Discurso Sessão de Abertura António Pinto Leite

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Excelentíssimo Senhor Primeiro Ministro, Dr. Pedro Passos Coelho
Sua Eminência Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, Senhor D. José Policarpo
Magnífico Reitor da Universidade Católica Portuguesa, Professor Doutor Manuel Braga da Cruz
Ilustres Representantes da CGTP e da UGT
Ilustres Representantes da ACGD – Associação Cristã de Gestores e Dirigentes
Ilustres Convidados
Queridos Congressistas

António Pinto Leite
Presidente da ACEGE
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1 – Começo por agradecer calorosamente ao dono da casa, ao nosso querido Amigo e Reitor da Universidade Católica Portuguesa, Manuel Braga da Cruz, por mais esta disponibilidade para receber o congresso da ACEGE.  Neste contexto, quero agradecer a todos os que prepararam este congresso, em especial a todos os oradores de amanhã, que tão espontaneamente aceitaram desenvolver e partilhar o tema da nossa reunião.

Ao Senhor Cardeal Patriarca, quero agradecer a sua presença e o estímulo que sempre deu ao voluntariado empresarial que se reúne na ACEGE. Quero também na sua pessoa agradecer, em nome de todos os portugueses, em nome do coração português, o serviço aos mais desprotegidos que a Igreja tem prestado, em especial neste tempo tão adverso. A Igreja Católica é a maior história de amor de Portugal. O incansável serviço que a Igreja tem prestado é um testemunho que desperta em milhares e milhares de portugueses o que neles há de melhor e de mais generoso. Bem haja, Senhor D. José Policarpo .

Finalmente, uma palavra de abertura muito especial para o Senhor Primeiro Ministro, expressando-lhe, o que todos aceitarão, a minha amizade pessoal. O modo tão instintivo e interessado como aceitou o convite para abrir um congresso com este tema improvável – o amor como critério de gestão -, é uma distinção e um sinal para nós.  Cabe-lhe, Senhor Primeiro Ministro,  a mais difícil missão de entre todas as missões que a cada português estão distribuídas. O seu sentido de verdade e a sua capacidade de liderança são motivos de confiança de que a sua missão será  entregue.

Estou certo de que logo que haja evidência sem retorno de que Portugal cumpre e cumprirá os seus compromissos, financeiros e estruturais, os nossos parceiros internacionais saberão, por sua própria iniciativa, aliviar a carga a que o contrato celebrado pelo Estado sujeita o povo português. Mas se o não fizerem, Senhor Primeiro Ministro, diga-lhes, da parte dos líderes empresariais que aqui estão, que somos um povo nobre e uma nação valente e que sozinhos daremos a volta por cima.

Senhor Primeiro Ministro, o  senhor tem um grande povo atrás de si. Há três anos, aqui mesmo, no anterior congresso, disse que os líderes empresariais não iam arredar pé. E não arredaram.

Hoje, acrescento outros pontos que me encantam ao olhar o meu povo: Primeiro, a generosidade. A generosidade que por todo o lado se sente e de que a evidência mais recente foi o aumento de alimentos doados ao Banco Alimentar. Segundo, algo que conheço bem, sobretudo na área da Justiça: a acção dos funcionários do Estado, que tendo sido particularmente atingidos pelas medidas da crise, mantêm o mesmo espírito de serviço como se nada tivesse ocorrido nas suas vidas. Terceiro, a tão falada coesão social e política, para a qual, formal ou informalmente todos têm contribuído, com destaque para as organizações sindicais, cuja missão neste contexto histórico, devemos todos reconhecer, é particularmente difícil.

Repito: o senhor tem um grande povo atrás de si. Não somos gregos com mais juízo, nem queremos ser alemães com menos método. Somos Portugal, uma nação que quando se concentra e se organiza, vence sempre e sempre mais depressa do que os cépticos profetizam.

Temos ainda dois factores a nosso favor para resistir com esperança e pensar positivo: primeiro, a globalização. A globalização é uma oportunidade espantosa para um pequeno povo que fica com o mundo inteiro à sua disposição. É uma questão de tempo e temos um século inteiro pela frente . Segundo, a nova geração, a extraordinária geração dos nossos filhos, uma geração construída e preparada com o esforço dos nossos impostos e com o lado saudável da nossa dívida externa. Portugal tem a élite mais bem preparada de toda a sua História . Criar condições atractivas para que fique em Portugal é a melhor garantia para o nosso futuro.

