A questão ética na empresa é uma moda, uma questão de eficiência ou um dever? Até que ponto a ética empresarial dissociada da ética do gestor é uma hipocrisia? As questões foram colocadas pelo padre João Seabra, no encontro da ACEGE.
POR VITOR NORINHA
Oiça aqui a apresentação na íntegra.
Um dos aspectos mais interessantes da responsabilidade social das empresas foi a evolução que o conceito foi adquirindo ao longo dos anos. O padre João Seabra aproveitou o almoço-debate mensal da ACEGE, a Associação dos Empresários Cristãos, para relançar o tema, com muitas ideias e argumentos – como sublinhou – do seu colega economista João César das Neves.
O economista é vice-presidente do Centro de Ética Empresarial da Universidade Católica e o padre João Seabra está a presidir ao referido Centro.
“A ética empresarial e a responsabilidade social são aquisições recentes”, afirma o padre João Seabra que cita o conhecido economista Milton Friedman. Este afirmava que “a única responsabilidade da empresa era gerar lucro”. João Seabra concluiu que “a razão porque a ética empresarial é moda é porque é uma imposição das circunstâncias” e adianta que em muitas empresas bem geridas, estas acabaram por ter problemas graves por questões éticas e “daí a necessidade empresarial de aferir o comportamento ético”.
O padre João Seabra que, mais uma vez, recordava um trabalho recente de João César das Neves, agarrou na The Economist e fez um apanhado daquilo que foi entendido como o “jogo da ética empresarial” ao longo dos últimos 20 anos, ou seja, aquilo que se dizia na prestigiada revista em 1993, em 2000 e em 2005.
Mas, para além do interesse na evolução do conceito, que nitidamente estava ligado às necessidades circunstanciais, também o tratamento dado pelas universidades americanas e pela sociedade americana, evoluiu ao longo dos últimos 100 anos.
A prestigiada Universidade de Harvard já oferecia um curso de ética em 1915 mas, verdadeiramente, só no início dos anos 80 é que as generalidades das universidades americanas começaram a oferecer cursos ligados à responsabilidade social e empresarial e ainda à responsabilidade do empresário, dentro do mesmo âmbito.
Actualmente, existirão cerca de 500 cursos deste tipo em todas as universidades americanas. A razão porque o tema se tornou interessante nos anos 80 foi porque surgiram graves problemas nas empresas, sobretudo nas financeiras, ligados à ética da gestão, à ética do relacionamento com os clientes e, até mesmo, relacionadas com a ética do procedimento perante a sociedade. Algumas das grandes operações financeiras nos mercados americanos tiveram repercussões mundiais e prejudicaram a sociedade em geral.
Existem nos EUA empresas de consultoria, como a conhecida PriceWaterhouseCoopers que oferecem serviços para auditar as companhias.
A partir daqui, salienta o presidente do Centro de Ética da Católica, “a questão ética passou a ser um “must” empresarial”. E, frisa: “não existe empresário ou administração séria que não se queira associar à sua actividade, algo ligado à ajuda, que pode ser ajuda social, ou melhoria ambiental. Concluir que “esta difusão de ética é boa” e é boa porque as empresas se sentem estimuladas a fazer melhor pelas pessoas e pelo ambiente, sublinha.
O padre João Seabra, aproveita mais uma ideia de César das Neves, nesta sua exposição e faz um paradigma àquilo que aconteceu há uns anos, com os problemas do “inside trading” no mercado de Valores Mobiliários. O economista dizia que “a cadeia faz falta à Bolsa”, ou seja, sabendo-se que existe a sanção e esta é correctamente aplicada, haverá a preocupação de não infringir as regras. Aplicando a questão da ética empresarial e da responsabilidade social do empresário e gestor, conclui-se que “a aplicação é ética é boa para o ambiente”.
HIPOCRISIA
A ética aplicada pela necessidade pode ser uma hipocrisia, mas não deixa de ser boa. O padre João Seabra afirma, com ironia, não ter cepticismo ético sobre a hipocrisia, para depois aproveitar uma ideia retirada, mais um vez, da The Economist onde se afirmava que “hoje a responsabilidade social das empresas é o tributo que o capitalismo presta à virtude”. O paralelismo que se pode fazer com as empresas é concluir que a responsabilidade social desta “é uma hipocrisia”, afirmava o palestrante.
