Nunca é tarde para empreender?

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A resposta não é imediata. Apesar de existirem condições propícias para que o empreendedorismo sénior possa responder aos diversos desafios das sociedades envelhecidas, bem como às próprias ambições de quem não se revê numa vida “inactiva”, continuam a subsistir barreiras de ordem variada para a criação de negócios em “idade avançada”. Sejam eles meros preconceitos, como desajustamentos ao ambientes “modernos” que caracterizam as jovens start-ups ou ainda uma real desconfiança que obsta ao financiamento. Mas também crescem as motivações dos que desejam uma “outra vida de trabalho para além da vida de trabalho”
POR HELENA OLIVEIRA

O envelhecimento demográfico que está a caracterizar muitos países desenvolvidos tem vindo a aumentar o interesse de governos e investigadores de várias áreas no que respeita aos trabalhadores mais velhos e à longevidade das suas carreiras. Todavia e de acordo com Thomas Wainwright, professor doutorado na Royal Holloway University of London e especialista em empreendedorismo sénior, a pesquisa relativa a este tema está ainda muito aquém do merecido. Wainwright, que esteve presente na Conferência Internacional Empreender 45-60: Never too late to start again, da Fundação AEP, tem vindo a devotar uma grande parte da sua pesquisa exactamente a esta “falha”. O VER escolheu um paper do professor sobre as principais motivações e barreiras existentes aos que escolhem uma “vida de trabalho” depois de uma vida de trabalho, apresentando as suas principais conclusões.

E porquê? Exactamente porque todos os dados apontam para que o número de fundadores seniores de negócios venha a aumentar consideravelmente no futuro como resultado de uma dupla tendência, que o autor denomina como “puxar” e “empurrar”. Os argumentos para a primeira sugerem que existirão números crescentes de pessoas antecipadamente reformadas com a experiência, know-how e os meios financeiros necessários para que enveredem pelos caminhos do empreendedorismo na medida em que desejam manter-se economicamente activos. Esta opção poderá ajudar a manter o seu estilo de vida ou oferecer uma alternativa a um trabalho “normal” numa qualquer organização. Já o argumento “empurrar” tem como base a ideia de que os trabalhadores mais velhos estão ser exactamente “empurrados” do mercado laboral tradicional por factores que incluem práticas de discriminação etária na altura do recrutamento, promoções e formação, em conjunto com a ausência de opções de emprego atractivas. E, nesses casos, dar início a um negócio poderá ser a única opção para as pessoas mais velhas poderem continuar uma actividade económica.

Wainwright sublinha ainda uma outra razão para que, e finalmente, o debate sobre o empreendedorismo sénior esteja a ganhar novos contornos, a qual é justificada por ser uma política potencialmente atractiva. Os governos têm vindo a reconhecer, de forma crescente, as consequências de uma população envelhecida, em particular no que respeita às pressões fiscais que a mesma coloca ao Estado. O rácio de dependência da população e os custos sociais crescentes em termos de cuidados de saúde e de assistência social são também verdadeiras dores de cabeça para os governos e tudo indica que as mesmas só irão piorar. Como também sabemos e por outro lado, o aumento da idade da reforma é, igualmente, uma tendência já visível em muitos dos países desenvolvidos.

Adicionalmente, o objectivo destas políticas incluem também o prolongamento das vidas laborais dos mais velhos, reduzir o desemprego nos segmentos mais seniores, aumentar a inclusão social dos mesmos e, apesar de numa escala mais reduzida, melhorar a capacidade inovadora da economia através do aproveitamento do capital humano e social de indivíduos mais experientes através de novas start-ups. Favorável é também o próprio ambiente que, de há umas décadas a esta parte, tem vindo a ganhar novas condições, com uma maior abertura dos mercados, com os progressos tecnológicos a facilitarem economias de escala mais reduzidas e novas oportunidades de mercado. As competências da própria força de trabalho também melhoraram significativamente e os meios de aconselhamento e de apoio para quem detêm um negócio tornaram-se muito mais sofisticados.

E, no interior deste contexto, a priori, como alerta o autor, o empreendedorismo sénior tem o potencial necessário para actuar como um veículo para ajudar a gerir os desafios e as pressões que a sociedade crescentemente envelhecida enfrenta. Complementarmente, o empreendedorismo sénior poderá ajudar a ir ao encontro das necessidades sociais e financeiras dos mais idosos, abrindo caminho para um melhor equilíbrio das necessidades e preferências para o trabalho continuado e/ou para a reforma.

De acordo com Wainwright, existe ainda um outro aspecto importante, mas pouco explorado: se realmente os trabalhadores mais seniores querem e têm capacidades para gerir o seu próprio negócio. E é essa a principal abordagem a que se dedica o professor da Royal Holloway University of London no estudo que fez e intitulado Who are you Calling Old? Revisiting Notions of Age and Ability Amongst Older Entrepreneurs, no qual identifica as principais motivações e barreiras que se colocam a quem deseja – ou é empurrado para – uma outra vida de trabalho para além da vida “normal”de trabalho.

