Família e trabalho: em vez de conciliar, por que não “aliançar”?

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POR MÁRIA POMBOFoi para promover o debate público em torno de diversos temas da actualidade, criar redes de cooperação com (e entre) diversas entidades – empresas, organizações sem fins lucrativos, universidades, entre outras – e potenciar novos caminhos que nasceu, recentemente, o Think Tank 3+ (TT3+). Tendo sido criado por um grupo de pessoas que pertencem à Família Missionária Verbum Dei, a sua primeira apresentação pública realizou-se no passado dia 26 de Abril, em Lisboa.

Com foco no tema “Conciliar Família, Trabalho e Impacto Social”, esta sessão foi moderada por João Pedro Tavares, gestor de consultoria a que sempre tentou equilibrar as três componentes em debate, e contou com a participação de três oradores – denominados de thinkers – que deram o seu testemunho acerca desta temática: Ana Rita Bessa, Joana Oom de Sousa e Henrique Joaquim.

O evento contou com a abertura de Vítor Marques, também consultor de gestão e membro da equipa do TT3+, que abordou, sumariamente, cada um dos três eixos, começando desde logo por explicar que estas “são realidades dinâmicas”: em primeiro lugar, a família tem vindo a sofrer alterações “sistematicamente” e “do ponto de vista sociológico”; por seu turno, o trabalho “está a alterar-se com o apoio da tecnologia” e também devido ao facto de o “vínculo dos trabalhadores com as empresas ser, hoje, bastante diferente do que era há alguns anos”; por fim, e com foco no impacto social, Vítor Marques explicou que existem “realidades sociais difíceis, que nos fazem querer que o mundo fosse diferente e melhor do que é”. De acordo com o consultor, este think tank  “é uma iniciativa para católicos e não católicos” e o desafio passa por perceber como é que se consegue “adaptar os princípios da Doutrina Social da Igreja a uma sociedade em transformação”.

Por seu turno, João Pedro Tavares explicou que o TT3+ se constitui como “uma plataforma aberta aos outros” e que deve “inspirar-nos para que possamos inspirar outros”, sublinhando que a mesma deve ser encarada como “um começo e não um fim”. Oferecendo um testemunho muito pessoal, o também presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) referiu que, a certa altura da vida, chegou à conclusão que “é diferente ser um católico líder e um líder católico”, considerando que é o último que lhe permite cumprir a sua missão, já que o ajuda a pôr-se “diante de Cristo e tomar decisões”, sendo assim “mais livre, mais completo e melhor pessoa”.

Neste sentido, abordou três aspectos que, para si, são fundamentais. Primeiramente, referiu que “devemos viver em unidade de vida enquanto pessoas e não pelos cargos que ocupamos”. O que significa que “não adianta de nada ser um líder de sucesso se em casa não for um pai carinhoso” e que “o mundo vai ser menos corrupto se formos todos mais autênticos e não usarmos máscaras”. O segundo aspecto diz respeito à desconstrução de modelos, e João Pedro Tavares salienta que ao falarmos de “work-life-balance” parece que “estamos perante duas vidas”, quando na realidade se trata apenas de uma: “é apenas ‘life’, o centro é a vida, são as pessoas”.

“O mundo vai ser menos corrupto se formos todos mais autênticos e não usarmos máscaras” – João Pedro Tavares

Por fim, o gestor referiu que devemos procurar “uma nova cultura de liderança”, a qual deve assentar em três Ps: “o primeiro é a Performance, e está relacionado com a criação de valor (e não de lucro); o segundo são as Pessoas, que devem estar no centro das organizações e devem ser vistas como pessoas e não como meros colaboradores ou recursos humanos; o último P é o Propósito e significa viver com espírito de missão”.

Felicidade = controlo sobre a vida

Tendo dado o seu testemunho em vídeo, Nandim Habib, um consultor dinamarquês que vive em Portugal há mais de duas décadas, abordou as principais diferenças que sentiu quando chegou ao nosso país, tendo referido aquelas que considera serem as principais falhas das empresas portuguesas. Importa ressalvar que a Dinamarca é um dos países mais felizes do mundo e que o salário médio, naquele país, ronda os 5 mil euros.

Começou desde logo por questionar se Portugal é um país tão bom para trabalhar como para viver. Neste contexto, sublinhou que as mulheres portuguesas ocupam um lugar importante, mas difícil, já que trabalham, mas também cuidam maioritariamente da casa e da família, desenvolvendo elevados níveis de “stress e ansiedade” que criam “problemas para as pessoas, as quais [por seu turno] se apoiam na família mais alargada”. E é com este cenário como pano de fundo que Nandim Habib sublinha que “o work-life-balance ajuda a lidar com o sintoma mas não resolve o problema”.

