Antes de mais, o meu muito obrigado à direcção da ACEGE, na pessoa do Dr. João Alberto Pinto Basto, que me fez este convite e também ao Dr. José Roquette que preside a este painel e que é o grande mentor deste nosso Código de Ética.
Vou procurar apresentar aqui uma abordagem global aos Códigos de Ética, centrada nos seus “valores” e nos seus “limites”. Provavelmente a minha posição vai-se ressentir do facto de eu ter sido professor, durante 24 anos, na Faculdade de Economia do Porto e agora, mais recentemente, em Aveiro.
Nas questões ligadas à ética, normalmente diz-se que “há falta de ética”, mas eu costumo dizer que, na verdade, “há é ética a mais”, a ponto de cada um ter a sua. Esse é hoje o nosso problema: o da descredibilização da ética, da perda do seu carácter universal, que obriga a compromissos com valores duradouros.
Será que ainda não descobrimos que o pequeno mundo dos negócios é um mundo muito grande e que, pelo contrário, o grande mundo dos negócios é um mundo muito pequeno. O primeiro é o mundo do “biscateiro” pouco sério, de um simples canalizador, por exemplo, que sente viver num mundo sem fim para actuar, e hoje mais ainda quando, graças ao telemóvel, se pode sentir ainda mais à vontade para não cumprir ou mesmo enganar muita gente porque sabe que há muita mais para enganar. Pelo contrário, quem actua no grande mundo dos negócios cedo tende a perceber como esse mundo é cada vez mais pequeno. Provavelmente a pessoa que comete um grande erro, dificilmente tem uma segunda oportunidade, num mundo tão interligado.
Ética e Códigos de conduta: Por quê e para quê?
Os códigos de conduta têm vindo a merecer crescente atenção nos últimos anos, embora nem sempre por motivos estritamente éticos. Sabemos bem que a ética também pode ser usada pelas piores razões, como sabonete, perfume ou pasta de dentes. Uma das questões fundamentais é pois saber destrinçar quais são as razões verdadeiras para o comportamento ético.
A ética tem alguma ambivalência. Costumo compará-la aos netos em casa dos avós. Quando os netos não estão, os avós passam a vida a clamar por eles e, às vezes, quando estão lá o tempo suficiente para os fazer perder a paciência (quiçá partindo mais uma peça de valor), os avós só pensam na hora em que os vêm buscar. Em relação à ética, funcionam, às vezes, um pouco assim. Sabemos que as coisas não estão bem, mas frequentemente achamos que as coisas seriam mais facilitadas, se a ética não perturbasse. Há até gente mais atrevida que, cinicamente, pode ser levada a pensar que o ideal é que a ética fosse só para os outros. É essa também a verdadeira aspiração de uma qualquer quadrilha de ladrões: não ter concorrência. Os ladrões, como se sabe, não gostam de gente desonesta.
A ética, mais do que condenar, promove.
No nosso mundo bem latino, um dos aspectos importantes a ter em conta e que dificultam a abordagem da temática ética é que normalmente as pessoas ligam a ética à parte negativa: não roubar, não matar… Daí que, seguindo o lema de que o proibido é o apetecível – se tenda a achar que desrespeitar a ética seja o máximo. O verdadeiramente grave não é a pessoa roubar, é ser apanhada a roubar.
Ora o essencial da ética tem a ver com uma parte positiva. Os nossos grandes atletas, como Rosa Mota ou Carlos Lopes, para irem aos Jogos Olímpicos tiveram de cumprir uns mínimos, mas só puderam ganhar medalhas olímpicas porque foram capazes de impor a si mesmos elevadíssimos graus de exigência. O essencial da ética tem a ver com esta parte positiva, tem a ver com aquilo que normalmente se costuma chamar uma ética das virtudes ou de excelência. Uma ética de ´máximos´ a que o povo se costuma indirectamente referir quando, por contraposição, diz que a “moral está em baixo”. Uma ética que nos permite atingir metas que de outra maneira ficariam distantes.
