Vou dividir esta exposição em quatro partes: Na primeira parte vou falar sobre o lucro como objectivo das empresas e como é que este objectivo se insere no bem-estar da sociedade; na segunda parte vou falar das formas que existem para se gerar riqueza: as boas formas – as que criam riqueza para a sociedade – e as más formas – as que destroem riqueza à sociedade; na terceira parte vou abordar o tema da divisão da riqueza nas empresas e sobre desigualdade social; e, na última parte, vou tocar muito brevemente na exigência de ser empresário cristão
POR ANTÓNIO SAMPAIO E MELLO – ciclo de debates ACEGE
Oiça aqui a apresentação na íntegra.
I. O lucro como objectivo da empresa
I.1 O homem racionalmente egoísta: uma metáfora dogmática
Os economistas e os cientistas políticos – e também o cidadão comum – compreendem a necessidade de utilizar bem os recursos, dada a escassez destes e a aspiração em proporcionar o máximo de bem estar às pessoas. As empresas, como unidades de referência do sistema económico, devem, pois, aplicar bem o que têm e dispôr das melhores condições para o fazer, o que lhes é proporcionado pelo bom funcionamento dos mercados e por políticas económicas correctas. Isto significa que a Economia só está num òptimo se uma empresa, ao decidir alterar a sua estratégia, não consiga melhorar a sua condição, isto é, aumentar os seus lucros, sem que pelo menos uma outra empresa fique prejudicada por isso. Subjacente a esta asserção estão as noções de liberdade e de igualdade que caracterizam o individualismo da cultura Ocidental. A liberdade fundamenta a iniciativa do ser humano na busca de melhorar a sua condição pessoal – ser livre de pensar, de fazer e de trocar os frutos do trabalho, do talento e do engenho. É, também, da troca em liberdade que nasce a sociedade concorrencial.
Da igualdade resulta, por sua vez, a sociedade aberta – com mobilidade empresarial e social – e também a sociedade plural. Uma economia que assenta numa sociedade competitiva, aberta e plural é uma economia que aplica o melhor possível os recursos que tem, e o lucro das suas empresas corresponde exactamente ao custo dos recursos utilizados – custo de usar os bens da natureza, mas também o esforço do trabalho, o risco incorrido pelo capital utilizado e a capacidade em organizar e administrar todos esses recursos. Neste quadro, a Economia sózinha consegue resultados impossíveis de ser alcançados pelo planeamento estatal. Mas o que significa dizer exactamente Economia sózinha neste contexto? Significa a multidão pulverizada de agentes anónimos, cada um agindo apenas motivado pelo seu interesse próprio e sem atender às consequências dos seus actos nos seus semelhantes e sobre o ambiente, e onde não há qualquer interferência do Estado. Importa compreender que o resultado desta interação frenética dos agentes económicos, embora consiga que os recursos sejam utilizados de uma forma eficiente, o que é excelente, não produz um resultado único, um equilíbrio em que do valor criado a empresa A fica com x, a empresa B fica com y e a empresa C fica com z. Não. A interação pode produzir divisões muito diferentes do valor criado, embora todas conduzam a uma utilização eficiente dos recursos. A, ao negociar com B, pode extrair mais ou menos, conseguindo mais ou menos valor disso. Para os economistas, o importante é que, no final da interação, A e B se sintam bem com o resultado alcançado, não interessa se o valor criado pela transação se divide por metade, ou se A fica apenas com um terço, ou com três quintos. Ou seja, nada se diz sobre se o lucro e a distribuição da riqueza são justos. E não se diz porque os economistas, em geral, comungam do aforismo utilitarista de Nietzsche, quando este afirmou que : “ as sensibilidades morais estão hoje em discordância tão grande que enquanto para um homem a moral se prova pelo que para este é útil e válido, para outro o que é útil não valida e até rejeita a moral”.[1] Esta recusa de qualquer relação entre a moral e a razão é muito importante, porque se se quizer saber se o equilíbrio económico competitivo, aberto e plural consegue transformar uma distribuição inicial díspare num resultado final mais equitativo, a resposta é não; se se começar com uma distribuição de riqueza desigual, o que resulta é uma riqueza desigual, que até pode ser maior, e provavelmente é-o, porque os mais ricos – em dinheiro, esperteza, talento, beleza, contactos sociais, inteligência lógica e emocional – tendem a acumular relativamente mais do que os que tem menos, e os que têm menos, embora possam ter oportunidades, nem sempre são capazes de as concretizar.