“O work-life-balance ajuda a lidar com o sintoma mas não resolve o problema” – Nandim Habib

O problema da produtividade foi outro aspecto que o consultou destacou, sendo este, aliás, um dos principais problemas de muitas empresas portuguesas. Para Nandim Habib, esta é uma equação relativamente simples: “pouco dinheiro dá origem a baixos salários e estes traduzem-se em baixa produtividade”. O também professor na Nova SBE explicou que Portugal ainda segue uma lógia taylorista, em que “os trabalhadores são ignorantes e os patrões detêm toda a informação” e, através dos contratos de trabalho, os trabalhadores dão “horas e obediência” em troca de “dinheiro e protecção” dos empregadores. Para o dinamarquês não existem dúvidas: “esta troca ainda existe em Portugal e não faz sentido”.

Dando o exemplo da Netflix – que dá total liberdade de marcação de férias aos seus colaboradores, desde que estes não deixem de cumprir as suas funções -, Nandim Habib explicou que muitas empresas novas têm optado por não ter muitas regras e por conseguir o melhor dos colaboradores, transformando-se nos “melhores lugares para trabalhar”. Deste modo, o consultor considera que o desafio passa por “ultrapassar a ideologia do passado e aceitar que trabalhamos com pessoas formadas e inteligentes, e que têm ideias úteis à gestão das empresas desejando envolverem-se nelas”. Para si, a grande diferença entre os portugueses e os dinamarqueses consiste no facto de estes últimos sentirem que “têm o controlo sobre a sua vida”, ao contrário de nós.

Ter tempo é um desafio e um objectivo

Os três oradores convidados para a primeira apresentação pública do TT3+ foram pessoas com experiências distintas e que, por isso mesmo, deram um contributo interessante ao debate em torno do equilíbrio entre a vida familiar e laboral.

A primeira thinker chama-se Joana Oom de Sousa. Vivendo no seio de uma família numerosa e tendo dois filhos pequenos, a consultora de estratégia e desenvolvimento de negócio considera que “ter tempo” e “viver feliz com as opções” que toma são os seus dois grandes desafios, e não dispensa eventos em família. Durante dois anos, dedicou-se a projectos de voluntariado da Leigos para o Desenvolvimento, uma organização sem fins lucrativos, e foi aí que percebeu que “as nossas certezas não são verdades absolutas”, tendo mudado a sua forma de encarar a vida.

“[Não] temos que ficar no trabalho até mais tarde só porque um colega também fica” – Joana Oom de Sousa

Enquanto trabalhadora, Joana Oom de Sousa é dedicada e encara o trabalho como “uma grande responsabilidade”, sentindo que tem de se esforçar para “receber o ordenado”. Uma das perguntas que faz a si própria diariamente é “como é que fui útil?”. Todavia, é contra a ideia de que “temos que ficar no trabalho até mais tarde só porque um colega também fica” e defende que isso não deve ser entendido – como tantas vezes acontece – como um sinal de que não damos o suficiente à empresa onde trabalhamos. Para si, “o trabalho nunca foi tudo” e sempre se envolveu em diversas iniciativas na área do impacto social, motivo pelo qual, a uma determinada altura abandonou a sua carreira para se dedicar, durante três anos, à TESE e aos seus projectos na área da inovação social, desafiando o sector privado a ver o valor das iniciativas que procuram o desenvolvimento sustentável de regiões carenciadas, tanto em Portugal como além-fronteiras.

Sendo mãe de dois filhos pequenos e tendo “a noção de que vão ser pequenos durante pouco tempo”, a consultora procura não descurar o tempo de qualidade que passa com eles, através de jogos e dispensando o uso de televisão durante a semana, sendo que actualmente está a tentar aceder a um pedido de um deles, que é “chegar mais cedo a casa”. “Fortalecer a vertente do impacto social e criar [junto dos filhos] a ideia de que não são os centros do mundo” são os seus dois grandes desafios e objectivos, enquanto mãe.

Da liberdade à transformação

Uma perspectiva diferente tem Ana Rita Bessa, deputada da Assembleia da República que procurou fazer uma “reflexão não partidária” acerca do tema em debate, tendo escolhido algumas características que considera fundamentais para este equilíbrio entre a vida profissional e laboral. Começou por dizer que esta “deve ser uma decisão pessoal” e que “mesmo para quem partilha uma fé”, a mesma “não deve representar uma imposição”. Retirando “toda a carga moralista”, esta decisão “implica que eu saiba quem sou com liberdade para escolher e também com inteligência”, rematou. Adicionalmente, considera que esta “é uma escolha, mas está sujeita a restrições” e que “o facto de acharmos que trabalhamos melhor se gerirmos o nosso tempo de forma livre, pode ser possível ou não” consoante o sítio onde trabalhamos e as tarefas que desempenhamos.

