Proponho-vos uma breve reflexão sobre o específico de ser cristão e a necessidade de tornar presente o essencial cristão junto de cada pessoa nesta sociedade em que vivemos. Parto de uma simples verificação da realidade:
Observamos um processo progressivo e preocupante de descristianização que é acompanhado pela perda de valores humanos essenciais. Uma boa parte das pessoas que conhecemos, já não se confronta, com o Evangelho, e por isso não encontra uma resposta convincente à pergunta: que hei-de fazer para alcançar a vida eterna? Como viver a vida? Sem a experiência do encontro pessoal com Cristo não O tornaremos presente.
Duas observações prévias são necessárias: Primeira: resistamos à tentação da impaciência. Este não é o método de Deus. Na construção do reino de Deus o critério é a parábola do grão de mostarda. As grandes coisas começam sempre do pequeno grão, as grandes realidades iniciam-se com humildade, e os movimentos em massa são sempre efémeros. Segunda: a semente, ao cair na terra, morre. Esta lei natural é, juntamente com o mistério do grão de mostarda, lei fundamental para a presença cristã no mundo. Toda a história cristã o atesta: “sangue dos mártires é semente de cristãos”. Já o próprio Senhor o afirma quando diz que o reino de Deus exige violência, só que a violência de Deus é o sofrimento, é a cruz: “…quem perder a sua vida por Mim e pelo Evangelho, salvá-la-á…”.
1. Conteúdos essenciais a viver e a testemunhar
A) “Convertei-vos e acreditai no Evangelho”
A palavra converter-se significa: reconsiderar, pôr em questão o próprio modo de viver; não julgar simplesmente de acordo com as opiniões correntes, deixar entrar Deus nos critérios da própria vida. Converter-se significa então, não viver como vivem todos, nem fazer como fazem todos, não se sentir justificado em acções ambíguas, perversas, simplesmente porque há quem as faça. Significa começar a ver a própria vida com os olhos de Deus; procurar o bem mesmo se não é agradável; não se cingir ao juízo da maioria, mas ao juízo de Deus; procurar um novo estilo de vida, uma vida nova. Não é uma proposta de adequação a uma moral. Não é um moralismo. A limitação do cristianismo a uma moralidade faz perder de vista a essência da mensagem cristã que é o dom da comunhão com Deus. Quem se converte a Cristo não pretende ser bom a partir, exclusivamente, das suas próprias forças, confia-se ao amor do Outro, amor que se torna medida e critério da minha própria vida. Sendo a conversão em primeiro lugar um acto pessoal, eu encontro diante de Deus e de mim próprio a minha responsabilidade pessoal, ela tem também uma dimensão social que lhe é inerente. A conversão supõe a pertença a uma comunidade de vida, um espaço comum do novo estilo de vida. Uma conversão meramente individual não tem consistência.
B) Edificar o Reino de Deus
Na conversão está implícita como sua condição fundamental o encontro com o Deus vivo. A palavra fundamental do anúncio de Jesus é o Reino de Deus. Mas Reino de Deus não uma estrutura social ou política, uma utopia. O Reino de Deus é o próprio Deus. Reino de Deus significa que Deus existe, que Deus vive, que está presente e age no mundo na vida de cada um de nós. Não é uma remota “causa última”, nem o “grande arquitecto” que construiu a máquina do mundo e agora se encontra fora. Pelo contrário, Deus é a realidade mais presente e mais decisiva em qualquer acto da minha vida, em qualquer e em todos os momentos da história. Tudo muda na vida de cada pessoa, se Deus está ou não está presente. Infelizmente também entre nós cristãos se vive muitas vezes como se Deus não existisse. Como se Deus não estivesse presente, ou reconhecendo a sua presença, na prática, não ser qualquer incidência na vida. Só consegue falar de Deus na vida quem fala com Deus na sua vida. Falar de Deus e falar com Deus são duas acções que devem andar sempre juntas.
C) Jesus Cristo
Cristo é o Emanuel, é o Deus connosco. Dos diversos aspectos a sublinhar queria acentuar apenas dois essenciais na sua adesão e no seu testemunho. O primeiro é o seguimento de Cristo. Ele é O caminho para a minha vida. Atenção segui-Lo não significa: imitar o homem Jesus. Uma tentativa como esta falha necessariamente, seria um claro anacronismo. O seu seguimento tem uma meta mais alta: assimilar-se a Cristo, ou seja, alcançar a união com Deus. Torna-se claro, uma vez mais, que o seu seguimento de Cristo não é um assunto da moral, mas um tema “místico” uma interacção entre duas liberdades a de Deus que se me dá e a minha que Lhe respondo. O segundo é o mistério pascal a Sua cruz e ressurreição. O seguimento de Cristo supõe também participar da sua cruz, é unir-se ao seu amor, é deixar que aconteça a transformação da nossa vida, é tornar-se o homem novo, criado à imagem de Deus. Quem omite a cruz, omite a essência do cristianismo.