2 – Mas permitam-me associar a política ao tema do nosso congresso.

Tal como a economia não pode evitar o confronto com o amor, também a política não pode evitar  o  confronto  com o amor . Mais  impressivo  de que os políticos não falarem de amor aos seus povos, é os povos terem interiorizado que não é suposto serem amados pelos políticos que escolhem para os governar. É uma patologia profunda da democracia moderna e uma injustiça para os políticos que colocam o bem comum acima dos seus interesses pessoais.

3 – A ACEGE continua um espaço de acolhimento e de integridade espiritual. Não defendemos qualquer interesse, nem procuramos qualquer vantagem ou qualquer evidência. Aqui não se fazem negócios, nem se trocam cartões. Aqui não se vem para ver ou para se ser visto. Aqui juntamo-nos em nome de Cristo e daquilo que Ele nos pede, em nome dos outros e daquilo que eles precisam.

Aqui somos livres na nossa espiritualidade, livres nos tempos e nos registos diversos da espiritualidade de cada um. Livres no acolhimento de todas as pessoas de boa vontade que não desistem de um mundo melhor.

Aqui não julgamos, acolhemos. Ter fé não é resolver um mistério, é fazer parte de um mistério. Não ter fé não é resolver um mistério, é fazer parte de outro mistério. Por isso, a vocação central dos homens de boa vontade deve ser o acolhimento recíproco e a compreensão de que o amor é o ponto de encontro que a todos permite contribuir para o bem comum, caminhando cada um no silêncio do seu mistério.

4 – Não vos farei o relatório de actividades, porque tudo o que possamos ter feito ou vir a fazer será sempre pouco para o que de nós é esperado. Como já o disse, como empresário poderei estar satisfeito com o que a ACEGE fez, mas quando me ajoelho fico perplexo com o que Deus nos pede.

Limito-me a saudar o nosso fundo, o Fundo Bem Comum, que prossegue a sua actividade de apoio a projectos empresariais de desempregados com mais de 40 anos. A saudar os 15 núcleos regionais que a ACEGE abriu e neles todos os pequenos e médios empresários do nosso país. A saudar a CIP, a APIFARMA e o IAPMEI que connosco desenvolveram e continuarão a desenvolver em 2012 e 2013, com o apoio da União Europeia, o projecto AconteSer – Liderar com Responsabilidade. Através deste projecto, divulgamos por todo o país, em dezenas e dezenas de sessões,  os critérios de uma gestão empresarial responsável e que assegure a competitividade das nossas empresas. E saudo, finalmente, os cerca de 50 jovens líderes empresariais, com menos de 35 anos, que aderiram à ACEGE e com os quais reunirei a seguir a esta sessão. A cada um de vocês apenas digo: muito vos foi dado, muito vos será exigido.

5 – O V Congresso da ACEGE tem lugar num tempo raro de mudanças à escala universal e num tempo de enorme sofrimento na sociedade a que pertencemos. Ninguém com responsabilidades e com sentido de responsabilidade pode ficar de fora deste tempo e de nele intervir para  defesa do bem comum.

A ACEGE publicou há um ano a sua Reflexão sobre a Crise. Já então, convocando o amor como critério de gestão, demos indicações a todos os líderes empresariais, algumas das quais aqui renovo:
(i)  neste contexto tão adverso, procuremos evitar despedir pessoas, utilizemos o despedimento como ultimo recurso e não como primeiro recurso;
(ii) não tiremos partido, em circunstância alguma e sob nenhuma forma da insegurança dos nossos colaboradores, cumprindo integralmente os deveres legais e contratuais;
(iii) façamos das empresas anéis de protecção social, criemos sistemas internos de auto-diagnóstico social, que permitam o apoio, por via confidencial, aos colaboradores cuja situação familiar se possa agravar;
(iv) paguemos o salário mínimo o mais elevado possível, conjugando uma visão realista das capacidades da empresa, com um sentimento de generosidade e de alegria por contribuirmos para que todos os dias possam sair do limiar da pobreza concidadãos nossos;
(v) salvo constrangimentos atendíveis, paguemos pontualmente uns aos outros, não só porque pagar no prazo acordado é o mínimo ético empresarial, mas porque está demonstrado que o pagamento atrasado entre empresas destrói emprego todos os dias, isto é, destrói famílias  indefesas todos os dias.