Porque continuamos a querer ser o que fazemos

© DR

Os empreendedores seniores decidem desenvolver o seu próprio negócio devido a um conjunto de factores motivacionais diversos e que afectam os diferentes indivíduos com base, e como seria de esperar, nas suas circunstâncias pessoais e contextos de vida. De acordo com alguns académicos que estudam esta temática, as perspectivas específicas de flexibilidade e de independência constituem algumas dessas motivações, acompanhadas pelo desejo de se manterem independentes e de lutarem contra o desemprego. À medida que vão envelhecendo, as suas visões e valores sofrem também alterações, sendo que a insatisfação com o próprio trabalho – paras os que ainda têm emprego – é também identificada como uma causa que ajuda a estimular a vontade para o empreendedorismo.

Tendo em consideração as motivações financeiras, a pesquisa efectuada pelo autor divide-as em dois contextos distintos do ciclo de vida dos empreendedores mais velhos: antes e depois da idade de reforma ou de esta última estar ou não consumada. Para os que ainda se encontram em idade activa – por exemplo, por volta dos 50 anos – a escolha de um negócio próprio está mais relacionada com a perspectiva de maiores rendimentos. Mas pensar e planear um futuro melhor está também os seus planos, motivo pelo qual vários empreendedores mais seniores começam por explorar o “negócio próprio” enquanto se mantêm ainda na segurança dos seus empregos.

Para os que já estão em idade de reforma, a ideia de trabalhar até o mais tarde possível começa a ser também uma realidade. Para alguns empreendedores seniores, a acumulação de riqueza para além da reforma a que têm direito consiste numa forte motivação para o início de um negócio próprio, principalmente quando são muitos os que acreditam que a pensão de reforma de que irão usufruir não será suficiente para manter o estilo de vida a que estão habituados. Consequentemente, sentem também uma enorme vontade de esbater as fronteiras entre o trabalho e a reforma, continuando por isso a trabalhar, pensando no empreendedorismo como uma forma de ganhar rendimentos extras à pensão que lhes for atribuída.

No que respeita ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal, o empreendedorismo sénior é igualmente reconhecido por muitos como uma forma de encontrar uma harmonia entre os compromissos que estão subjacentes a ambas. A questão da identidade, por exemplo, é factor crucial nas motivações daqueles que trabalharam a vida toda, e que não estão dispostos a parar. Na medida em que “ser activo” funciona como uma questão fortemente identitária, a questão da experiência e da prática de determinadas competências afigura-se como uma recompensa, da qual não querem abrir mão mesmo depois da reforma. Manterem-se activos, o que pode ser alcançado, de forma flexível, através do empreendedorismo sénior, é um dos mais fortes motivadores para não se perder esta ideia de que também somos o que fazemos.

Adicionalmente, o empreendedorismo sénior pode também funcionar como um diluir das fronteiras entre o trabalho e os interesses pessoais e paixões. Ou seja, é possível o envolvimento num trabalho pago, que possa estar alinhado com um determinado hobby ou interesse pessoal, o que faz parecer que o empreendimento não é apenas um trabalho árduo e obrigatório, mas algo mais próximo da realização individual.

Todavia, e como seria de esperar, o desafio e a perspectiva de desenvolver um negócio sustentável funciona também como motivação, por si mesma, para os trabalhadores mais seniores. O facto de existir a possibilidade de ganhar independência face a empregadores, de ganhar satisfação com uma actividade que os preenche e, cereja em cima do bolo, fundar um negócio que possa agir como um veículo de promoção para determinados valores particulares nos quais acreditam parece não ter preço.

O Professor Wainwright sublinha ainda que o interesse pelo empreendedorismo numa idade “mais avançada” pode funcionar também como uma estratégia para equilibrar outros aspectos da vida laboral e pessoal, nomeadamente as responsabilidades acrescidas para com os lhes são próximos. Cuidar dos ascendentes, dos parceiros ou de filhos jovens adultos pode pesar também na balança das motivações. E muito.

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Preconceitos, discriminação etária e a dificuldade do financiamento

No estudo desenvolvido pelo Professor Thomas Wainwright, forma igualmente identificadas várias barreiras, de variada natureza, que se colocam aos empreendedores seniores e que são distintas das que se colocam aos mais jovens. Ora vejamos.

Muitos dos respondentes entrevistados por Wainwright afirmam que fundar um negócio numa idade “mais avançada” ainda é considerado como uma espécie de”desvio à norma”, acreditando que a sociedade mantém uma percepção assente no facto de as pessoas mais velhas não se deverem envolver em novos tipos de actividades ou emprego. Desta forma, não é de estranhar que a discriminação etária no interior da sociedade não constitua apenas uma barreira abstracta, mas sim uma realidade quando, por exemplo, os potenciais empreendedores seniores são entrevistados, em conjunto e de acordo com o Professor, com uma série de práticas externas, discretas, que podem inibir ou dificultar as suas actividades de negócio.

