O maior lucro de uma empresa é a realização pessoal dos seus membros

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© Arlindo Homem

O 6º Congresso Nacional da ACEGE reflectiu sobre modelos prementes de gestão e liderança, desenhados a partir de valores basilares como o amor e o humanismo. O evento, que reuniu personalidades da Igreja e dos meios político, académico e empresarial contou, na Sessão de Abertura, com as presenças do Cardeal Patriarca de Lisboa e do Ministro da Economia, para quem “as pessoas não têm um custo, mas um valor”, e a sua dignidade “é um bem imenso, nunca descartável”
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Dedicado à temática “Uma cultura de gestão e liderança à luz do amor ao próximo”, o 6.º Congresso Nacional da ACEGE partiu de quatro princípios essenciais da Doutrina Social da Igreja – Dignidade Humana, Bem comum, Subsidiariedade e Solidariedade –, para discorrer respectivamente, ao longo de quatro painéis de reflexão, sobre os fundamentos de liderança na ‘empresa-comunidade’; os critérios para a tomada de decisão; a missão do líder na sociedade actual; e as novas dimensões do lucro e da remuneração. Na Sessão de Abertura do evento, António Pinto Leite demonstrou como, poucos anos depois do lançamento do tema do amor como critério de gestão, este desafia hoje muitos gestores para a “tarefa aparentemente inviável de deixá-lo falar” nas empresas, nos mercados, “na vertigem do lucro, na selva dos negócios”. Para Pires de Lima, a par de garantir condições dignas às pessoas que governa, o Estado deve “fomentar a sua autonomia e independência”, criando os meios necessários para que “desenvolvam competências”. D. Manuel Clemente concorda, e sublinha que “o maior lucro que uma empresa tem é (mesmo) a realização pessoal de todos” os seus colaboradores. Já o secretário-geral da ACEGE, Jorge Líbano Monteiro, anteviu aquele que foi um Congresso “inspirador” e pautado por um ambiente “de partilha e cumplicidade”, mas também “de alegria“ (especialmente trazida pela moderação, ao longo de todos os painéis do humorista e advogado José Pedro Cobra), “na procura de soluções e de novas ideias para transformar as empresas”.

A gestão com virtude é a que torna as empresas mais competitivas

© Arlindo Homem - António Pinto Leite
© Arlindo Homem – António Pinto Leite

“A ACEGE tem mais de mil associados, mas tem apenas um accionista”. É reunida em nome de Deus, e enquanto “testemunho e partilha dos valores cristãos”, que a associação realiza mais um Congresso Nacional, reflectindo sobre o seu “caminho de serviço para todos os que interagem na economia portuguesa”, dos líderes empresariais aos colaboradores, sublinha o seu presidente na Abertura do evento.

Nos projectos e obras sociais da associação, há lugar para uma “atenção especial aos desempregados, ao apoio às PME, à protecção da vida familiar dos que trabalham nas empresas e ao flagelo económico e social do não cumprimento pontual dos prazos de pagamento entre as empresas”, destaca António Pinto Leite.

Sob a alçada do Programa AconteSer – Liderar com Responsabilidade, que promove boas práticas de liderança, foram realizadas mais de cem reuniões por todo o País, envolvendo cerca de dois mil líderes empresariais. A iniciativa, que “assenta na convicção de que a gestão com virtude é aquela que torna as empresas mais competitivas”, vai prosseguir, agora no âmbito do programa “Portugal 2020”, adianta o presidente da ACEGE.

Na senda das grandes áreas de actuação da associação, António Pinto Leite lançou à audiência presente neste 6º Congresso Nacional três desafios:

. No âmbito da parceria recentemente estabelecida com a Fundação Más Família, graças à qual a ACEGE é hoje a entidade co-emissora em Portugal do certificado de empresa familiarmente responsável, Pinto Leito desafiou os gestores presentes a candidatarem-se a esta certificação, reconhecendo um “modelo de gestão que assume a conciliação e o apoio à família como objectivo nuclear”.

. Já no que diz respeito ao incumprimento dos pagamentos entre empresas, o presidente da ACEGE apelou a “todos os líderes empresariais de boa vontade”, para que levem as suas empresas a aderirem ao Compromisso Pagamento Pontual. E aproveitou a presença do ministro da Economia para pedir reforços na “defesa desta causa no âmbito do Estado”, sugerindo a introdução do critério do pagamento pontual na atribuição do estatuto de PME de Excelência.

