“Se as empresas criam valor para a economia, nós temos que dar um contributo para que seja uma economia de valores, valores cristãos, a partir da realidade das empresas, das famílias e das pessoas”, pediu o presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores àqueles líderes empresariais algarvios
POR SAMUEL MENDONÇA
João Pedro Tavares regressou recentemente ao Algarve para um jantar-palestra no Júpiter Algarve Hotel em Portimão com cerca de 65 empresários e gestores, que foi precedido pela celebração da eucaristia presidida pelo assistente da ACEGE, o padre Mário de Sousa, na capela de Santa Catarina, na Praia da Rocha.
O presidente da ACEGE – que já tinha vindo ao Algarve a convite do núcleo algarvio da associação em 2016 e, ainda antes de exercer aquele cargo, em 2013 – regressou agora com o propósito de abordar o tema “Conciliação Família-trabalho: boas práticas num mundo competitivo e em mudança”.
Nesse sentido, recordou o seu antecessor, António Pinto Leite, para lembrar que “líderes humanizados fazem organizações humanizadas, organizações humanizadas fazem pessoas felizes, pessoas felizes fazem empresas frutíferas, empresas frutíferas fazem uma economia competitiva e uma economia competitiva é a base de uma sociedade mais justa”. João Pedro Tavares lembrou, por isso, que “as pessoas têm que estar sempre no centro das organizações”. “Se amanhã quiserem pôr os robôs e a inteligência artificial a solucionar toda a realidade das vossas empresas vai trazer resultados extraordinários, mas a empresa vai morrer”, advertiu.
Começando por considerar um “erro” “falar em equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional porque não há duas vidas” mas “uma só”, João Pedro Tavares acrescentou que, ainda que haja “uma vida de muita tensão entre a família e o trabalho”, “o maior dos desequilíbrios” acontece quando falta uma destas duas componentes.
O orador disse que, de entre os factores mais salientados pelos trabalhadores num estudo recente realizado pela ACEGE, o “equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal” aparece em segundo lugar, logo depois do “gosto pelo trabalho desenvolvido” quando se procura “viver com sentido de missão”.
João Pedro Tavares evidenciou mesmo que este é um desafio que será cada vez maior face à expectativa das novas gerações. “Em 2025, 75% dos trabalhadores activos vão ser millennials, que são aquelas pessoas que estão a chegar ao mercado de trabalho neste século e querem ter um maior equilíbrio entre vida familiar e a vida profissional”, sustentou, acrescentando que os membros da ACEGE que têm menos de 35 anos “estão a discutir políticas de equilíbrio entre família e trabalho e como é que vão construir família a partir da sua realidade”.
“75% querem ter um trabalho flexível, 88% dizem que um bom equilíbrio aumenta a produtividade, 75% consideram que boas medidas empresariais contribuem para um aumento da natalidade e 80% dizem que o excesso de horário de trabalho pode ser motivo para uma crise conjugal”, concretizou.
Lembrando que quase 700 mil pessoas auferem em Portugal o salário mínimo nacional (580 euros), o presidente da ACEGE constatou que as pessoas procuram reforçar a carga laboral para compensar a insuficiência de rendimentos. “Com estes salários, as pessoas vão à procura de alternativas e então fazem composições de horários”, verificou, acrescentando que a família não resiste a esta realidade. “Em Portugal há uma taxa de divórcios de 70%”, relacionou.
No entanto, João Pedro Tavares considerou ser difícil conseguir aumentar os salários em Portugal, tendo em conta a produtividade das empresas que disse ser “baixa”. “O valor criado por hora por um português em média são 22 euros. Nos países nórdicos são 60 euros, três vezes mais. E os portugueses trabalham mais 30% do que os nórdicos. Os nórdicos trabalham 28 horas por semana e os portugueses em média trabalham 36 horas por semana. Portanto, temos de criar condições para que as nossas empresas tenham maiores índices de produtividade. Este é um desafio enorme”, observou, advertindo que “a produtividade não se aumenta só com mais horas de trabalho”, mas “com a introdução de novos mecanismos, de nova formação, de novas atitudes”. “Uma das formas de o fazer é proporcionar uma cultura empresarial mais feliz, onde as pessoas se realizem mais, onde as pessoas se comprometam. Temos que educar e investir tudo o que pudermos na educação e na saúde também”, acrescentou.
Lembrando a experiência numa empresa onde trabalhou, o orador defendeu o ajustamento dos horários do trabalho às férias lectivas. “As pessoas passaram a trabalhar 43 horas por semana e 39 horas no verão e, em compensação, as horas que sobravam eram para o Natal e Páscoa. Tínhamos uma semana de férias no Natal, outra na Páscoa, mais as quatro semanas no verão. São estes os tipos de ajustes que são necessários e muitas pessoas não saem da empresa por causa disto. Sejamos criativos na forma de conseguir maior produtividade”, afirmou.
O conferencista lamentou ainda que as mulheres sejam “quem tem a maior sobrecarga” provocada pela pressão trabalho-família, sendo menos remuneradas. João Pedro Tavares garantiu que esta desigualdade tem custos. “Andamos a investir, a gerar e a reter talento e depois há 20% por cento das pessoas que não querem trabalhar no cargo que lhes estão a oferecer ou não têm possibilidade de o assumir. E 70% dessas pessoas são mulheres porque têm que atender aos filhos e aos pais”, afirmou.
Como exemplo de uma medida de apoio à natalidade, o presidente da ACEGE exortou à discriminação positiva de grávidas. “Porque é que não crio na minha empresa um lugar para as grávidas? Vou honrar o facto de a mulher estar grávida e demonstrar a toda a gente que, na realidade, é um aspecto que me preocupa”, afirmou, considerando esta “uma forma de transmitir valores”.
João Pedro Tavares disse ser “uma pena não existir uma política de protecção e de apoio à família” face à actual taxa de natalidade em Portugal. “É uma hipocrisia falarmos sobre a educação perante taxas de natalidade como a que o nosso país tem e não haver uma política de apoio às creches. Os jovens não têm filhos porque não tem dinheiro para pôr lá os filhos. Isto é hipócrita e tem que ser denunciado”, afirmou, lembrando que a ACEGE tem uma certificação de empresas familiarmente responsáveis.
Artigo originalmente publicado na Folha do Domingo a 21 de Junho de 2018. Republicado com permissão