Valor e limites dos códigos éticos
A temática dos códigos éticos deve servir para mostrar que a ética não é a fria aplicação das normas. Uma das atitudes bastante graves é interpretar a ética, como se fosse uma fórmula, como se fossem receitas. Toda a gente sabe que a pessoa com receitas, só por si, não chega a fazer bolos e, ainda mais, se essas receitas são aplicadas de forma fria.
A ciência da ética não se deve fixar nas “muletas”. Elas podem até ser muito importantes, mas a ciência da ética não se deve fixar nas “muletas”, deve assentar antes no dever ser próprio da pessoa livre e consciente. Mais do que as “determinações”, o essencial da ética é a “auto-determinação”. Isto tem muito a ver com a origem das profissões liberais, tem a ver com a ideia de que a pessoa é capaz de se autodeterminar. As “muletas” do dever ser podem até ser vistas como estruturas do bem, mas não são o Bem.
Nesse sentido, é sempre bom lembrar que “o mapa não é o território”. Se eu preciso de chegar à Covilhã, é importante ter um bom mapa, mas o mapa não é o território. Do mesmo modo que “o menu não é a comida”. O que não impede que, muitas vezes, quando se fala de códigos de ética se discutam menus e mapas. É muito importante ter bons mapas, é melhor do que ter maus mapas, mas é grave proceder, como se o mapa fosse o território ou o menu a comida.
Códigos de Conduta: Exigências e Recomendações
Esquecemos muitas vezes que um dos objectivos dos códigos de conduta é auto-regular a própria actividade, antes que a legislação o faça por nós. O essencial tem a ver com a auto-regulação que é inseparável não só da regulação, mas também da hetero-regulação.
Importa ainda acentuar a ideia de que devemos partir do convencimento que os usos corruptos acabam por viciar a vida de qualquer realização, a corrupção é que corrompe, não o dinheiro ou o poder. É evidente que o poder e o dinheiro podem condicionar, e condicionam, mas, em última instância, a corrupção é que corrompe, não o dinheiro ou o poder. O General de Gaule, numa certa altura, teve que escolher uma pessoa para um lugar muito importante,. Estava na Argélia, antes de ser Presidente da República Francesa. Fez várias entrevistas e, em relação a uma delas, depois de a ter ouvido demoradamente uma pessoa, virou-se para o seu chefe de gabinete e disse: “Eu não gostei nada da cara deste sujeito!” O que levou o seu ajudante de campo, que era um bom homem, a dizer-lhe: “O homem não tem culpa nenhuma da cara que tem!” E o General de Gaule respondeu: “Não! Cada um é responsável pela cara que tem!”. De facto, hoje, vivemos quase num desequilíbrio para o outro lado. O que pode levar, em nome de um falso social, ao fomento de comportamentos anti-sociais.
O que é o suborno?
Há dois tipos de critérios para responder a esta questão. Um critério extrínseco, embora aparentemente correcto, é: se podes comê-lo, bebê-lo ou fumá-lo num só dia, então não é um suborno. O segundo tem um carácter mais intrínseco e diz que um suborno é aquilo que é suficiente para distorcer o julgamento da pessoa. Pode até ser uma coisa mínima. Este é um critério mais interior, mais ético no sentido autêntico do termo.
Há ainda um outro critério que pode até parecer mais politicamente correcto, é uma espécie de critério de sustentabilidade. A base de sustentação deste critério é: se fosse tornado público, suscitaria embaraço e traria consequências para a organização?
O que mais importa aqui é peceber os perigos de se poder cair no relativismo moral ou no utilitarismo.
Código na Prática, Exemplo e Responsabilidade
Como se sabe é muito difícil que um código de ética possa ser levado a sério se, quem está à frente da organizaçã, não é capaz de o traduzir em exemplo e sentido de responsabilidade. Isto é muito importante e prende-se com a ideia de que não são as empresas que são éticas, apenas os indivíduos o são e, por isso, o exemplo deve vir de cima. Um exemplo vale mais do que mil palavras, as crianças sabem isso, e os pais das crianças às vezes também descobrem, embora geralmente tarde.
