Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa,
Senhor Presidente da Comissão Europeia,
Magnífico Reitor da Universidade Católica Portuguesa,
Senhores Presidente e Vice-Presidente da ACEGE,
Senhores Empresários,
A responsabilidade ética e social das empresas, dos empresários e dos gestores é uma questão que tem vindo a adquirir uma relevância crescente, devendo ser reconhecida e tratada como um dos elementos centrais de qualquer processo de desenvolvimento.
É justo, por isso, elogiar a oportunidade deste 4º Congresso Nacional da Associação Cristã de Empresários e Gestores, bem como o trabalho que a ACEGE tem vindo a desenvolver. A promoção e a adopção de elevados padrões éticos na condução das empresas são de crucial importância para o progresso económico e social do nosso país.
É hoje seguro afirmar que, na génese da crise financeira e económica que o mundo enfrenta, muito pesaram a violação de normas éticas e a adopção de comportamentos de risco cujo impacto sobre o sistema financeiro e o bem-estar das populações não foi devidamente ponderado.
Para além da imprudência e, mesmo, da incompetência reveladas na avaliação e tomada de riscos, muitos foram os gestores financeiros que, simplesmente, perderam o sentido da decência, como afirmou recentemente o Presidente da República da Alemanha.
A assunção de riscos desproporcionados e a falta de transparência do sistema financeiro acabaram por ser estimuladas por uma regulação insuficiente, por uma supervisão deficiente e por uma visão imediatista do sucesso económico e empresarial e do desempenho individual.
Criou-se, assim, um ambiente de exuberância objectivamente desligado da realidade e incapaz de antecipar os custos sociais de um eventual colapso do sistema.
Por detrás das estatísticas e dos gráficos que identificam a crise estão trabalhadores que perderam o emprego e investidores que perderam as poupanças de uma vida e cujos projectos e ambições foram destruídos num ápice.
Quando os benefícios são exclusivos de alguns mas a contrapartida é uma provável socialização das perdas, exige-se que sejam impostas condições muito rigorosas à tomada de riscos e que se adopte uma vigilância determinada sobre a gestão desses riscos – por parte dos reguladores, mas também por parte das próprias instituições financeiras.
Creio que faltou vontade política e económica para questionar o caminho que estava a ser seguido e que há muito suscitava reservas.
É legítimo, por isso, dizer que a ausência de valores nos mercados, na política e nas instituições financeiras terá sido uma das razões de fundo explicativas desta crise.
Este diagnóstico implica, desde logo, que a repartição dos custos da actual situação económica deve colocar em primeiro plano a dimensão ética. Só assim estaremos a responsabilizar o passado e a salvaguardar o futuro.
Trata-se, de resto, de uma exigência permanente na actuação dos decisores políticos. Mas ganha ainda maior relevância na actual conjuntura: os valores de justiça, de equidade, de responsabilidade social e de coesão devem estar bem presentes nas soluções de natureza financeira ou económica que venham a ser adoptadas.
Seria um erro muito grave, verdadeiramente intolerável, que, na ânsia de obter estatísticas económicas mais favoráveis e ocultar a realidade, se optasse por estratégias de combate à crise que ajudassem a perpetuar os desequilíbrios sociais já existentes ou que hipotecassem as possibilidades de desenvolvimento futuro e os direitos das gerações mais jovens.
Este é um risco efectivo. Muitos dos agentes que beneficiaram do status quo – e que tiveram um papel activo nesta crise financeira – continuam a ser capazes de condicionar as políticas públicas, quer pela sua dimensão económica quer pela sua proximidade ao poder político.
Acresce que, num cenário de dificuldades, e sob a pressão da necessidade urgente de agir, as decisões nem sempre são ponderadas devidamente, acabando por abrir espaço para o desperdício de recursos públicos ou para a concentração desses recursos nas mãos de uns poucos, precisamente aqueles que detêm já maior influência junto dos decisores.
É crucial, para o equilíbrio das relações sociais e para o futuro do sistema de economia de mercado, evitar que isto aconteça.
Seria um erro, no entanto, pensar que a obrigação de acautelar os princípios de justiça, de equidade e de coesão recai apenas sobre os decisores políticos. É nas empresas e no diálogo entre elas e dentro delas que começa esta responsabilidade.
Nos últimos anos, assistiu-se, em muitos países desenvolvidos, a uma crescente fragilização do tecido social, resultado de uma enorme complacência face às desigualdades de rendimentos e de direitos e aos ganhos desproporcionados auferidos por altos dirigentes de empresas.
Este é um quadro insustentável e que urge alterar. Seria política e socialmente perigoso e eticamente condenável que a crise fosse aproveitada para acentuar esta fragilidade, repercutindo os custos da actual situação económica sobre os mais desprotegidos.
Pelo contrário, este momento deve ser assumido como um ponto de viragem. Mudaram a percepção e o juízo que os cidadãos fazem daqueles que comandam a política, a economia e a finança. Sem uma liderança clara na projecção e defesa de um sistema de valores, muito dificilmente será recuperada a confiança necessária para vencer a crise.
É preciso ter coragem de, em vários domínios, começar de novo.
É urgente que os decisores reajustem as prioridades e corrijam as injustiças e os erros que a crise desmascarou. Devem fazê-lo com sentido de humildade.
É urgente colocar no topo da agenda, ao lado da liberdade, a responsabilidade, a solidariedade e a coesão sociais, e compreender a importância que a verdade, a transparência e os princípios éticos têm no bom funcionamento de uma economia e no desenvolvimento de uma sociedade.