Queria voltar ao ponto do individualismo a que antes aludi: que o ser humano, racionalmente centrado em si mesmo, origina, como que por intermédio de uma mão invisível, o bem estar da sociedade. Ou seja, pondo o problema desta forma, a responsabilidade social de cada um resume-se a cada olhar racional e exclusivamente para o seu próprio interesse. Há muitas boas mentes que estão certas disso quando citam a célebre frase de Adam Smith: “Que não é da benevolência do talhante, do produtor de cerveja e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da preocupação que estes têm pelo seu interesse próprio”.[2] Para quem vê o mundo desta maneira, cada um deve preocupar-se em obter o máximo para si mesmo e o Estado tem apenas um papel indiscutível: criar infraestruturas que permitam o exercício da liberdade individual e o bom funcionamento dos mercados. A seu favor argumentam que à conjectura de Adam Smith foi dado rigor científico pelos trabalhos de Kenneth Arrow[3] e Gerard Debreu[4]. Mas esquecem-se de que a genealidade de Arrow e Debreu foi precisamente a de estes terem conseguido identificar as condições absolutamente únicas em que é possível a uma economia, povoada por pessoas egoístas, conseguir o óptimo social. Ao ignorarem que as condições para se obter este resultado são ideais – aquilo a se pode chamar de condições fantásticas ou de vazio – acabaram por dar a um trabalho científico o carácter de um acto de fé.
Entendamo-nos: não estou a dizer que uma sociedade com uma economia concorrencial, livre e aberta não é boa ou que é uma ficção. Uma economia concorrencial, livre e aberta é uma arquitectura social indiscutivelmente superior. O que estou a dizer é que uma economia em que os seres humanos são racionalmente egoístas e apenas procuram o seu interesse próprio não maximiza, praticamente nunca, através de uma mão invisível e sem ajuda adicional, o bem estar da sociedade; estou a dizer que o encanto com a racionalidade do interesse próprio tem de ser devidamente ponderado para evitar o risco de se tornar num perigoso dogma idelógico.
Embora os economistas não tenham uma intuição especial sobre a natureza humana, não tenho dificuldade em aceitar a hipótese de que basta o interesse próprio quando os mercados são perfeitos e completos e toda a propriedade é de alguém, pois neste caso os actos praticados por cada um são irrelevantes para as decisões e bem estar dos outros. Mas em todas as outras circunstâncias – isto é, no mundo real, em que os mercados nem são perfeitos, nem completos – a hipótese do interesse próprio é inadequada e tem, muitas vezes, implicações muito nefastas. Por exemplo, o interesse próprio diz que se uma empresa puder obter um contrato com o Estado por um terço do preço ao pagar luvas a um funcionário público desonesto, ou ao financiar ilegalmente um partido, deve racionalmente fazê-lo se a probabilidade de ser apanhada e a pena não forem superiores ao benefício conseguido; ora isto leva a que conscientemente se corrompa a sociedade e o Estado e se contribua para a ineficácia da justiça. A mesma lógica e os mesmos incentivos estão presentes no caso de uma fábrica poluente: a maximização do interesse próprio leva a subornar um fiscal se isso for mais barato do que instalar filtros e assumir os custos de limpeza. E todos os bens públicos, dos passeios na rua, ao ar e aos serviços públicos são para delapidar e tratar com proveito próprio. Tudo, nesta forma de pensar, se resume a uma contabilidade de custos e de benefícios pessoais, e quando há diferenças de interesse, os economistas resolvem-nos recorrendo a incentivos: o trabalhador trabalha melhor se tiver os incentivos certos; o gestor passa a defender os interesses dos accionistas se partilhar da valorização das acções, o fornecedor torna-se mais fiável se incorrer nos riscos e nos ganhos de sucesso do cliente.