O Código Como Bússola Ética Para a Boa Navegação
A introdução de um código de ética numa empresa pode ser a partir de vários ângulos. Dois deles são: a partir de fora e a partir de dentro da organização ou empresa. Vamos elencar uma série de elementos a partir destes dois pontos de vista.
A partir de fora, um Código de Ética permite:
– Antecipar determinado tipo de situações antes mesmo de estarem reguladas por lei, nomeadamente em termos de ecologia (o que está mal acaba por ser proibido) e de concorrência desleal;
– Melhorar a confiança dos investidores;
– Aumentar a segurança no mercado face aos especuladores;
– Atrair e adquirir empregados de alta qualificação moral;
– Melhorar a imagem da empresa.
A partir de dentro, o Código pode permitir:
– Promover modelos adequados de actuação;
– Conseguir uma maior homogeneidade cultural dos colaboradores dentro de uma empresa em expansão;
– Reforçar condutas positivas internas e desincentivar as negativas;
– Promover um são orgulho de pertencer à organização;
– Obter uma maior rendibilidade e reduzir custos funcionais, nomeadamente: objectivos pessoais versus objectivos da empresa ou do grupo;
– Proporcionar um quadro de referência participado;
– Aumentar a confiança e segurança dos clientes internos e externos;
– Dispor de instrumentos para resolver conflitos de interesses;
– Oferecer segurança no tratamento de informação;
– Oportunidades de negócios empresariais e pessoais.
Não embarcar em facilidades…
Julgo que uma das questões que pode ser extremamente grave quando se trata de códigos de ética é uma pessoa poder considerar que, para um bom código, bastam boas razões. A este propósito, podemos mesmo perguntar quais a razões que estão a levar os empresários a prestar cada vez mais atenção à ética. Eis algumas:
– A ideia de perda de controle, porque nada mais parece funcionar;
– Porque é parte da gestão do risco;
– Porque vimos o que aconteceu ao nosso concorrente que está envolvido num escândalo;
– Porque desejamos proteger a nossa reputação;
– Porque tentamos melhorar a nossa capacidade para trabalhar juntos, ultrapassando barreiras internas e externas;
– Porque é parte da construção de uma marca.
Mas todos sabemos que as boas razões, só por si, às vezes não garantem nada. Uma grande parte dos pais, por exemplo, educa mal os filhos e geralmente é por muitas boas razões e poucos bons exemplos.
Trindade ética
É tempo de passar a algumas noções de natureza teórica, aquilo a que chamei Trindade Ética.
A ética diz respeito, antes de mais, à relação comigo mesmo.
Hoje fala-se muito em Ética Social, Ética Política, Ética Económica, e muitas outras, mas, em última instância, a ética tem muito a ver com a relação da pessoa consigo mesma. Aliás, não é por acaso que a palavra “ethos” nos remete para a“toca do animal”, o sítio onde se guardavam os animais. Costumo dizer que se uma raposa (ou um lobo mau) resolve perseguir um coelho, o coelho só se sente à vontade para dizer que não gosta da raposa quando estiver na toca. Aí sente-se, com certeza, muito mais livre do que quando estava fora da toca para dizer que não gosta. O que nos remete para aquele filósofo grego que dizia só se ter sentido verdadeiramente livre quando tinha estado na prisão.Talvez, por isso, muitas vezes precisemos de nos enclausurar, de nos metermos na toca, para decidirmos em consciência, livres de pressões. Um meu professor de Filosofia costumava dizer que quando uma pessoa, antes de tomar uma grande decisão, pede para consultar o travesseiro, e se, na noite seguinte, consegue dormir bem – em cima da decisão que tomou ou que vai tomar – isso é um sinal indirecto de que a decisão é boa.
Daí que a consciência bem formada seja a principal fonte de uma decisão que se quer ética. É a partir desse foco interior que a decisão toca a consciência, ainda que, nas fontes da moralidade, para além das normas e das pressões externas, se deva entrar em linha de conta com outros aspectos, tais como: de intenção, objecto, circunstâncias e até consequências
Ética dos Mínimos e Ética dos Máximos.