Ainda de acordo com a pesquisa realizada para este paper, as práticas de discriminação etária são muitas vezes “ultrapassadas” pelos empreendedores mais velhos, através do “ajustamento” das suas actividades a um tipo de trabalho no qual a aparência física – ou os sinais da idade – não pode ser “invocada” como impeditivo para a realização de determinado trabalho: trabalhando a partir de casa, por exemplo, na área da consultoria.

Os recursos de capital social afiguram-se como uma outra barreira a ultrapassar pelos empreendedores seniores. É que se o capital social é particularmente importante nas fases iniciais dos negócios, aquele que é detido pelos mais velhos pode carecer de utilidade para os que desejam operar em novos mercados e contextos. Assim e consequentemente, e a não ser que o empreendedor sénior opere uma actividade de negócio associada à sua anterior actividade, será necessário gerar novo capital social em conjunto com novas redes de negócios, o que não é tarefa fácil.

Os indivíduos reformados, fora do mercado laboral, perdem, muitas vezes, as suas redes de capital social, vendo-se obrigados a recomeçar do zero. E, na medida em que são muitos aqueles que optam por trabalhar a partir de casa, o desenvolvimento de novo capital social não só nas fases iniciais, como na continuidade do negócio, é uma elevada barreira a ultrapassar.

O mesmo acontece com os recursos financeiros necessários para fundar um novo negócio, elencados como um dos principais obstáculos para quem deseja permanecer activo no mundo do trabalho. O problema agudiza-se, como é inevitável, para os que já se encontra(v)am no desemprego, colocando num contexto mais favorável aqueles que já gozam de uma reforma ou pensão, o que os pode ajudar a financiar o seu novo negócio.

Por outro lado, os empreendedores seniores que ainda se encontram a trabalhar – mesmo que perto da idade da reforma – mas já se encontram na fase inicial de fundar um novo negócio, ou aqueles que já têm uma segunda ocupação, beneficiando de um rendimento extra, sentem de forma menos vincada a pressão do financiamento. O mesmo acontece com os que conseguiram gerar uma fonte de poupança ao longo da vida, o que reduz a sua dependência de fontes externas de financiamento.

De realçar igualmente que os requisitos de financiamento para uma start-up variam igualmente de acordo com o sector de negócio em causa. Aqueles que optam pela área dos serviços têm menos barreiras à entrada, pois também têm menos custos de implementação, face aos que se aventuram a outro tipo de actividades que requerem aquisição de equipamento ou de bens para venda.

A importância do aconselhamento e dos sistemas de apoio para os empreendedores seniores é também variável. Como seria de esperar, aqueles que ao longo da vida adquiriram experiência de gestão de negócios, estão mais familiarizados com as questões subjacentes à criação de um novo empreendimento, o que não acontece com os “novatos”, que ficam muito mais dependentes de fontes de aconselhamento, incluindo as redes de contactos e a ajuda por parte de mentores. Mas e de forma interessante, a pesquisa de Wainwright também concluiu que os empreendedores mais velhos sentem um maior temor não face à ausência de informação ou de apoio, mas e pelo contrário, ao excesso da mesma proveniente de fontes diversas. Em particular, sentem-se “perdidos” no que respeita aos novos conceitos de negócio e à nova linguagem e terminologia que grassam no ambiente empresarial da actualidade.

No que respeita às fontes de informação procuradas por estes empreendedores, formais e informais, são aqueles que têm no seu currículo laboral a passagem por empresas de maior dimensão, ou em organizações do sector público, que maior facilidade demonstram para procurar a ajuda necessária. E os resultados do estudo apontam também para que sejam muitos os que sentem a necessidade de ter um mentor experiente que possa – de forma pragmática, mas também “emocional” – ajudá-los a fundar e a operar o novo negócio. Todavia, a maioria dos empreendedores seniores, e com backgrounds da mais variada ordem, sublinham a dificuldade de encontrar um mentor “adequado”, em particular porque esperam alguém que tenha uma maior maturidade e experiência do que eles próprios e que se consiga envolver e compreender esta nova fase das suas vidas.

Por último, a pesquisa sugere também que o empreendedorismo sénior não pode ser encarado com um grupo homogéneo, antes pelo contrário. A diversidade de backgrounds, de contextos de vida e outras circunstâncias adicionais afectam estes indivíduos de forma variada. E os decisores políticos e as organizações que os podem apoiar precisam de customizar a informação e aconselhamento para ir ao encontro destas necessidades distintas, não podendo existir uma receita igual para todos.08