. Quanto à “tropa de elite da ACEGE”, os grupos Cristo na Empresa, que reúnem hoje 20% dos seus associados e envolvem cerca de duzentos líderes empresariais, Pinto Leite desafia “todos os que se sintam “chamados a isso” a reflectirem sobre a criação de um destes grupos com outros líderes empresariais.

De sublinhar ainda, e a propósito do tema em reflexão neste Congresso, que “após um processo de participação muito alargado”, a Direcção Nacional da ACEGE aditou ao seu Código de Ética “o amor como fundamento e como critério da acção empresarial”.

Nos seus princípios fundamentais, passou a constar que “o centro vital da ética cristã é o amor. E que “o amor como critério de liderança e de gestão empresarial significa tratar os outros (o próximo) como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles”. E ainda que, se a economia social de mercado estiver em harmonia com o desígnio de Deus, “o amor é o mais virtuoso, mais justo, mais exigente, mais competitivo, mais sábio, mais produtivo, mais sustentável e mais atraente critério de liderança de uma empresa”, enfatiza o presidente.

Lançado em 2009 pela ACEGE, o amor como critério de gestão percorreu já um “longo e rico caminho”, que inclui a participação do tema em mestrados e programas avançados de gestão, conferências, grupos de reflexão, e entre conselhos de administração de empresas, IPSS, escolas. O próprio Papa Francisco deu “um imenso incentivo” ao livro com o mesmo nome do presidente da associação, publicado em 2012.

Hoje, o amor desafia muitos para a “tarefa aparentemente inviável de acompanhá-lo onde ninguém espera encontrá-lo e deixá-lo falar aí”, conclui: “nas empresas, no stress, na vertigem do lucro, na riqueza, nos mercados, na reestruturação empresarial, na ganância, na tesouraria falida, na concorrência letal, no caos do egoísmo, na vaidade predadora, enfim, na selva dos negócios”. Deixá-lo falar. Para que “o valor social inestimável da empresa e a sua sustentabilidade” constituam “o bem maior“ a proteger pelo líder empresarial na sua acção.

Nota: Para ouvir a intervenção na íntegra de António Pinto Leite, clique aqui

Um Estado que falha no desígnio da dignidade não funciona

© Arlindo Homem - António Pires de Lima
© Arlindo Homem – António Pires de Lima

Dando nota da sua “ansiedade” ao abordar as questões do amor – que, para si, “são muito mais perturbantes e difíceis” do que fazer intervenções, mesmo que polémicas, ou tomar decisões políticas –, o Ministro da Economia partilhou algumas reflexões a propósito da relação entre amor e política e liderança (empresarial e estadística).

Defendendo que existem sectores políticos “moderados, humildes” que fazem da sua intervenção “o primado da valorização da pessoa”, Pires de Lima recorda que “esta prioridade, na Europa, é profundamente influenciada pela doutrina cristã, a qual confere ao princípio fundamental da dignidade humana uma especial importância”.

Neste âmbito, “o Estado deve assegurar as condições mínimas às pessoas que governa”, protegendo quem mais precisa, como “os idosos”, combatendo a pobreza, e garantindo serviços de saúde e de educação. “Um Estado que falha neste desígnio da dignidade é um Estado que não funciona”, acusa António Pires de Lima. E deixa o alerta: “este é um tema que deve ser tratado sem oportunismos políticos, em época de eleições como aquela que estamos prestes a viver”.

Para além das condições de dignidade que devem ser asseguradas a todos por quem governa, o amor para um político passa, na opinião do ministro, por fomentar verdadeiramente a existência de um Estado que garanta “a existência de um enquadramento legal, jurídico e político”, o qual permita criar “espaço para as pessoas construírem a sua autonomia, a sua independência” de forma plena. Para tanto, “as pessoas precisam de desenvolver competências”, e “ser competitivas”, colocando-se desta forma ao serviço da sociedade, diz.