Quando se envolvem questões éticas a pessoa deve fazer uma separação entre ética dos mínimos e aquilo que chama ética dos máximos ou das virtudes. Normalmente a ética dos mínimos é, num Estado de Direito, em grande parte recoberta por regras de um Estado de Direito. Por exemplo, se uma empresa se dedica a vender mixórdia, como se fosse vinho ou azeite, o Estado, provavelmente, pode e deve impedir esta prática, mas, ninguém pode obrigar, ou decretar que as empresas que vendem vinho ou azeite sejam todas de excelência. Pode-se e deve-se impedir que uma pessoa maltrate outra, mas não se pode nem deve obrigar o Manuel a gostar ou a amar a Manuela. Aliás, o próprio Adam Smith costumava dizer que a justiça deve ser imposta e a benevolência (a solidariedade ou a caridade) deve ser tanto quanto possível voluntária.
Ética da Primeira Pessoa e Ética da Terceira Pessoa.
Um aspecto que também é muito importante quando se avalia o comportamento que uma pessoa deve ter, é fazer uma consideração de os efeitos que um determinado comportamento tem sobre os outros. Pode-se chamar a isso Ética de Terceira Pessoa. É como se eu olhasse esse comportamento através de um observador imparcial, de um observador exterior. Eu minto sistematicamente, vigarizo sistematicamente, posso ver o efeito disso sobre as minhas vítimas, mas também posso ver sobre mim mesmo. Ao assim proceder, eu também estou a escolher ser um determinado tipo de pessoa. Com o nosso comportamento, cada um de nós acaba por escolher também construir-se ou destruir-me, enquanto pessoa.
Pilares de um edifício ético
– A Ética Profissional não é uma ética distinta da Ética Geral. Na base de muita corrupção, está a aceitação do desfasamento entre aquilo que seria uma ética pessoal e aquilo que seria uma ética familiar, uma ética na profissão, etc. Essa separação é extremamente perigosa. Aliás normalmente as pessoas da Mafia são “exemplares”, do ponto de vista de uma ética familiar.
– O sujeito da ética é a pessoa, não a associação ou empresa. Uma coisa é a responsabilidade jurídica mas outra é a ideia de que deve haver responsáveis individuais, um ou mais. É por isso que em geral se separam os autores materiais da autoria moral
– A ética é uma ciência prática: não se estuda para saber mais, mas para actuar. É uma ciência normativa; não diz como actua a maioria – isso seria sociologia, mas como deveríamos actuar.
Hoje em dia, um dos perigos com que deparamos tem a ver com confusão entre valores sociais e valores éticos.
– A ética é uma ciência teórica de carácter normativo, como a lógica, ainda que esta se dirija à razão e a ética à vontade. A ética diz-nos o que se há-de fazer, teoricamente, mas, uma vez conhecido, há que saber e querer aplicar esse conhecimento teórico, esse critério geral, a casos concretos e, muita vezes, complexos. É este, precisamente, o trabalho da prudência e da fortaleza.. A ética implica vontade, mesmo os “porcos” reconhecem que um país limpo é melhor do que um país sujo, só que, para manter a limpeza, não basta o saber, nem mesmo o saber-fazer, o querer-(saber-)fazer é decisivo e não se consegue sem disciplina. Por outras palavras,, a ética implica vontade e coragem para bem fazer.
– Não se deve confundir, por isso, Moral com Moralidade. O nosso grande problema não é tanto um problema de moral – aliás, nunca houve tantos livros de moral e tanta gente a dar aulas de moral – é mais um problema de moralidade. Daí que a relação próxima entre virtude moral e costume se torne evidente o conceito de “carácter”.
– A ética nem sempre coincide com a legalidade, nem tudo o que é legal é ético e nem tudo o que é ético é legal.
– Os comportamentos éticos devem nascer das convicções internas, quer sejam de natureza transcendente quer sejam de raiz humanista. Aqui pretende-se questionar os perigos de uma excessiva separação (Max Weber) entre ética de convicção e ética de responsabilidade. Importa perceber que o verdadeiro sentido da responsabilidade pressupõe a força serena das nossas convicções.
– A ética é algo para ser vivido todos os dias, não um remédio ou uma solução para quando surge um problema ou um conflito.