6 – Este congresso é sobre um encontro improvável, mas essencial: o encontro entre amor e economia, entre amor e gestão. Percebi dentro de mim que nada ficava igual confrontando a liderança empresarial com a palavra amor. No percurso da direção nacional da ACEGE até tomarmos a decisão sobre o tema deste congresso, percebi que o mesmo se passava com os outros líderes empresariais.

É impressionante a força da palavra amor. E é ainda mais impressionante a força  transformadora da palavra amor dita no mundo dos negócios.

Somos uma associação unida por valores, mas integrada por pessoas pragmáticas, racionais,  responsáveis e competitivas. Não falamos de amor para subverter a economia,  falamos de amor para tornar a economia mais competitiva e a sociedade mais justa.

O confronto entre amor e empresa parece místico, irrealista, inoperacional. O amor como critério de gestão corre o risco de ser mal interpretado, de desregular as expectativas, a começar pelas expectativas do líder empresarial sobre a sua própria missão.

Corre outros dois riscos fundamentais: primeiro, ter uma leitura meramente sentimental, o que seria incompatível com a gestão das organizações;  segundo, ser orientado para um fundamentalismo religioso, que perverteria a dimensão universal que o amor tem.

Todos estes riscos são verdadeiros e devemos estar atentos a eles. Também devemos acolher os olhares céticos sobre este critério, uns vindos de experiências empresariais traumáticas ou de desencanto, outros com fundamento num pessimismo filosófico sobre o ser humano, outros ditados pelo triunfo do ter, do aparecer , do poder e da obsessão pelo lucro como centros de excelência da economia de mercado.

7 – Enfrentemos estas questões com clareza.

Em primeiro lugar,  não está na liberdade de um cristão decidir se amor e economia se devem confrontar. O primeiro mandamento, o mandamento segundo o qual tudo se deve ordenar, é o mandamento do amor. Se é assim, se tudo se deve ordenar segundo o amor, a economia também. A nós, cristãos, cabe perceber como ordenar a economia segundo o amor, não se a economia deve ser ordenada segundo o amor.

Em segundo lugar, o bem maior que Deus nos pede para proteger é a empresa que nos está confiada. Deus ama as nossas empresas, como comunidades humanas que são, como obra humana que são. O que seria do mundo e dos Homens sem as empresas?

As empresas são elas e a sua própria circunstância, são comunidades expostas à concorrência, à incerteza e ao risco. Este quadro em que agimos não é um mal, é a circunstância concreta em que Deus põe à prova as nossas competências e o nosso amor.

A primeira obra que temos para entregar ao bem comum é a sustentabilidade das nossas organizações, enquanto tal, o que implica muitas vezes fazer escolhas dilacerantes e tomar decisões difíceis.  Mas o amor deve estar presente antes, durante e depois da  tomada  de uma decisão difícil.

Em terceiro lugar, o amor como critério de gestão não é incompatível com a exigência própria das empresas .É  o critério  de liderança mais exigente que conheço , para o próprio líder e para os outros. Um grande empresário português colocou-me esta questão, com toda a pertinência : como conjugar a exigência necessária nas empresas com o amor como critério de gestão?   Perguntei a mim mesmo: quem são aqueles que mais amo? Os meus filhos. Há alguém com quem seja mais exigente do que com os meus filhos? Não.

Não há nada mais exigente do que o amor. Aliás, se numa comunidade de voluntários um dos voluntários falhar, a consequência é muito mais disruptiva do que se,  numa empresa, falhar um dos seus colaboradores. Precisamente porque a cultura do amor é a mais exigente de todas.