Os incentivos sem dúvida que têm o seu papel em despertar as vontades, mas a realidade são muito diferentes: quando os gestores e os empregados não se aplicam, quase sempre é por falhas de carácter e não por falta de incentivos, porque mesmo quando estes existem, os problemas muitas vezes permanecem. Quem são os maus funcionários, os maus gestores e os maus empresários? São precisamente aqueles que apenas procuram o seu interesse próprio: os empregados que não se importam com os clientes e que tiram partido de colegas, os empresários e os gestores que abusam de clientes e de accionistas, enfim, todos aqueles que criam nos outros uma revolta por destruirem o que há de bom e que corroem o carácter das organizações. É, por isso, que as empresas se empenham em dar formação interna aos seus empregados e se preocupam em criar uma cultura corporativa, muito antes e com mais eficácia para influenciar comportamentos do que incentivos pecuniários e prémios de promoção. Quanto muito, os incentivos são um instrumento adicional, porque as empresas sabem que as pessoas não agem apenas motivadas pelo interesse próprio e porque os incentivos são insuficientes para travar desvios, pois, ao serem utilizados para influenciar comportamentos, tornam-se também eles objecto de manipulação. Platão[5] dizia que o homem tem preocupações de nível mais elevado, como a honra, o reconhecimento, a vergonha, a lealdade, a necessidade de amor e de pertença, e estas são mais importantes para explicar actos e atitudes do que as receitas dos modelos económicos. Adam Smith, que não era economista, mas filósofo da moral, reconhecia também que o homem não procura o interesse próprio, mas a virtude: “O homem deseja naturalmente ser amado mas também amar; naturalmente odeia ser odiado como ser odioso; deseja ser elogiado, como ser digno de elogio; detesta a culpa, como ser objecto de culpa”.[6] Embora Smith percebesse que o interesse próprio pudesse explicar situações em que os nossos actos não têm influência perceptível nos outros, é uma injustiça à sua grandeza intelectual afirmar que ele tenha defendido que o homem se focasse no seu interesse próprio. Os que se servem do famoso trecho tirado do livro “A Riqueza das Nações” omitem ou desconhecem outra passagem da mesma obra carregada de sentido normativo: “Um homem devia ver-se não como separado ou isolado do seu semelhante, mas como um cidadão do mundo, um membro da vasta liga das nações…e no interesse desta grande comunidade, deveria sempre sacrificar o seu pequeno interesse próprio”.
É interessante verificar que de toda a obra magistral de Adam Smith seja o homem egoísta a memória mais célebre. Porquê? Porque, como em todas as disciplinas do conhecimento humano há debates, correntes e modas, e mais ainda no caso da Economia que tão directamente influencia a vida das pessoas e é muito susceptível de aproveitamento político, os debates em Economia são, em geral, virulentos e extremados. E, como sempre acontece, o caminho é desenhado pelos vencedores. Ora, um debate muito importante que determinou o curso do pensamento ainda hoje dominante deu-se entre o fundador da American Economic Association, Richard Ely e William Sumner, talvez o sociólogo-economista com mais impacto na sua geração. Para Ely “o princípio fundamental de toda a a organização social estável e duradoura é o mandamento bíblico “amarás o teu próximo como a ti mesmo”, mandamento, dizia Ely, “que se aplica nos actos que praticamos diariamente, nas nossas compras, vendas e nos lucros que fazemos”. Sumner, por seu turno, defendia o Darwinismo social e opunha-se a toda a intervenção previdencial para socorrer os mais necessitados. Um clérigo episcopaliano convicto de que a salvação era o reconhecimento do mérito e do sucesso temporal, Sumner dizia que: -“o facto de o homem existir não significa que se exiga aos seus semelhantes que o mantenham vivo e o sustentem.” Na guerra como nos debates intelectuais, “vae victis”[7]. Neste caso, em minha opinião, o resultado foi o pensamento económico adoptar o “vae soli”[8].