Mas, como em tudo, existe o lado bom: “esta hipocrisia melhora a prestação social das empresas, com melhorias políticas do ambiente, maior responsabilidade perante pessoas e o planeta mas, continua a ter um defeito crucial: esta política social melhorada “tem pouco a ver com a vida de cada empresário”. O padre João Seabra lança o repto: “muitas coisas das empresas dependem da consciência pessoal” e acrescenta que “não há sistemas perfeitos que possam dispensar o drama da responsabilidade pessoal perante o acto colectivo”.
Afirma, por outro lado que”a responsabilidade social da empresa pode tornar-se um ecrã ou um véu que oculta aos empresários e gestores a questão ética.
A PERGUNTA
Aqui entra a grande questão ligada à interiorização do gestor, ao seu papel pessoal, aos seus princípios e às suas decisões. O padre João Seabra aproveitou uma cena de um conhecido filme para fazer a mesma pergunta que o personagem fazia, diante de um espelho, depois de criar uma hecatombe nos mercados financeiros.
Não questionava o impacto na sociedade, mas questionava-se a sua imagem no espelho com a pergunta: “Quem sou?”.
A conclusão é de que “de nada vale ao homem ganhar o mundo interior, se se perder a si próprio!”.
Relembrando, a história tem que as empresas, inicialmente, nem se quer colocavam a questão de falar em moralidade. Depois, a ética passou a ser eficiente e eficaz. Dizia-se, mesmo, que “ser ético, era ser mais eficiente do que não ético”. As grandes multinacionais do tabaco são o paradigma desta ideia quando publicitam no produto que vendem a frase “o tabaco mata!”.
E, mesmo depois de tudo isto, surgiu na justiça americana grandes processo contra as tabaqueiras, “desenterrando” problemas e histórias com dezenas de anos, ou aludindo a questões éticas que foram lançadas mas que, em simultâneo aliciavam os adolescentes para maiores consumos. Toda esta história gerou um novo tipo de responsabilidade.
“O fumo mata!” é, afirma o padre João Seabra, “a caricatura da responsabilidade social da empresa e o supra-sumo da hipocrisia societária”.
Concluímos que “não nos importa as motivações mas, a obtenção de procedimentos e os protocolos”. É preciso “ponderar e avaliar por que lógica é que a ética empresarial tornam as motivações pessoais irrelevantes”.
O palestrante coloca a natural dúvida se a mera colocação num organigrama de uma direcção de ética, possa ser suficiente para que essa postura e essa atitude seja, de imediato, assegurada pelo empresário. A conclusão é de que “os comportamentos éticos têm de ter razões éticas” e “hoje há uma maneira de falar de ética”.
O padre João Seabra refere-se à passagem da última Encíclica do Papa Bento XVI. Afirma-se que “o bem-estar material do Mundo nunca pode ser assegurada apenas por estruturas”, para depois falar em impedimento à liberdade em convicções relativamente ao ordenamento comunitário. A conclusão óbvia é de que “a liberdade deve ser incessantemente reconquistada para o bem”.
A ética cumprida não é picar o ponto. Não é um mero acto formal executado na empresa. “Não se está ético” pelo simples facto de picar o ponto, afirma o palestrante. Acrescenta que “esta maneira de conceber ética formal não substitui responsabilidade pessoal”. Concluiu a sua dissertação com algo que não se coaduna nas empresas modernas, onde se pensa em equipas profissionais, mas onde não se pensa na família e no impacto que a empresa poderá ter no relacionamento dessa mesma família. A questão final, para o empresário e gestor, está nas perguntas.
“O que me esforço por ser, o que sou e o que quero ser”. A pergunta do actor Michael Douglas ao espelho, depois das consequências dos seus actos no sistema financeiro mundial, é crucial.
Artigo publicado originalmente no jornal OJE, de 13 de Dezembro.
https://acege.pt/Lists/docLibraryT/Attachments/101/hp_20071214_SupraSumoDaHipocrisia.jpg