Comentário Estudo Empresa e Escola

1884
Começo por agradecer este convite honroso para aqui estar, e associar-me às palavras do João Pinto Basto dizendo que este bisturi analítico do Carlos Liz é único, e quero prestar homenagem uma vez mais em público, porque ele consegue aliar este bisturi analítico a uma qualidade rara que é a sabedoria das sínteses, como ficou aqui bem demonstrado.

Quando comecei as minhas lides da educação exactamente em 1968 estava em gestação, um instrumento fundamental de política pública que o então Ministro, Inocêncio Galvão Teles, lhe chamava o Estatuto da Educação Nacional. Lembro-me com particular saliência que nesse estatuto havia uma secção dedicada às questões da relação entre escola e empresa, portanto as questões não são novas. Secção essa onde se dizia esta coisa estranha na altura, que a escola tem que se parecer cada vez mais com a empresa. O que se queria dizer na altura, na simplicidade ou num certo reducionismo, é que a escola tinha que importar para o seu seio regras e métodos de gestão empresarial e gestão privada que, julgo eu, só lhe podem fazer bem. Não tanto que a escola virasse empresa, porque eu julgo que ninguém nesta sala entenderá que uma escola deve ser empresa, são duas realidades distintas, cada uma tem a sua própria natureza.

Portanto eu vejo com muito interesse este outro ângulo, que é relativamente inédito, que é como é que do lado da empresa, ou do empresário, são coisas distintas, se deve olhar para a escola? Isso pode trazer uma reflexão com valor acrescentado sobre a escola, mantendo, repito, a autonomia de cada instituição.

Ora justamente, eu escrevi um artigo sobre os absurdos da gestão do sistema educativo na perspectiva empresarial, não vou aqui recapitular o artigo, mas dar-vos algumas luzes para aqueles que estão mais distantes da escola. Imaginem que teriam que gerir uma empresa com o orçamento anual na ordem dos 8.000 milhões de euros, com 250 mil trabalhadores, e começa a ser mais assustador, que teriam de ser regidos por regras de gestão burocrática e corporativa, não podendo ser avaliados, ter prémios e sanções decorrentes da sua prestação. Além disso, teriam, grosso modo, 16 mil filiais no país sem nenhuma autonomia, identidade ou projecto próprio. Isto é, seriamos gestores, de uma empresa que estaria proibida, interditada de fazer qualquer segmentação de produto, ou de processo na sua relação com os clientes. É isto que dito com algum extremo é a caricatura do sistema educativo, e é o drama que eu, e todos aqueles que estiveram antes de mim e que sucederam no Ministério de Educação viveram.

Portanto, chamo a atenção disto para se compreender algumas das mais severas desarticulações, irresponsabilidades, ou melhor, desresponsabilidades, a escola não é responsável porque não tem autonomia para o ser.

 Aquilo que eu julgo que pode diferenciar no mercado o empresário de um empresário cristão, não é a criação de riqueza pois ambos procuram, mas enquanto que o empresário se preocupa essencialmente ou exclusivamente com a criação de riqueza económica, um empresário cristão deve procurar criar riqueza social, isto é, que seja um empreendedor social, que se ocupe além da preocupação que é natural como cidadão, se ocupe com o destino da sua escola, na medida em que o futuro da nação passa pela escola, se temos escolas desanimadas, professores incompetentes, regras desresponsabilizantes, dificilmente teremos um futuro brilhante à nossa frente.

o novo figurino da escola onde já se propõem algumas ideias de fundo, nomeadamente a liberdade de escolha e o direito irrenunciável, mais do que o direito base de escolher o modelo educativo para os filhos, que é a liberdade de oferta de modelo educativo. Parece-me preocupante que uma amostra significativa de empresários, não tenham traduzido esta preocupação, uma tradução essencial da sua maneira de ver a escola, porque então, eu só posso concluir que isto revela uma endémica cultura estatizante em Portugal. Desculpem dizê-lo com esta brutalidade, porque se nós cidadãos, nós empresários, achamos que seria absurdo hoje que não houvesse liberdade de criação de empresas, não houvesse liberdade de concorrência económica, como é que nos podemos coibir de defender com igual rigor e com igual energia a liberdade de criação de escolas particulares e privadas, de projecto educativo próprio. Parece-me que de facto, não pode haver dois pesos e duas medidas em relação à sociedade como um todo, como parece estar aqui traduzido nesta inexistência, ou ausência de referência a esta questão, que eu considero essencialíssima também ao futuro da escola, ao futuro da educação e ao futuro da sociedade portuguesa.

Há aqui conceitos extremamente interpeladores e interessantes na questão da experiência pensada. Está aqui a consagração do aprender, aquilo que é no fundo, a ideia essencial da evolução da gestão das pessoas nas empresas, a ideia das “learning organisations”, que é aprendizagem experiencial, isto é que as pessoas podem aprender dos livros mas aprendem sobretudo com a vida como dizia Sócrates, nada vale a pena viver se nós não aprendermos com a vida. Portanto a empresa é uma escola de vida, neste sentido a empresa pode ajudar a escola a ser entidade aprendente porque o problema é que, infelizmente a escola é muito ensinante, e durante muitas décadas, partiu sempre dum princípio errado, a meu ver, é que um jovem à custa de ser muito ensinado, vai aprender muito. Errado, não está demonstrado isso, não está nada demonstrado, que o muito ensinar leva necessariamente ao muito aprender.