Todos nós, economistas-gestores-empresários somos herdeiros de Smith, Ely e Sumner. Ao tentar entender as motivações e as escolhas da natureza humana, não podemos nem ser demasiado romanticos, nem tão pouco àcidos. Mas uma sociedade individualista é uma sociedade miserável. O que seria se vivessemos num mundo em que os gestores, os médicos, os professores, os advogados, os mecanicos e todas as actividades em que quem presta o serviço sabe muito mais do que o cliente, o que seria se nesse mundo os que mais sabem procurassem tirar partido interesseiro de quem está numa posição de desvantagem? O que aconteceria se não existisse a confiança? As sociedades têm normas e códigos de conduta, e a maioria das interações e transações que fazemos contêm uma fortíssima componente de confiança e de esperança. E as coisas funcionam; as decepções são a excepção, não são a regra. E quando somos enganados, reagimos com desagrado e não dizemos: “Pois claro, até é normal que isto tenha acontecido, porque as pessoas agem racionalmente no seu próprio interesse.” O engano dos libertários é que ao insistirem na mensagem da liberdade individual guiada pelo interesse próprio, de que é racional ser-se egoísta, tornam gradualmente a sociedade pior até ao ponto de esta se tornar disfuncional. Porque ao contrário do que dizem, interesse próprio não leva à sociedade perfeita, mas ao horror Hobbesiano de uma existência cruel, bruta e curta.
I.2 A maximização de valor para o accionista não é consentânea com o óptimo social.
Sobre a questão do objectivo que as empresas devem ter, há duas correntes de pensamento principais: A primeira diz que as empresas devem maximizar o valor para o accionista. A segunda defende que as empresas devem maximizar o lucro sujeito à restrição de considerar os interesses de outros intervenientes na produção e no financiamento da empresa. Ou seja: shareholders simplesmente, ou stakeholders, que incluem gestores, empregados, clientes, fornecedores, credores e a comunidade que as rodeia?
A primeira corrente considera a segunda errada, porque confunde propósitos e atribui à empresa funções que a exorbitam e prejudicam; a segunda corrente considera a primeira limitada e irrealista.
Será que a teoria económica moderna nos pode ajudar neste aspecto tão importante do objectivo que deve orientar a empresa? A resposta é sim, ainda que hesitante. Hesitante, porque o que sabemos hoje é ainda exploratório. Mas o que sabemos, talvez surpreendentemente e contrariando a opinião de Milton Friedman[9], é que o objectivo de maximizar o valor para o accionista não é consistente nem com a maximização do valor para a empresa, nem para a sociedade. E porquê? Porque quando se limitam os objectivos de uma organização a um grupo dos seus intervenientes – neste caso os accionistas – criam-se conflitos com todos os outros grupos e isso origina custos acentuados e entropias, uns e outros fazendo com que o óptimo seja impossível. É precisamente para evitar fricções e entropias que as empresas se esforçam em oferecer formação, boas condições e um bom ambiente de trabalho aos seus funcionários, e cada vez mais integrá-los como agentes activos na cultura da organização; hoje, as empresas competem para ser consideradas entre as “melhores onde trabalhar” e o trabalhador da empresa moderna não é o alienado da prosa marxista subordinado ao Mr. Scrooge, que apenas quer tirar proveito do seu semelhante. Como diz Howard Schultz da Starbucks: -“uma empresa só vence quando põe consciência e alma em tudo o que realiza, e partilha isso com todos os seus funcionários e clientes, a fim de criar nestes o entusiasmo e a paixão por aquilo que a empresa faz”.[10] E é também para reduzir interesses divergentes entre accionistas e credores que se desenham contratos financeiros a feitio e as empresas acedem a fornecer, com custo, informação aos mercados e aceitam restrições à forma como dispõem dos seus activos, a fim de limitar comportamentos oportunistas da parte dos gestores; como é para criar fidelidade que as empresas investem em satisfazer os desejos e em corrigir as insatisfações dos seus clientes, e, assim, manter uma relação duradoura com efeitos positivos na sua quota de mercado; e, numa época em que o outsourcing é cada vez mais importante e supply chain management cada vez mais crítico, é para conseguir o empenho dos fornecedores que as empresas criam uma rede de compromissos e dedicações onde se partilham riscos, informação crítica e se reparte valor de forma consensual.
Qualquer gestor sensato sabe que, para bem da empresa, tem, no dia a dia, de fazer concessões e partilhar valor com empregados, clientes, fornecedores e interessar-se pelo destino da comunidade em que a empresa está inserida. E, no entanto, todos os gestores repetem que o seu objectivo é a maximização do valor para o accionista, como se tal fosse o ùnico objectivo! Porquê? Por várias razões. Uma boa, outra má, muito má. A boa é que os gestores são supostamente eleitos para defender os interesses dos accionistas e têm por isso o dever de lealdade e de assumir responsabilidade fiduciária.