Para uma ética bem aplicada
Queria agora referir um princípio que já uso há muito tempo, que aprendi com R. Kidder. A sua tese é que as pessoas que iam comprar o livro dele eram pessoas boas porque se não, não comprariam o livro. O que Kidder pretende salientar é que mesmo as pessoas boas também têm dilemas éticos. De facto, os verdadeiros dilemas não têm a ver com escolhas entre o bem e o mal. Isso não são dilemas, são tentações. Os verdadeiros dilemas apresentam-se quando temos de escolher entre dois (ou mais) bens: justiça versus compaixão, confidencialidade versus transparência, verdade versus lealdade, entre muitos outros. Escolhas que implicam saber pesar, sentido de equilíbrio e capacidade de balanço, a par de muita prudência e fortaleza.
Juízos e Decisões
Esta distinção é também crucial, ainda que normalmente seja mal interpretada. Implica a recusa da chamada Tese da Separação. Há gente que no fundo diz o seguinte: há problemas financeiros, há problemas técnicos, há problemas ecológicos e há problemas éticos. Eu costumo dizer que verdadeiramente “não há problemas éticos”. Há problemas humanos que são pluridimensionais e em um dos aspectos a considerar é a dimensão ética. A dimensão ética é um aspecto que devo considerar em conjunto com outras. Uma visão realista do homem e dos seus problemas obriga a não absolutizar nenhuma das dimensões, nem mesmo a ética, ainda que esta dimensão seja nuclear. Portanto há várias dimensões a considerar, uma delas é de dimensão ética, e cada uma delas pode ser sujeita a juízos. Posso, portanto, para bem decidir – sobre a compra de uma casa ou um computador ou, a um outro nível a construção de uma ponte ou de uma barragem – fazer ou solicitar a especialistas um relatório ecológico, um relatório financeiro, um relatório económico. Mas quando se toma a decisão deve ser capaz de integrar estas diversas dimensões e por isso as decisões são integradas, embora os com base em juízos que podem ser parciais.
Liberdade e Bem
Este é um outro aspecto que também é muito importante, não há ética, não há dimensão ética, não há comportamento ético se não se é livre. Se eu for obrigado a escolher gostar da Manuela quer dizer o valor ético disso é quase nulo. Sem liberdade não há comportamento ético, o comportamento ético pressupõe que a pessoa possa faltar à verdade, possa mentir, possa escolher o mal. Mas, por outro lado, uma decisão não é ética só porque é decidida de forma livre. Não é porque as pessoas, numa dada reunião, decidiram livremente matar um inocente que faz com que esta decisão seja ética. Ela precisa de atender também a aspectos substantivos, ao Bem e ao Mal, e por isso não se pode perder de vista o Bem como inseparável da Liberdade. Daí que se possa dizer que a virtude é a livre escolha do bem.
Fundamento da Empresa
Costumo considerar que há um objectivo duplo a que as nossas empresas se devem sentir obrigadas: criar riqueza e prestar serviço. Uma empresa tem dois fundamentos, um Económico e outro Ético. A empresa é, de facto, hoje vista como sendo uma comunidade de pessoas com um objectivo que cada vez mais se considera ser bifronte: por um lado acrescentar valor económico, isto é, criar riqueza para todos os participantes na empresa. Este é o tal fundamento económico. E, por outro, prestar serviço à sociedade em que a empresa está inserida. É o seu fundamento ético.
Ética e estrutura de implicações
Temos aqui um cubo que normalmente é usado por um amigo meu, o prof. José Luis Fernandez da Universidade Pontificia Comillas. É uma espécie de cubo que relaciona a dimensão ética com uma estrutura de rendibilidade e suas implicações. Normalmente, como se dizia antes, a ética, mais que uma simples escolha entre o bem e o mal, tem implicações, que podem ser vistas segundo vários vectores ou linhas de abordagem. Uma coisa pode parecer muito ética em termos do meu comportamento individual e não o ser tanto, se eu atender à organização. A mesma tensão se pode dar se o apreciar num quadro mais alargado da sociedade ou mesmo da humanidade, sem esquecer a dimensão do ambiente. Posso considerar outros vectores. Um deles – que pode ser cruzado com o anterior – passa por considerar as decisões em horizntes temporariais diferente e que também podem estar em conflito: o curto, o médio e o longo prazo. Decisões que podem parecer más numa óptica de curto prazo, podem revelar-se boas numa perspectiva de mais longo prazo. Eu perdi um avião para ir para um lugar que achava de sonho, e achei gravíssimo, mas se, umas horas depois sei que o avião caiu, faço logo uma avaliação muito diferente. O mesmo se passa na vida das pessoas e das empresas, só que essa avaliação não tem um carácter tão imediato, necessita quase sempre não de horas mas de meses ou até mesmo anos para se tornar visível aos olhos de quem insiste em actuações sem futuro.