Valores como o humanismo, a justiça, a generosidade e o espírito público fundaram o pensamento económico pioneiro de Adam Smith. Neste momento, é crucial que os empresários e gestores, primeiros beneficiários deste pensamento, não esqueçam a sua lição.
Senhores Empresários
Senhoras e Senhores
Todos sabemos que a economia portuguesa enfrenta desafios conjunturais e estruturais muito sérios.
No curto prazo, é essencial estabilizar e restaurar a confiança no sector financeiro, de preferência no contexto de uma maior cooperação no espaço da União Europeia e da zona euro. Mas é essencial, também, que este processo seja acompanhado pela defesa do emprego e por uma resposta pronta e eficaz aos problemas de natureza social.
Não se trata de governar para os números, nem para as estatísticas. Estão em causa problemas concretos de natureza social, que geram situações de desespero e afectam com especial gravidade os mais desprotegidos. Problemas cuja resolução é uma responsabilidade política e, mais do que isso, uma condição necessária para a estabilidade da nossa democracia.
A par do agravamento do desemprego e do endividamento excessivo, aumentam as situações de carência alimentar, de famílias que não conseguem suportar os encargos de educação dos filhos, de instituições de solidariedade às quais escasseiam os recursos para responder aos novos casos de emergência social que lhes batem à porta.
Só quem não conhece o que se passa no terreno, quem não contacta com as consequências da crise, não se apercebe do alastramento dos novos riscos de pobreza e não compreende a dimensão do custo social para o País das políticas que favorecem o enfraquecimento dos laços familiares.
Este é um período em que se pede ao Estado um maior activismo.
No entanto, esta não é altura para intervencionismos populistas ou voluntarismos sem sentido. Os recursos do País são escassos e é muito o que há ainda por fazer. É preciso garantir o máximo de transparência na utilização dos dinheiros públicos. Desde logo, por uma questão de respeito para com os contribuintes.
Não podemos desperdiçar recursos em respostas que mais não fazem do que deixar tudo na mesma ou tornar ainda mais apertado o caminho do nosso desenvolvimento futuro.
Pelo contrário, é crucial que a intervenção pública seja ponderada e rigorosa, visando claramente a resolução de problemas concretos e a preparação dos desafios futuros.
Este é também um tempo em que às empresas portuguesas se exige rigor económico, visão estratégica e, igualmente, clarividência social.
É importante que a responsabilidade das empresas não se esgote na sua área específica de negócio e inclua a promoção da justiça, da equidade e da valorização humana.
Há que aproveitar as potencialidades do diálogo no interior da empresa, entre gestores e trabalhadores, no sentido de promover respostas articuladas à crise e de aproveitar ao máximo os recursos humanos disponíveis.
Esta mensagem é particularmente adequada para as empresas com vocação exportadora. As vantagens adquiridas por estas empresas no mercado externo dificilmente serão recuperáveis caso se percam agora. Entendo, por isso, que a responsabilidade destas empresas é ainda maior, pelo que todo o esforço deve ser feito no sentido de enfrentar de forma coesa os desafios actuais, preparando, desde já, o período pós-recessão.
Seria também inaceitável que as respostas à crise levassem ao agravamento dos problemas estruturais que Portugal enfrenta: excessivo endividamento externo, finanças públicas deficitárias, baixa produtividade, debilidade face à concorrência externa e divergência persistente face à média europeia.
O caminho passa por acudir àqueles que mais sofrem com a crise, mas também pela preparação do Portugal que queremos para o futuro.
Há que actuar sobre os factores que são críticos para o nosso crescimento futuro e preparar o País para estar na primeira linha da recuperação da economia mundial. Isto exige políticas públicas adequadas, mas também uma atitude responsável e competente por parte das empresas.
As recessões, muito embora difíceis e penosas, não constituem uma ameaça à sobrevivência da economia. É fundamental, no entanto, saber gerir com rigor nos períodos recessivos, preparando com ponderação as oportunidades que irão surgir à medida que as perspectivas económicas melhorem.
O pior que nos poderia acontecer era a crise acentuar a tendência, bem nociva para o País, de algumas empresas procurarem a protecção ou o favor do Estado para a realização dos seus negócios.
Empresários e gestores submissos em relação ao poder político não são, geralmente, empresários e gestores com fibra competitiva e com espírito inovador. Preferem acantonar-se em áreas de negócio protegidas da concorrência, com resultado garantido.
É crucial que os empresários e gestores percebam que a sua autonomia em relação ao poder político é, a médio prazo, decisiva para o seu sucesso e garantam que as suas empresas sejam inovadoras à escala global e não apenas aproveitadoras das oportunidades existentes no mercado português.
Tenho confiança nas capacidades da grande maioria dos empresários e gestores nacionais. Tenho plena confiança nos Portugueses.
Mas não nos enganemos a nós próprios: os meses que aí vêm serão difíceis e o ano de 2010 não será fácil.
Não ignoro que Portugal pode vir a enfrentar um período de contracção ou estagnação económica e de aumento do desemprego mais prolongado do que muitos pensariam no início da crise. Esta é uma possibilidade para a qual devemos estar preparados e que exige uma atenção por parte dos empresários, gestores e responsáveis públicos que deve ir muito além do mero desempenho empresarial ou pessoal.
Trata-se, sobretudo, de um desafio de natureza ética, agora com exigência acrescida.
A responsabilidade social das empresas não pode ser um conceito vão ou uma estratégia de conveniência. É pela interiorização e aplicação desta ideia, de par com o reforço dos valores na vida pública, que passa a resposta aos desafios do presente e a construção do futuro de Portugal.