A segunda, a má, resulta da forma como os gestores são compensados, designadamente na componente que inclui stock options e acções. Os arquitectos da teoria de compensar os gestores com acções e opções têm a visão ardente do indivíduo racionalmente egoísta e entendem que a única forma eficaz de alinhar os interesses dos gestores, que tomam as decisões, com os dos accionistas, que são donos sem poder de decisão, é colocar o gestor na posição do accionista e, portanto, compensá-lo sob a forma de acções e de opções. Como sempre, a lógica parece certa: nada como os gestores (os agentes) partilharem os frutos e os riscos dos accionistas (os patronos). Mas a prática tem demonstrado que esta visão está errada. Primeiro, porque a maioria dos gestores é guiada pela ambição do poder, pelo desafio, pelo sentido de responsabilidade, pela reputação profissional e pela consideração social, e tudo isto tem mais importância do que o dinheiro. Segundo, porque os incentivos a ter mais dinheiro deveriam diminuir à medida em que se é mais rico. Qual é o ponto de ganhar milhões por ano se não se tem tempo de os gastar? Terceiro, e mais importante, porque compensar em acções e em stock options cria perigosíssimas tentações e dá origem a consequências adversas dentro e fora da empresa. Tentações em manipular os resultados e o preço das acções, tentações em mudar a data de emissão das stock options, abuso de confiança ao cozinhar pacotes de reforma, tentações em esconder e mentir porque a consciência pesa e, acima de tudo, tentações de ganância – quanto mais se tem, mais se quer. Consequências adversas porque não é possível haver uma consciência de comunidade na empresa quando o Chief Executive Officer (CEO) ganha entre 100 e 1000 vezes o salário do trabalhador médio e, pior, quando a valorização das suas acções se faz à custa de sacrifícios dos empregados – cortes salariais, cortes nas pensões e até perda de emprego. Já em 1994 o Economist dizia que “Having fallen in love with perfomance related stock bonuses many companies are turning against it – they are clumsy, short term, demotivating and annoy others”. [11] O problema é que hoje se tornou numa prática generalizada e por isso vai demorar algum tempo a corrigir. Mas que é um desvirtuamento e que tem de ser corrigida, lá isso tem, porque só nas empresas do capitalismo moderno é que parece haver necessidade em relacionar incentivos monetários com o desempenho de actos de liderança. Faz algum sentido pensar que Montgomery e Alexander exigissem a Sir Winston Churchill prémios pecuniários como condição para se baterem antes de começar a campanha do Norte de Africa? Ou que o meu dentista me exiga um bónus ligado ao meu salário se me arranjar um dente de modo a que eu possa ir trabalhar logo a seguir?
Não preciso de dizer muito mais à vista das crises que recorrentemente perturbam os mercados financeiros e dos excessos que a política de maximize shareholder value tem criado, com todo o tipo de escândalos que atingem mesmo os melhores nomes – como a Siemens, a BP e o Citibank, e não, como nos querem fazer crer os ideólogos dos mercados à solta, apenas excepções, como a Enron, a Worldcom e a Tyco.
II. Como alcançar o lucro: bom e o mau capitalismo
O desejo de acumulação de riqueza e a ambição de sucesso são forças de impulso muito importantes na sociedade capitalista. Há essencialmente quatro maneiras de conseguir riqueza: 1) criando o que ainda não há; 2) aumentando o que já há, com os mesmos ou menos recursos; 3) repartindo o que há em proveito próprio e à custa dos outros; e, 4) praticando actividades criminosas. As duas primeiras são um jogo de soma positiva (cria-se valor acrescentado); a terceira e a quarta são um jogo de soma negativa (destrói-se valor), embora com implicações diferentes.
Até à Revolução Industrial, mas ainda hoje em muitas partes do mundo, a acumulação de riqueza era sobretudo feita por redistribuição do espólio a favôr dos mais fortes, literalmente por coação. Percebe-se que isso seja um método de enriquecimento atraente e muito usado, porque é fácil tirar aos mais fracos; mas, tem vários problemas: primeiro, não promove o crescimento económico; segundo, aumenta as desigualdades sociais; terceiro, quando os fracos oferecem resistência, há conflitos e até guerras, com tremendo desperdício e destruição de vidas e de bens.
