quais a gestão investe, afirmando que se o processo de alocação de recursos não é gerido com mestria, o que daí emerge pode ser bastante diferente do que aquilo pretendido pela gestão. E porque os sistemas de tomada de decisão das empresas são concebidos para guiar investimentos para iniciativas que ofereçam os mais tangíveis e imediatos retornos, estas acabam por defraudar os investimentos em iniciativas que são cruciais para as suas estratégias de longo prazo.
Depois desta explicação, Christensen refere a forma como se desenrolou a vida de muitos dos seus colegas de curso em Harvard, afirmando que muitos apareciam nas reuniões infelizes, divorciados e afastados dos seus filhos. Garantindo que nenhum deles se tinha licenciado com uma estratégia deliberada para se divorciar e se tornarem estranhos para os seus filhos, mas que um número chocantes dos mesmos a implementou, escreve que o problema reside no facto de estes não terem mantido o propósito das suas vidas “na frente e no centro” quando decidiram como despender o seu tempo, talentos e energia. E o mesmo se passa com uma fracção significativa dos cerca de 900 alunos que todos os anos saem de Harvard, acrescenta, e que não pensam de forma significativa sobre o propósito das suas vidas. “Digo aos meus alunos que o tempo que passam na HBS pode ser uma das suas últimas oportunidades para reflectirem profundamente sobre esta questão. E se eles pensam que terão mais tempo e energia para reflectirem mais tarde, são doidos, porque a vida torna-se cada vez mais exigente: terão uma hipoteca para pagar, estarão a trabalhar 70 horas por semana, terão uma esposa e filhos”.
Clayton Christensen recorda igualmente um período da sua vida de estudante em que resolveu tirar uma hora diária para ler, pensar e rezar sobre os motivos que levaram Deus a “colocá-lo nesta terra”, em vez de estar a estudar econometria. E, como escreve, “aplico as ferramentas da econometria algumas vezes por ano, mas aplico o conhecimento do meu propósito de vida todos os dias. Foi a coisa mais útil que eu jamais aprendi”. E é por isso que aconselha todos os seus alunos a pensarem no propósito para as suas vidas enquanto estão na HBS, pois um dia olharão para trás e descobrirão que foi a melhor decisão que tomaram. “Se não o descobrirem, irão apenas navegar sem leme e serão fustigados nos mares turbulentos da vida. A clareza sobre o seu propósito irá triunfar sobre o conhecimento dos custos baseados na actividade, dos balanced scorecards, das competências-chave, da inovação disruptiva, dos quatro Ps e das cinco forças. O meu propósito surgiu da minha fé religiosa, mas a fé não é a única coisa que dá orientação às pessoas”, escreve.
Saber alocar adequadamente os recursos
Ainda sobre a segunda questão, Christensen afirma que as decisões que se tomam sobre a forma como se aloca o nosso tempo pessoal, energia e talento acabam por configurar a estratégia das nossas vidas. As escolhas de alocação podem tornar a vida muito diferente do que aquilo que esperávamos e, por vezes, isso é positivo, pois oportunidades nunca planeadas podem emergir. Todavia, adverte, se desinvestirmos nos nossos recursos, o resultado poderá ser negativo. E quando pensa nas vidas infelizes dos seus colegas, acredita que, em muitos casos, os seus problemas se deveram a perspectivas de curto prazo. E, como escreve mais à frente, também com questões relacionadas com a gratificação imediata. Vejamos.
“Quando as pessoas que têm uma elevada necessidade de realização – e isso inclui todos os licenciados de Harvard – têm uma meia hora extra de tempo ou uma quantidade extra de energia, inconscientemente alocam-nas a actividades que geram as mais tangíveis conquistas. E as nossas carreiras oferecem-nos a mais concreta evidência de que estamos a andar para a frente. Distribui-se um produto, termina-se um projecto, completa-se uma apresentação, fecha-se uma venda, dá-se uma aula, publica-se um paper, somos pagos, somos promovidos. Pelo contrário, investir tempo e energia no relacionamento com a nossa mulher e com os nossos filhos não oferece, na maior parte das vezes, um sentimento de realização imediato. (…) Pode-se negligenciar um relacionamento, numa base diária, sem parecer que as coisas se estão a deteriorar. As pessoas que são motivadas para se destacarem têm uma propensão inconsciente para subinvestirem nas suas famílias e sobreinvestirem nas suas carreiras – mesmo que relacionamentos íntimos com as suas famílias sejam a mais potente e duradoura fonte de felicidade. E se estudarmos as principais causas dos desastres empresariais, encontra-se, repetidamente, esta predisposição para empreendimentos que oferecem uma gratificação imediata. Se olharmos para a nossa vida pessoal através desta mesma lente, encontramos o mesmo padrão: as pessoas alocam menos e menos recursos às coisas que um dia afirmaram importar mais do que tudo o resto”.