Pires de Lima defende que “na política e na vida, para além de proteger quando é preciso e quem é preciso”, amar é fundamentalmente confiar nas capacidades dos outros e ajudá-los “a crescer, a serem autónomos e (até) competitivos”. E isso passa “por deixar os outros errar, porque só errando alguém aprende”, sublinha. Incentivar ao desenvolvimento de capacidades que promovam a autonomia, aceitando o erro, é algo que, apesar de constituir “um papel fundamental do Estado, tem sido, talvez, pouco valorizado na nossa aprendizagem democrática”, alerta o ministro da Economia.

A realidade é que independentemente do contexto socioeconómico, “nenhum responsável político pode alguma vez garantir emprego para todos os que precisam” – essa é, de resto “uma utopia perigosa” –, avisa. Quem quer criar condições para que existam oportunidades de trabalho, “deve zelar acima de tudo por fazer de Portugal um espaço atractivo para o investimento.

O Estado pode (e deve) garantir igualdade e justiça no acesso à educação e a todas as oportunidades para que os cidadãos “tenham ao seu dispor os meios necessários para triunfarem”, insiste, mas “porque têm competências, e “nunca por dependerem do Estado”.

Na sua própria experiência pessoal enquanto gestor empresarial, Pires de Lima confirmou isso mesmo: “numa empresa moderna e com uma estrutura adequada, as pessoas não são um custo”. Antes “têm um valor”. Acresce que estas organizações “serão tanto mais competitivas e competentes quanto maior for o reconhecimento desse valor” dos activos humanos, e quanto melhor os seus líderes souberem motivar os seus colaboradores”.

É sabido que medir o sucesso de uma empresa pelo lucro que gera é a métrica mais frequentemente utilizada na gestão. Mas, para Pires de Lima, os verdadeiros líderes “sabem que o lucro é um meio para atingir um fim, e nunca um fim em si mesmo”. E que deve ser encarado “como um desígnio das empresas socialmente responsáveis” e que conseguem satisfazer as necessidades” dos seus stakeholders.

E por essa razão, “uma empresa lucrativa está em melhores condições de assumir as suas responsabilidades sociais, de retribuir benefícios à comunidade, de assegurar mais emprego, de investir e de distribuir a riqueza que produz por toda a sua cadeia de valor”.

Portanto, na gestão como na política, “trata-se, no fundo, de procurar perceber que liderar à luz do amor ao próximo é valorizar as pessoas como um activo insubstituível”.

Nota: Para ouvir a intervenção na íntegra de António Pires de Lima, clique aqui

O amor é imediato, independente e gratuito

© Arlindo Homem - D. Manuel Clemente
© Arlindo Homem – D. Manuel Clemente

Elogiando a convicção e coragem com que o presidente da ACEGE tem motivado a associação para a temática essencial do amor, e deste como critério de gestão, o Cardeal Patriarca de Lisboa lamentou que “a palavra amor, de tão usada e abusada” tenha, muitas vezes, perdido o seu significado”.

O qual, “na vida e obra do fundador do Cristianismo, tem um sentido muito concreto: ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos. Amor significa “uma vida polarizada no outro, mas que em si mesma se realiza”, acredita D. Clemente. Também “o maior lucro que uma empresa tem é a realização pessoal dos seus membros”, à luz destes ensinamentos, defende o Cardeal.

Ou seja, independentemente do lucro que se obtém através dos fins a que a empresa se destina e no mercado a que se dirige, “o lucro que fica é exactamente esse da realização pessoal de todos e de cada um”.

Sobre a ética empresarial, “podemos e devemos recorrer-nos do pensamento social cristão”, tal como tem vido a ser formulado ao longo de dois mil anos, e como vem sendo sistematizado em alguns documentos essenciais. D. Clemente cita três: o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), “um Vade-mécum básico para quem queira pensar e fazer cristão”; a primeira encíclica de Bento XVI, “Deus Caritas Est”; e a Exortação Apostólica do Papa Francisco, “Evangelii Gaudium”.

Diz o Compendio da DSI que existem quatro “princípios permanentes”,a ter sempre em conta numa empresa, na sociedade, na vida politica, “independentemente das nossas tendências político-partidárias ou outras”. O primeiro destes quatro princípios é a dignidade humana, enquanto um fim, e nunca um meio, explica o Cardeal Patriarca de Lisboa, sublinhando que se trata de um fundamento com “imensa importância nas opções concretas que se tomem nas empresas”.