Seria interessante que na sequência deste estudo pudéssemos vir a imprimir uma nova dinâmica, aquilo que se chama aprendizagem em Portugal, onde os jovens possam aprender não tanto em ambiente formal, mas possam passar 3 ou 4 dias por semana numa empresa em posto de trabalho concreto e 1 ou 2 dias por semana em ambiente formal numa escola, aliando o melhor dos dois mundos e não tendo que estar 18 ou 16 anos numa escola antes de começar a contactar com a realidade de uma organização do trabalho. Parece um pouco absurdo que no mundo de hoje tenhamos que segmentar de maneira tão drástica, períodos da vida duma pessoa.

Há uns anos atrás, mais exactamente julgo que em 1996, nos Estados Unidos, nasceu uma grande iniciativa que durou 5 anos, à boa maneira americana, tinha um período, uma missão, um mandato concreto, não era uma coisa eternizada. Uma iniciativa chamada “Forum on education and thecnology” constituída por cerca de 300 empresários, depois alargou-se para vários milhares, que se preocuparam, na sequência daquele célebre relatório que referia que durante a guerra fria se a América fosse atacada pelos russos, regimentávamos toda a gente e defendíamos. No entanto, hoje nos EUA estamos a ser atacados, estamos a ser minados, não pelos russos, mas pela falta de qualidade da nossa escola, no desânimo da nossa escola, e não estamos a reagir e é preciso regenerar o país, regenerar a escola, porque a nação está em risco. Na sequência desse apelo, foi criado o fórum essencialmente para ajudar a reflectir e avaliar. Nesse sentido fizeram-se avaliações anuais do estado da escola americana, com critérios que os empresários estabeleceram como os essenciais para avaliar a escola do ponto de vista da comunidade empresarial americana e ajudaram depois escola a escola, nas suas zonas de influência, a darem um salto qualitativo, no sentido de se virarem mais para o sentido das suas responsabilidades, para se equiparem melhor com tecnologias, para se prepararem melhor para o futuro, para a sociedade de informação, etc.. Na Europa houve uma mesa redonda de empresários europeus, com os quais eu tive muitas reuniões no seio da comunidade europeia, no sentido da preparação do célebre livro branco de ensinar e aprender na sociedade de informação, depois o livro verde que nós fizemos, depois o livro azul, isto é muito cromático, mas é assim que a comissão funciona, são cores diversas que correspondem a estádios de maturação sucessiva dos livros. Ora bem eu invoco isso porque julgo que para além da preocupação que é legítima, era necessária alguma ocupação, no bom sentido do termo, que os nossos empresários e gestores fossem para a cabeça do touro, que se associassem, começando pelos empresários e gestores cristãos, no sentido de dizer: nós identificamos e agora cá estamos para exercer a nossa cidadania e a nossa cidadania empresarial, cá estamos organizados para ver como é que podemos ajudar a escola portuguesa a alterar-se.

Queria também deixar-vos este desafio, cuidar das competências dos nossos professores, foi dito aqui e bem, que há uma grande preocupação com os professores. Eu tenho a maior das preocupações e quando vivi nos Estados Unidos lancei um grande movimento chamado “The best for teachers”, e que procurava canalizar para a profissão de docente muitos jovens. O que acontece em Portugal hoje é que são os piores de cada geração, os que têm as mais baixas notas, os resíduos que não entram em mais nada é que vão para a escola do professores.

Meus caros amigos, se nós não temos consciência disso, ou tendo consciência disto, ignoramos isto e metemos a cabeça na areia, então estamos mal, porque a sociedade portuguesa está a condenar liminarmente o futuro das suas crianças com esta mediocridade geral do recrutamento dos professores. Dito isto, eu diria que o grande problema da nossa escola é este: vou dizê-lo brutalmente: O professor dos professores em geral e também dos universitários, em regra fez a sua escolaridade num ambiente cultural escolar, fizeram a sua formação de professores num ambiente universitário escolar, foram ensinar numa escola e estão lá há 10 ou 20 anos em ambiente escolar restrito, nunca tiveram nenhuma exposição pessoal, a um ambiente empresarial, a um ambiente autarca, a um ambiente diferente daquele em que viveram, foram educados e exercem profissionalmente. Não poderemos exigir nessas condições que os nossos professores tenham abertura às questões do mercado e a outro tipo de instituições, se os próprios professores têm apenas uma mono-cultura de formação e uma mono cultura de trabalho. Eu fiz uma vez uma proposta em Bruxelas, que me acharam louco, que dizia: os professores, obrigatoriamente, em cada período de 10 anos da sua carreira tinham que passar pelo menos 6 meses em empresa, eu acho que só lhes faria bem, aos professores e quiçá, fizesse bem às empresas.

Acho que há aqui muita matéria que pode mudar, o grande problema é que o problema não está tanto em resolver ideias novas, mas sim no abandono das velhas. Nós somos um país nesse sentido muito velho, que tem grande dificuldade em abandonar ideias. Temos que ter consciência que há três tipos de pessoas: Os que fazem acontecer as coisas, que são os empresários, e têm que fazer acontecer coisas novas aqui na educação, os que ficam a ver acontecer as coisas e os que perguntam o que é que aconteceu.

Nesta sala ninguém está aqui a perguntar o que é que aconteceu, com certeza.                           

Muito Obrigado.