A conciliação entre o trabalho e a família “deve ser uma decisão pessoal” e “não deve representar uma imposição” – Ana Rita Bessa

Uma outra conclusão a que Ana Rita Bessa chegou é que esta “é uma equação dinâmica que se altera ao longo da vida”, e por isso, ao contrário da oradora anterior, para si não faz sentido questionar-se diariamente sobre aquilo que conseguiu fazer num determinado dia, mas sim num período de tempo mais alargado.

Indo contra uma ideia partilhada por muitos, a deputada assume que não se identifica com a valorização moral que algumas escolhas têm. Neste sentido, explicou que “por exemplo, ainda é esperado que as mulheres cuidem dos filhos e da casa”, criticando a ideia generalizada de que “se há uma pessoa que trabalha muito, é péssima mãe e mulher, mas se trabalha pouco tem o coração no lugar certo”. Por fim, a também mãe de três crianças sublinha que “é naquilo que controlamos que nos devemos focar” e que, embora a legislação ajude a mudar algumas coisas – referindo que temas como a parentalidade, as licenças sabáticas ou o denominado direito de “desligar” do trabalho fora de horas estão a ser debatidos no Parlamento –, “há uma parte que é nossa e que ninguém vai fazer por nós”.

Focando-se mais no impacto, Henrique Joaquim é director geral da Comunidade Vida e Paz e foi o terceiro e último orador presente no evento. Começando por referir que, para si, “impacto social não significa resultados, mas sim transformação”, o também membro da comunidade Verbum Dei sublinhou que “o segredo da nossa existência é a coexistência” e que “ser racional e emocional é possível e um sem o outro não existem”. Complementarmente, considera que “somos feitos por amor e para amar” e que esse é o propósito da vida.Não tendo ficado satisfeito com a definição da palavra “conciliar”, inventou uma outra que lhe faz mais sentido: “aliançar” Esta é uma palavra que define como o acto de “criar uma aliança” e que, “mais do que um equilíbrio” ou uma conciliação, lhe permite reconhecer onde está o elo de ligação entre todas as dimensões da sua vida.

“Impacto social não significa resultados, mas sim transformação” – Henrique Joaquim

“Quem sou eu naquilo que faço? Quem quero ser? Qual é a minha causa? O que quero e em que é que acredito?”. Estas são algumas das perguntas que Henrique Joaquim faz a si próprio e que considera que todos devem fazer com alguma regularidade, acreditando que “somos quando nos damos” e que – e esta é uma das frases mais faladas na IPSS onde trabalha – devemos “reconstruir sentidos de vida”. Neste sentido, explica que, quando alguns empresários pretendem desenvolver uma acção de voluntariado, aquilo que lhes oferece é “uma experiência radical de vida”, aconselhando-os a “confrontarem-se com a vida e a deixarem-se tocar por aquilo que os outros têm para oferecer”. Para si não existem dúvidas: “uma pessoa em situação de sem-abrigo só tem vida para dar, e isso é tanto”.

Por fim, o também assistente social considera que devemos “viver a vida como um dom” e que não nos devemos esquecer que “estamos num processo de nos tornarmos pessoas”. Isto significa que não devemos desistir de “olhar o horizonte” e ter “uma esperança permanentemente alimentada, principalmente se estivermos a passar por uma fase de sofrimento ou fracasso”.

Em jeito de conclusão e agregando alguns dos aspectos que foram mais falados ao longo do evento, João Pedro Tavares reforçou que “temos que educar de outra forma, inovar e promover um maior sentido de responsabilidade pessoal” e que “temos que ter um maior controlo sobre a nossa vida para conseguirmos alcançar uma maior realização e felicidade”, terminando com a ideia de que “devemos ser agentes de mudança”.


Respeito, amor, tolerância, humildade e empatia

Após as intervenções, e tendo em conta que a plateia era constituída essencialmente por jovens, a equipa do TT3+ lançou um desafio a todos os participantes (oradores e público): responder, através do telemóvel e de forma livre e anónima, a três perguntas.

À pergunta “Que valores de cidadania queremos cultivar para a próxima geração?”, a plateia respondeu maioritariamente: respeito, amor, tolerância, humildade e empatia.

“Numa escala de zero a 10, qual é a tua satisfação geral com a vida?” – a segunda pergunta – a média de respostas foi de 7,8. De forma talvez surpreendente, esta cotação revela estar acima, não só da média nacional que, de acordo com o World Happiness Report, é de 5,2, como também do valor médio apurado na Finlândia que com 7,6 é o país mais feliz do mundo, segundo este mesmo ranking.

Por fim, e tendo sido questionados acerca das suas causas, os participantes elegeram maioritariamente a família, o amor, servir e ser feliz.