À luz cristã, a dignidade das pessoas “é um bem imenso e nunca ultrapassável, nem dispensável nem descartável, e nem excluível, para usar o termo que tanta vezes o Papa Francisco repete”, diz. E é a partir do princípio da dignidade que se formulam os restantes, explica D. Manuel Clemente: o bem comum, o princípio da subsidiariedade e o da solidariedade.

O bem comum – “conjunto dos meios de todo o género (institucionais, materiais, culturais) que permitem, numa determinada sociedade, a realização cabal de cada um dos seus membros” –, implica concretamente com “o que conseguimos alcançar” para que a sociedade “se realize plenamente”. E este é “um critério muito operativo”, que pode e deve ser “um critério de aferição daquilo que temos ou não temos, que somos ou não somos, que falta ou não falta”, considera o Cardeal.

O Estado, que é “a organização superior da sociedade política”, tem como finalidade o bem comum dos seus cidadãos. É em função dele que a sociedade se organiza. É dele que depende a realização de um país. E se hoje sociedades como a europeia (que “quando chegar a meados deste século, irredutivelmente já não será de maioria autóctone”) têm cada vez mais “cidadãos adventistas, que chegam e chegarão cada vez mais”, é urgente uma visão alargada do bem comum, “para quem está e para quem chega e bate à porta”, alerta o Cardeal.

Igualmente operativos são os princípios da subsidiariedade e da solidariedade. O primeiro faz com que “os organismos de topo ou centrais não omitam a participação dos quadros intermédios. Pelo contrário, estimulam-nos, dão apoio, vão em subsídio (não financeiro)”, afirma, acrescentando: a começar “pela base das bases”, as pequenas comunidades familiares, as autarquias, as escolas. E isto significa atenção ao particular, mas sem esquecer o geral, conclui D. Clemente.

Motivo pelo qual ao princípio de subsidiariedade “se articula” o princípio da solidariedade, que vem afirmar que ”os órgãos de Estado devem estimular a intervenção de outras instituições de apoio, sem esquecer, dentro do conjunto, todos aqueles que são mais desfavorecidos”, remata.

Estes quatro princípios da Doutrina constituem ”critérios fundamentais para aquilo que a ACEGE, agora (mais) motivada por esta exortação do seu presidente ao amor como critério de gestão, faz, por exemplo, nos núcleos do projecto Cristo na Empresa”, salienta ainda D. Clemente.

No contributo que deu com a encíclica Deus Caritas Est, o Papa Bento XVI diz que a primeira qualidade do amor cristão é ser imediato. Isto é, atender à necessidade imediata e cuidar”, o que faz dele “um critério de aferição muito rápido e incisivo”, comenta o Cardeal Patriarca. A segunda é ser independente: “temos gentes em várias latitudes, políticas e até ideológicas, e com toda a justiça”. Trata-se de uma atitude fundamental face às diferentes perspectivas de “abordar a sociedade” globalizada, nota.

Já a terceira característica deste amor ao próximo é ser gratuito. Isto é, “vale por si”, como afirmou Bento XVI nesta encíclica, de modo “doutrinal e filosófico”. E nem sequer “para fazer proselitismo, mas porque faz bem”, explica D. Clemente, fundamentando a convicção do Papa emérito: “nesta gratuitidade tocamos na própria atitude de Cristo, que disse “não proíbam nada. Quem não é contra nós é a nosso favor”.

Por último, na Exortação “A Alegria do Evangelho” o Papa Francisco dá também um contributo determinante para a integração dos valores éticos essenciais nos modelos de negócio, socorrendo-se do verbo incomodar para se dirigir, de forma directa, à vida empresarial: “incomoda que se fale de ética, incomoda que se fale de solidariedade mundial, que se fale de distribuição dos bens ou da dignidade humana”. Palavras que se tornam, por vezes, “objecto de manipulação oportunista”.

Insistindo que “a indiferença por estas questões não pode acontecer na empresa”, D. Clemente desafia os decisores a que, “perante o pensamento que deriva” da aplicação do amor à gestão, reflictam sobre os ensinamentos contidos nos princípios fundamentais da Doutrina da Igreja, bem como nas qualidades do amor enunciadas por Bento XVI, e neste apelo de Francisco, que interpela os cristãos a que “se deixem incomodar da forma mais construtiva” pelos grandes desafios actuais.

Nota: Para ouvir a intervenção na íntegra de D. Manuel Clemente, clique aqui