As vantagens imediatas da actividade de apropriação de riqueza são tão grandes que há sempre uma tentação muito forte em se optar por esta em vez de criar riqueza. A questão é então saber o que se deve fazer para promover o bom capitalismo – o capitalismo em que o valor e o lucro vêm de criar riqueza. A resposta é sempre a mesma: ontem, hoje e agora aqui em Portugal. Há que criar instituições e normas que, por um lado, inibam as actividades de apropriação de riqueza e limitem os seus benefícios, e que, por outro lado, impulsionem as actividades que promovam o crescimento económico.
Uma economia para ser forte e dinâmica precisa de empresários e de gestores – não de empresários e gestores quaisquer -, mas de empresários que inovam, que procuram estar sempre na ponta do progresso, e gestores arrojados e com capacidade de liderança. Ora, para encorajar a renovação criativa do corpo empresarial é preciso reduzir ao máximo os custos e os riscos quer de contexto, quer de interacção. Nos custos de contexto incluem-se, antes de mais, a mão viciada e desconcertante de governos incompetentes e sem a noção de serviço público, procedimentos administrativos e licenciamentos pesados, mas também um mercado de trabalho rígido e as ineficácias de todo o processo de constituição, de reorganização e de falência das empresas.
Os custos de interação surgem com a especialização da economia que obriga as empresas a interagir entre si. Ora, é preciso apoiar instituições e desenvolver regras de comportamento – aquilo a que Hayek chamou uma ordem espontânea – que regulem as relações entre as empresas, que facilitem a concorrência, mas também a cooperação e, sobretudo, limitem os prejuízos causados por todo o tipo de comportamento oportunístico, que surge quer quando as partes contratantes têm informação incompleta e diferente, quer quando a rede de intervenientes nos negócios de cada empresa se alarga e, por isso, as relações contratuais passam a ser apenas esporádicas.
Eu sou particularmente sensível aos dois custos – de contexto e de interação – no caso português: há inúmeros episódios que todos conhecemos de empresários que lutam para fazer qualquer coisa, enfrentando o desrespeito impune de contratos e a presença de um Estado inepto e controleiro. A quem me diz que temos poucos e maus empresários em Portugal, eu respondo que é muito difícil ser-se empresário e vencer em condições tão adversas. Por isso, percebo, mas reprovo, que algumas empresas, por causa dos custos de contexto e de interacção serem tão elevados, tentem recuperá-los sob a forma de preços mais altos e salários mais baixos. As dificuldades e as vigarices que têm de suportar tornam os empresários pessimistas e desconfiados e isso, por vezes, dá origem uma atitude retaliadora de canibalização colectiva, que, embora possa ser individualmente racional, é socialmente terrível: menos emprego, salários mais baixos, preços mais elevados, mais litigância, menos vontade e menos iniciativa… em suma, um país mais pobre e uma sociedade menos feliz.
Além de reduzir os custos de contexto e de interacção, é também importante oferecer aos empreendedores condições para que estes sejam devidamente compensados, evitando que os lucros do seu mérito sejam demasiado baixos ou mesmo expropriados, o que acontece sempre que os impostos são excessivos e não há garantia de defesa da propriedade industrial. Quando num acto económico qualquer, o valor criado tem de ser repartido pelo Estado, há sempre o risco de este, por meter demasiado a mão, impedir o acto de se realizar e com isso destruir valor potencial. Tem de se procurar evitar a negação de valor por carga excessiva do Estado, e se há casos em que se admitem benefícios fiscais e preços de monopólio temporários, esses casos são precisamente os das empresas inovadoras, porque os benefícios que a sociedade recebe da inovação, seja ela tecnológica ou processual, vão muito além dos benefícios que revertem para os inovadores.