A ética presupõe, de facto uma economia de longo prazo. Exige um entendimento alargado, um quadro alargado de implicações, uma estrutura alargada de rendibilidade. Daí que se deva considerar ainda um terceiro vector, o dos Benefícios e Custos, Explícitos e Ocultos.
Hoje cada vez mais tem que se ter em conta que há benefícios implícitos e também custos implícitos e não apenas custos e benefícios explícitos. Do mesmo modo que hoje sabemos que certas doenças graves demoram tempo a revelar-se, embora menos a ser detectadas, se formos previdentes a diagnosticá-las (ou, sendo possível, a preveni-las), também na vida das empresas a sua saúde deve ser encarada à luz de um quadro alargado de múltiplas implicações para cada uma das nossas decisões. É bom de ver que a consideração destes três vectores obriga a uma mais cuidada ponderação da decisão, ao implicar um sempre difícil balanço, um bom equilíbrio na decisão e também vontade de a levar por diante, o que obriga ao bom cultivo de virtudes éticas.
Importância da Ética na Empresa
Quanto Vale a Ética? Quanto Custa? Há duas abordagens que são opostas, mas que são igualmente perigosas. Uma, é a ideia de que a ética é um custo, um luxo a que (não) nos podemos permitir. Outra, igualmente perigosa, e que foi denunciada ontem aqui pelo Sr. D. José Policarpo, é a ideia que a ética dá dinheiro. Se calhar a ética até dá dinheiro, mas essa não pode ser a razão para uma pessoa ser ética. O que acontecerá se amanhã não der dinheiro?
O mais saudável é tratar de perceber que vivemos num mundo em que a ética conta e vai passar a contar cada vez mais – isso ajuda a explicar a razão do título de um livro meu: A contas com a ética empresarial (Princípia). Daí que a ética possa ser vista como uma dimensão a explorar em vários âmbitos da empresa ou mesmo como uma janela de de oportunidades e de compromissos.
Um, em termos de de justiça e de humanidade, de ideal menor e maior, ou, como diria A. Smith, de benevolência ou caridade.
Outro, em termos de dois grandes âmbitos ou níveis: voluntário, a que devo aspirar, e obrigatório, que deve ser visto quase como algo que devo impor a mim mesmo.
Distinções que vêm muito a calhar para uma rápida abordagem dos tipos de códigos de ética e das responsabilidades sociais da empresa.
Códigos de ética: tipologia
Quanto aos códigos de ética podem dividir-se em três grandes tipos:
Aqueles que se fixam no essencial: a missão (razão de ser da empresa), a visão (o que a empresa espera vir a ser?) e os valores da empresa, os seus padrões de conduta e, eventualmente, as boas práticas do seu negócio.
Outros vão mais longe, pretendem que os códigos descrevam de forma mais ou menos detalhada o normativo ético mínimo que deve reger a relação da empresa com o conjunto dos “stakeholders” de modo a garantir um bom relacionamento. São os códigos funcionais.
Há ainda o que alguns chamam códigos normativos que tendem a estabelecer regulamentos internos muito completos e de natureza restritiva.
Vale talvez aqui dizer que muitas das grandes empresas que hoje estão na moda por conhecidos escândalos se podia gabar de ter códigos deste último tipo. De facto não são as empresa que são éticas ou não, apenas os indivíduos o são. O exemplo deve vir de cima, por isso, um código, por melhor que seja nunca será suficiente. Sem exemplo e responsabilidade de que está no topo pode transformar-se mesmo num biombo que esconde um campo de cultivo de cinismo.
