“O empresário de valores usa critérios éticos”

2288
Raúl Galamba de Oliveira - Director Emeritus McKinsey & Company

O que é fundamental para integrar realmente a ética nas organizações? Para Raúl Galamba, “a primeira responsabilidade é dos líderes”, que devem “comunicar claramente os valores” em que acreditam, e “dar o exemplo”. Na sua opinião, “o empresário de valores” incorpora sustentabilidade e preocupações societais nas suas decisões, e “usa critérios éticos de bem-estar e progresso social”
POR GABRIELA COSTA

Na sequência da recente intervenção de Raúl Galamba sobre “o mercado e os seus limites morais: governance, regulação e valores”,num almoço-debate da ACEGE, em Lisboa, o VER entrevistou o director Emeritus da McKinsey, a respeito do seu exemplo de ética pessoal. Neste Especial, o consultor defende que a responsabilidade ética começa nos líderes empresariais, sublinhando que qualquer um deles “é influenciado pelas experiências que teve, sendo sempre responsável pelas lições que retira”.

Defende que os limites morais do mercado se estabelecem com “perspectivas mais holísticas que combinam a economia e a sociedade numa espécie de capitalismo moral”. Que valores fundamentais devem assistir a um líder empresarial?

A primeira preocupação do empresário é muito naturalmente “ganhar dinheiro”, mas os bons empresários pensam também na sustentabilidade da empresa, e por isso se preocupam com os recursos humanos, com o ambiente, com as suas obrigações legais, etc. O passo seguinte é pensar na sociedade em que a empresa está inserida, e ir mais longe – os produtos que se vendem e a que preço, as políticas de pagamento e cobranças, a relação com os concorrentes, a eficiência com que se opera, têm um impacto positivo ou negativo na sociedade e nas pessoas? O empresário de valores incorpora tudo isto nas suas decisões, usa critérios éticos de bem-estar e progresso social.

Referiu um amplo conjunto de casos e empresas com falhas éticas, em diferentes sectores e regiões, provocadas por questões pessoais e corporativas. Como é que é possível trazer a ética às organizações?

A primeira responsabilidade é dos líderes – há que comunicar claramente os valores em que se acredita, e “dar o exemplo”. Depois é preciso ajudar os colaboradores com normativas que os ajudem a discernir. Regras fechadas com o que se pode ou não pode fazer podem ser necessárias em algumas áreas, mas não substituem a responsabilidade que cada um deve ter. Em empresas de dimensão é também necessário ter mecanismos de controlo; e em caso de infracção, actuar com decisão para mitigar as consequências e evitar que se repitam. A cultura de uma empresa é o resultado de tudo isto.

[quote_center]“Regras fechadas com o que se pode ou não pode fazer não substituem a responsabilidade que cada um deve ter”[/quote_center]

Sublinha no depoimento que deu recentemente que a participação na ACEGE, particularmente no grupo Cristo na Empresa, o ajudou a assumir “um conjunto de pequenas evoluções” que o fazem exercer hoje uma liderança mais humana e com uma maior visão holística. Como é que uma longa carreira profissional ao mais alto nível mundial na área da gestão estratégica e organizacional é influenciada assim? Quais os elementos base desta mudança, e em que é que se traduzem?

O homem é o homem e as suas circunstâncias… Qualquer líder é influenciado pelas experiências que teve, sendo sempre responsável pelas lições que retira. Aprende-se em particular muito com os erros. Os grupos Cristo na Empresa oferecem a oportunidade para reflectir sobre as decisões antes de elas serem tomadas, ponderando-as com a ajuda de um conjunto de pessoas experientes e de carácter. São um instrumento muito útil para se aprender com a experiência de muitos sem ter sequer a necessidade de errar.

De que modo é que a experiência de ser pai numa família numerosa, de sete filhos, atribui a um gestor competências de liderança e de trabalho em equipa?

São realidades muito diferentes, mas a verdade é que há experiências que se aprendem de um lado e são úteis do outro – em ambas as direcções. Por exemplo: o aprender com todos, incluindo com os mais novos, o apreciar das diferenças, são bons hábitos; a importância de dar espaço para estimular o sentido de responsabilidade é igual; comportamentos que inspiram ou que causam frustração tendem a ser parecidos… Em geral, habituar-se a pensar em muitos ao mesmo tempo ajuda a ser-se menos individualista e mais generoso.

A propósito da sua experiência familiar, afirmou recentemente que “uma família com mais um é sempre uma família muito mais rica”. No entanto, muitas vezes são questões profissionais que atrasam ou levam à decisão de não ter mais filhos, dificultam o acompanhamento de filhos e familiares e promovem políticas de menor conciliação família-trabalho. Como é que as empresas podem ser verdadeiramente familiarmente responsáveis?

A decisão de ter filhos ou ter mais filhos é uma responsabilidade exclusiva dos pais – há que respeitar isso, as empresas não têm de se meter. Mas se forem socialmente responsáveis, não podem deixar de facilitar a vida dos seus colaboradores em tudo o que puderem para que estes possam cumprir bem o seu papel familiar. Dito isto, o estatuto familiar não exime os colaboradores do dever de dedicação e de compromisso com a empresa. É neste equilíbrio que as políticas de apoio familiar devem assentar.

Leia também:
“Precisamos de um upgrade que reintroduza limites morais no mercado”

“Começam a surgir perspectivas sobre o capitalismo moral”