Finalmente,  amor e competitividade. Não há resposta para o desemprego e para a pobreza se a nossa economia não for competitiva. Ora, o amor como critério de gestão faz pessoas felizes. Pessoas felizes fazem empresas produtivas ,  empresas produtivas fazem uma economia competitiva  e uma economia competitiva é a base de uma sociedade justa . O amor não é um intruso na competitividade empresarial, é o seu maior aliado.

8 – O amor como critério de gestão  tem uma definição muito concreta: significa tratarmos os outros como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles.  E quem são os outros? São os colaboradores, os clientes, os fornecedores, os acionistas, os concorrentes, a comunidade e as futuras gerações.

Não consigo ponderar um critério nem mais simples nem mais operacional para o discernimento ético empresarial.

No plano ético, o critério permite enquadrar as situações a resolver de um modo muito  intuitivo e eficiente.  Tem ainda a grande vantagem de, numa perspectiva cristã, ser o critério que corresponde à noção de que o centro vital da ética cristã é o amor. Através deste critério,  o nosso próximo é sempre tratado por nós como nós próprios seriamos tratados se estivéssemos no lugar dele.

9 – No plano económico, o valor de um conceito deve ser avaliado respondendo a uma pergunta: qual a consequência em termos económicos se todos os decisores empresariais passassem a actuar segundo este princípio? Não tenho uma dúvida em responder que seriamos mais competitivos, mais ricos e teríamos uma sociedade muito mais justa.

É essencial que a universidade investigue este conceito.

Quanto vale uma organização em que os colaboradores acreditam ser amados? Quanto vale uma empresa de voluntários? Quanto vale uma empresa de pessoas felizes? Quanto vale um trabalhador em harmonia com a sua dimensão familiar? Quanto vale em sustentabilidade, em retenção de talento, em gestão da mudança, em inovação, em «commitment», em «extra mile», em alinhamento? Quanto vale em quebra de absentismo e em produtividade?

Quanto vale o amor como pesticida contra o egoísmo, a vaidade, o despique interno, a ganância, a tensão entre pessoas que devora estupidamente energias caríssimas?

Quanto vale a confiança nos negócios? Quanto vale um cliente ou um fornecedor  que acredita que será sempre tratado pela outra empresa como ela  cuidaria  de  si mesma? Quanto vale em relações comerciais recorrentes, em planeamento estratégico, em eficiência, em gestão da marca? Quanto vale um parceiro no lugar de um cliente ou de um fornecedor?

E abram a vossa alma a esta pergunta: quanto vale um jovem? Quanto vale esta nova geração que criámos nos últimos dez vinte anos e que está a partir e a encantar o mundo?  Quanto vale esta nova geração se for orientada por valores e por ideais e não apenas por objectivos?

10 – Num país onde, segundo o Census de 2011, nove em cada dez   portugueses se dizem cristãos, este tema ganha ainda mais premência: como vivermos segundo os fundamentos da nossa fé e da nossa   cultura, incluindo na economia?

Não tenhamos medo das perguntas que o amor fará, desde logo nos debates de amanhã. Sobre distribuição de valor, sobre meritocracia, sobre segmentação de remunerações, sobre salários justos, sobre família e trabalho, sobre a vaidade nas organizações e tantas outras. Não tenhamos medo se o amor nos pedir os KPY’s sobre os seus próprios efeitos nas organizações.

Não tenhamos medo do deserto, a começar pelo deserto das  nossas próprias empresas. Não tenhamos  medo da indiferença, do cepticismo ou do cinismo.  Não tenhamos medo da nossa própria fragilidade.

Recusemos o pessimismo espiritual moderno, que nos diz que Deus está desencantado ou mesmo zangado com o nosso mundo.

Os talentos concedidos aos responsáveis empresariais são, eles próprios, a melhor evidência de que o plano de Deus passa pelas nossas empresas e do amor de Deus pela nossa vocação empresarial. Deus deu aos líderes empresariaiso dom do risco, o dom da liderança, o dom do negócio, o dom da visão, o dom da organização, o dom de não quebrar. O dom da energia, o dom de empreender, o dom da insatisfação, o dom de exigir. O dom da estratégia, o dom da autoridade, o dom de decidir, o dom de criar a partir do nada.

Cruzem todos estes dons com o amor e imaginem quanto Deus espera de cada um de nós.