D) A vida eterna
O homem não pode fazer ou deixar de fazer o que lhe apetece. Ele será julgado. Deve prestar contas. Esta certeza é válida tanto para os poderosos como para os simples. Onde ela é acolhida e honrada, são delineados os limites de qualquer poder deste mundo. Deus faz justiça, e só Ele o pode fazer por último. As injustiças do mundo não são a última palavra da história. Existe uma justiça. “Deus é maior que os nossos corações e conhece todas as coisas”. A bondade de Deus é infinita, mas não devemos reduzir esta bondade a uma pieguice afectada sem verdade. Só acreditando no justo juízo de Deus, só tendo fome e sede de justiça é que abrimos o nosso coração, a nossa vida à misericórdia divina. Não é verdade que a fé na vida eterna, torne insignificante a vida terrena. Pelo contrário só se a medida da nossa vida for a eternidade, é que a vida na terra é grande e o seu valor é imenso. Deus não é o concorrente da nossa vida, Deus é a garantia da nossa grandeza.
2. O culto espiritual agradável a Deus
O culto agradável a Deus é uma nova maneira de viver todas as circunstâncias da existência, na qual cada aspecto particular se exalta porque vivido na relação com Cristo e como oferta a Deus. Já um grande cristão dos finais do século II, Santo Ireneu o recordava: “a glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus”.
A) A santidade como desafio
Somos Santos por vocação. O que permitiu aos cristãos apropriarem-se do termo santo, não foi uma análise de tipo ético, repito, mas o chamamento a uma santidade objectiva. “Sereis santos, porque Eu o senhor, sou Santo.” Isto não é um convite a entrar num lugar de santidade a que só tivessem acesso os melhores, isto é uma vocação universal. A santidade é um dom. O mais essencial consiste no gesto divino que toma gratuitamente a criatura débil e pecadora e a põe em comunhão vital com o Santo Filho de Deus feito homem. O dom torna-se tarefa na vida, em programa objectivo de santidade. A Igreja é este templo santo e a vida inteira dos cristãos deve ser uma permanente oferenda a Deus.
B) A oração como exigência
O que marca o rumo da vida, no percurso de santidade, é a oração. Como é essencial na vida cristã o dinamismo da oração. Tenhamos igualmente presente que a oração não nos desvia das pessoas, nem dos seus problemas, porque sempre que damos tempo Deus, damos mais tempo aos homens. No centro de toda a oração cristã e da própria vida da Igreja encontra-se a Eucaristia, resumo e súmula da nossa fé, pela qual a Igreja, e cada cristão, renascem sempre de novo. Como diz o Papa na última sua Exortação Apostólica: “a Eucaristia arrasta-nos no acto oblativo de Jesus” (…) “arrasta-nos para dentro de si”, “Aquele que me come viverá por mim” (Jo. 6,57). Estas palavras de Jesus permitem-nos compreender que o mistério da Eucaristia possui em si mesmo um tal dinamismo que faz dele princípio de vida nova em nós e forma da existência cristã”.
C ) A caridade como missão
A missão nasce do próprio coração de Deus, o eu creio supõe e exige o meu compromisso no meio do mundo. A verdade da fé que somos chamados a anunciar no concreto na nossa vida pessoal, familiar, profissional e social, supõe e exige “ a humildade do evangelizador”.Não nos esqueçamos que o fim de todo o anúncio cristão é conduzir os homens, cada homem ao encontro, à comunhão com Cristo. Na Redemptoris Hominis João Paulo II dizia-nos:“ A missão da Igreja é conduzir cada homem ao encontro de Cristo”. Porém, a fé sendo profundamente pessoal, é necessariamente eclesial, vive-se e manifesta-se nos outros cristãos que comigo são Igreja e comigo estão unidos a Jesus Cristo, por isso a Igreja é o lugar onde a fé nasce e o lugar para fazer renascer constantemente a verdade. Um cristão maduro que se deixa formar e conduzir na fé da Igreja deveria ser com todas as debilidades e dificuldades uma janela de luz do Deus Vivo, uma janela que irradia Cristo no mundo, e se verdadeiramente crê, é-o sem dúvida. Contra as forças que sufocam a verdade, contra aquilo que nos impede de mostrar o rosto de Deus, contra o que está em contraste com a dignidade do ser humano, pelo qual Cristo derramou o seu Sangue, cada cristão deveria ser uma força antagonista. Afirmar a dignidade de cada pessoa, o seu alto valor, em todas as circunstâncias, comprometer-se decisivamente e sem descanso na construção da civilização do amor, ou seja viver em Cristo e torná-lo presente no coração do homem, da família, da empresa, da sociedade eis a missão de cada associado da ACEGE.
Pe. Mario Rui
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