Evitar o erro dos “custos marginais”
“As finanças e a economia ensinam que na avaliação de investimentos alternativos, devemos ignorar os custos fixos e irrecuperáveis e, ao invés, basear as decisões nos custos marginais e nas receitas marginais que os mesmos encerram. Aprendemos no nosso curso que esta doutrina leva as empresas a alavancar o que colocaram em prática no passado, em vez de as orientar para a criação dos recursos de que precisarão no futuro. Se soubéssemos que o futuro seria exactamente como o passado, essa abordagem estaria correcta. Mas se o futuro for diferente – e geralmente é – então estamos a fazer a coisa errada”.
Esta teoria é escolhida por Christensen para abordar a sua terceira questão – como viver uma vida com integridade (ou como manter-se fora da cadeia). Como refere, empregamos muitas vezes a doutrina do custo marginal nas nossas vidas pessoais quando temos de escolher entre o certo e o errado. E há sempre uma voz nas nossas cabeças que diz: “eu sei que, regra geral, as pessoas não devem fazer isto. Mas nesta circunstância excepcional, e só desta vez, ok”. O custo marginal de fazer algo errado “só desta vez” parece sempre sedutoramente baixo, afirma ainda. E as justificações para a infidelidade e para a desonestidade, em todas as suas manifestações, residem na economia do custo marginal do “só desta vez”.
O professor partilha no artigo uma história pessoal para os seus alunos perceberem os danos potenciais do “só desta vez” na sua própria vida. Enquanto jogador de basquetebol na equipa da Universidade de Oxford, e com uma final para ser jogada a um Domingo, Christensen viu-se na iminência de ser obrigado a deixar de cumprir uma regra que sempre o tinha acompanhado: devido à sua fé religiosa, nunca jogar a um Domingo. Instado pelos membros da equipa e pelo treinador a comparecer, todos lhe pediram para quebrar a regra “só desta vez”. Depois de pensar e rezar, o académico resolveu manter-se fiel ao seu compromisso e acabou por não comparecer ao jogo e perder a importante final. O que foi aparentemente uma pequena decisão, tornou-se, de acordo com Christensen, uma das mais importantes da sua vida, na medida em que, acredita, se tivesse cruzado a linha vermelha uma vez, talvez o tivesse feito mais vezes.
“A lição que aprendi foi a de que é mais fácil mantermo-nos fieis aos nossos princípios 100% das vezes do que 98%. Se nos deixamos levar ‘só desta vez´, e com base numa análise de custo marginal, como alguns dos meus colegas o fizeram, o arrependimento é certo”, assegura.
A importância da humildade
Pediram a Christensen que desse uma aula sobre humildade no Harvard College, na qual pediu aos alunos que descrevessem a pessoa mais humilde que conheciam. E uma das características que mais sublinhada foi como inerente às pessoas humildes foi a sua elevada auto-estima, e o facto de saberem quem são e sentirem-se bem com o resultado. Em conjunto, decidiram igualmente que a humildade é igualmente definida pela estima que se tem relativamente aos outros. O bom comportamento flui naturalmente deste tipo de humildade. E, de acordo com o professor, só é possível uma pessoa ser humilde quando se sente bem consigo própria e quando está disponível para ajudar os outros a sentirem-se bem consigo mesmos também. “Quando vemos as pessoas a agir de uma forma abusiva, arrogante e aviltante em relação aos outros, o seu comportamento indica sempre um sintoma de ausência de auto-estima. Estas pessoas precisam de rebaixar as outras para se sentirem bem consigo mesmas”, escreve.
As últimas linhas do artigo “How Will You Measure Your Life” são dedicadas à forma como Christensen reagiu quando soube que tinha um cancro e como enfrentou o facto de a sua vida poder vir a ser mais curta do que o esperado.
“Tenho uma ideia bastante clara sobre a forma como as minhas ideias geraram receitas significativas para as empresas que utilizaram a minha pesquisa. E sei que tive nelas um impacto substancial. Mas ao confrontar-me com a doença, tem sido interessante perceber o quão pouco importante é esse impacto para mim neste momento. E concluí que a métrica através da qual Deus vai julgar a minha vida não serão os dólares, mas as pessoas em cujas vidas eu toquei”, escreve ainda.
E Christensen acredita que será assim para toda a gente. “Não se preocupem com o nível individual da proeminência que atingirem: preocupem-se, sim, com os indivíduos que ajudaram a ser melhores pessoas. Esta é a minha recomendação final: pensem na métrica de acordo com a qual a vossa vida será julgada e façam uma resolução para a viverem para que, no final, a vossa vida seja avaliada como um sucesso”.