Quatro Responsabilidades Sociais Comuns a Todas as Empresas
– Produzir bens e serviços de qualidade com o intuito de satisfazer necessidades humanas;
– Produzir com eficiência não desperdiçando recursos evitando custos desnecessários.
– Um aspecto que normalmente não é considerado muitas vezes que é garantir em especial pelas empresas familiares, garantir a quantidade da empresa e a sua auto-continuidade, o chamado espírito custódio ou passagem do testemunho;
– Um outro aspecto também aqui aflorado que é fundamental que é inseparável que não está por ordem quer dizer são aspectos que têm de ser considerados conjuntamente, interligados garantir o desenvolvimento humano dos seus membros uma vez que esta é a primeira condição de qualquer organização.
A simples implantação de um código de comportamento não assegura que se apreciem e se pratiquem os valores e normas que nele se estabelecem. O código de conduta é algo que se pode aprender, enquanto a rectidão moral e a competência profissional se adquirem com esforço dentro de uma comunidade de aprendizagem e graças a contínuos exercícios de ensaio e erro de equívocos e melhorias. O que aqui se quer chamar é a atenção é que desde o momento em que a pessoa quer ter uma licenciatura em Economia ou Engenharia isso significa que tem uma licença para o exercício de uma profissão. Mas a competência da profissão vai-se adquirir também na ética. As pessoas passam no código, no código de estrada isso não é garantia de que as pessoas tenham um comportamento cívico na estrada isso pode-se aprender, um tipo pode passar.
Em suma o código de conduta – como toda a norma – representa num ideal de comportamento, mas o comportamento real não reside na norma, mas na virtude.
Para o código, basta uma aprendizagem teórica, mas virtude requer uma aprendizagem prática: a virtude adquire-se.
As normas têm sentido na medida em que facilitam a aquisição de virtudes, ao ensinar o que se deve fazer e o que convém evitar. O que se costumava dizer que em grande medida isto tem a ver com Hábitos. Da mesma maneira que as virtudes exigem habituação, um tipo ser sóbrio, também ser bêbado exige habituação. Um tipo não se transforma em bêbado num programa.
Eis-nos chegados ao último slide e às suas duas citações.
A primeira diz que a “ Honradez é a Melhor Política”.
É com ela que termino muitas vezes acções de sensibilização para altos quadros de empresa e que poderá, erradamente, ser entendida como uma espécie de conclusão. Ora o meu objectivo é alertar para a ambiguidade desta afirmação
Um arcebispo de Dublin disse um dia que quem afirma que“a Honradez é a Melhor Política…” não é um homem sério. Há de facto que fazer a distinção entre a Honradez como característica da pessoa e a honradez como mera política. É que se a pessoa se torna honrada só por razões de política, ou pior, porque é politicamente correcto ser honrado, isso é muito perigoso. É melhor do que defender que a desonestidade é a melhor política, mas não chega. Ser honrado é infinitamente melhor do que não ser honrado, dizer que a ética dá dinheiro é muito melhor do que dizer que é um custo, mas apesar disso e desta frase poder parecer uma coisa consensual é, de facto, também extremamente perigosa. O que acontecerá amanhã se não dá dinheiro, se deixar de ser a melhor política?
Por isso costumo acrescentar que não bastam boas políticas, muito menos boas leis: “As leis e os códigos nunca poderão substituir o carácter”.
Em tempo em que a ética está na moda e muitos de nós, às vezes, sem querer (ou pior, querendo), tendemos a cair na tentação de usar a ética para dar nas vistas, a gastar energias para fazer a empresa aparecer, simplesmente por parecer muito ética, importa deixar como recomendação uma das mais silenciosas indicações sobre a boa medida do bem fazer – e que tem a virtude de também ser ecológica : “O Bem Não Faz Barulho e O Barulho Não Faz Bem”.
José Manuel Moreira
https://acege.pt/Lists/docLibraryT/Attachments/16/JoseManuelMoreira.jpg