Amor na gestão

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João César das Neves é economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas

Nestes dias quentes de Verão somos por vezes surpreendidos pela proverbial lufada de ar fresco. Sensação paralela encontra-se na leitura de alguns textos, como o recente livro de António Pinto Leite “O Amor como Critério de Gestão” (Principia, 2012).
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES

 

Com um título destes seria de esperar um chorrilho de disparates benévolos ou filosofias irrealistas. Por isso o raciocínio lúcido e operacional do volume surge inesperadamente refrigerante. O autor consegue sempre manter a integridade dos dois lados da insólita equação do título, resolvendo o que muitos consideram paradoxos impossíveis.

O estilo é sempre leve e interpelante, conciso e cortante, sem perder o rigor ou ceder no equilíbrio. Parte de um princípio simples: “o centro vital da ética cristã é o amor” (p. 23), ideia que repetidamente revolucionou o mundo e não perdeu eficácia ou vigor em 2000 anos. Só que Pinto Leite está a escrever para gestores actuais, que não podem perder tempo com poesias. O seu desafio é levar o princípio à prática sem negar nada dessa prática ou desvirtuar a inspiração. Até o laconismo das 84 páginas cumpre as exigências de administradores ocupados.

A questão é tratada como uma investigação, com sucessivas descidas ao “laboratório” para testar peças da demonstração. Os “instrumentos” usados para concretizar o conceito de amor na gestão (porque a gestão não precisa de concretização) são simples e evidentes. O primeiro é o amor próprio, tirando daí um critério operacional: “Amor ao próximo como critério de gestão significa tratar os outros como gostaríamos de ser tratados por eles com a informação de que dispomos” (28-29). Outras ferramentas usadas são o amor paternal (31, 48, 74) e a história da Europa (55).

O autor tem o dom de criar provocantes frases lapidares, do título à última página: “Modificação genética do conceito de lucro” (43); “valor económico do amor” (48); “A ética dos negócios arruma, o amor como critério de gestão desarruma” (71); “a empresa pode ser o terceiro anel de segurança” (65); “o amor é o mais poderoso critério racional de liderança de uma organização” (51); “para a construção ética da produção de riqueza, é essencial ir, metodicamente, ao encontro do sofrimento” (65); “Deus ama as nossas empresas” (39); “Um cristão não deve confundir Cristo com o princípio da boa-fé, nem o Evangelho com o Código Civil” (72).

A profundidade de reflexão conceptual e operacional por baixo da elegância e simplicidade transforma o texto num valioso pequeno guia espiritual para empresários. Mas isso não esgota o seu valor. Tratando-o como livro de gestão ressalta outro aspecto, a mudança de perspectiva. Os tratados da área costumam olhar as empresas como um mecanismo, gizando soluções funcionais para melhorar os resultados. Mesmo a crescente influência dos estudos psicológicos neste tema científico surge como uma engenharia do espírito, igualmente técnica e operativa. Neste livro a gestão é tomada como uma relação humana, livre, autónoma, não pré-determinada, componente de uma vida e personalidade muito mais ricas. Várias teorias recentes, obsessivas e simplistas, ganhariam bastante se adoptassem os métodos heterodoxos e intuitivos de Pinto Leite.

O centro do livro está no raciocínio que, em cinco passos, leva de “líderes humanizados” à “sociedade justa” (53-54). Uma cadeia vale tanto quanto o seu elo mais fraco, que neste caso é o terceiro teorema: “pessoas felizes fazem empresas produtivas”. Sendo aceitável que a felicidade aumente a produtividade, fica por provar que chegue para dar eficácia a aselhas. Dito de outro modo, o livro baseia-se na tese da não contradição entre amor e lucro, contemplando um “win-win” (62), ganhando em toda a linha. Mas são inegáveis os frequentes conflitos entre os dois objectivos. Que fazer nesses casos? Até aí o livro é claro: “A riqueza é uma consequência provável do amor (…). Mas amamos porque amamos, não porque o amor é vantajoso. Perder esta integridade significa perdermo-nos do sentido da eternidade” (62).