Mas assim como é preciso incentivar as actividades que geram riqueza social, é igualmente importante desincentivar as actividades que apenas repartem a riqueza que existe. A obtenção de lucros excessivos quer por práticas monopolistas, quer por tráfico de influência, ou por puro roubo do Estado têm de ser publicamente denunciados e vigorosamente combatidos por todos. Todas estas actividades, sem excepção, destroem riqueza e estrangulam a sociedade. Veja-se o caso do tráfico de influências numa concessão pública ou numa privatização: luvas a funcionários públicos e políticos (que nome se pode dar a isto?); culto interesseiro de políticos (que nome se pode dar a isto?), financiamento por contrapartidas de partidos políticos (que nome se pode dar a isto?); e uso de agentes para domesticar o poder executivo e influenciar o processo judicial (que nome se pode dar a isto?). Ao eliminar a competição, ao não cumprir o que se prometeu porque se anula a fiscalização e ao obter-se informação privilegiada conseguem-se lucros privados muito positivos, mas o valor social é, sem duvida, muito negativo.
É preciso ter presente que um Estado fraco, à mercê das ambições privadas, não é, de verdade, um Estado de Direito; é um Estado subordinado a interesses devoristas, dentro de uma sociedade fragmentada e regulada pelo menor denominador comum, alimento de desconfianças e de fricções e onde os cidadãos descrentes adoecem de cinismo.
Não há receitas mágicas que eliminem nem as actividades redistributivas, nem as actividades criminosas de enriquecimento, mas há que fazer tudo para inibi-las. As primeiras – em que o lucro se faz re-dividindo o que há para se ficar com mais à custa dos outros – são práticas comuns a empresas acomodadas, grandes no sector e com poder de mercado e influência política e social. Neste caso podem fazer-se duas coisas: a primeira é o governo recusar-se – ou a sociedade civil tentar impedir que o faça- a servir interesses privados quando estes ponham em risco o interesse público. A segunda é criar mecanismos, isto é, instituições e práticas, que obriguem as empresas a continuar a lutar e a inovar, em vez de se instalarem e cimentarem a sua posição limitando a concorrência. Como? Com mercados abertos à concorrência global, com regulação efectiva e independente do poder político, com um mercado de capitais que facilite takeovers e com estatutos de empresas que fomentem a democracia e o poder dos accionistas. É à pressão resultante da ameaça de takeover sobre a Portugal Telecom (PT) que se devem todos os avanços recentes no sector das telecomunicações em Portugal, inclusivé a melhoria na própria gestão da PT. Poder-se-ia ter ido mais longe e há perigos evidentes de um retrocesso, porque competir e inovar é sempre mais difícil do que o encosto a lucros que vêm de se ser poderoso e se estar protegido. Estou à espera, ansiosamente, para bem das empresas e do país, que se acabe com a iniquidade e a injustiça dos estatutos bloqueados, que violam a democracia accionista a favôr de minorias poderosas e do interesse dos gestores.
Quanto às actividades criminosas de enriquecimento e lucro, são uma praga nova que tem aumentado assustadoramente – o narcotráfico, as contrafacções, o contrabando, o negócio de armas, o tráfico de seres e orgãos humanos, a prostituição, etc – com toda uma sofisticada economia informal que envolve corrupção e subversão de pessoas e de instituições. Estão à nossa volta, para onde quer que nos viremos, porque as sociedades modernas oferecem oportunidades de lucro altíssimas a estas actividades e os governos não sabem o que fazer e, portanto, o que fazem, fazem geralmente mal.[12]
Os lucros altíssimos resultam da propriedade intelectual transformar bens que são baratos de fabricar em artigos de alto valor de mercado. O mesmo se passa com a venda de drogas e com a prostituição: o que é barato produzir torna-se de alto valor por causa da proibição. Mas a principal razão da oportunidade em se enriquecer com estas actividades está na enorme diferença de rendimento entre países, que cria incentivos elevados para o tráfico e o contrabando. Como combater estas actividades? É um erro pensar que se podem eliminar. Porquê? Vamos pensar no caso do branqueamento de capitais: o fim de controles cambiais e a liberdade de movimento de capitais, por um lado, e as novas tecnologias de informação bem como mercados financeiros mais competitivos, por outro lado, tornaram mais fácil o branqueamento de capitais. Ora não se pode ir contra a marcha dos tempos e é um erro desenhar políticas assentes em preconceitos moralistas. O que se pode é tentar reduzir a rentabilidade destas actividades, diminuindo o número dos que usam estes produtos, instituindo direitos de autor apenas nos casos em que é possível a sua proteção, apostando na cooperação internacional e ajudando os países em que o Estado entrou em colapso; e, finalmente, ter a honestidade de reconhecer que o nosso maior inimigo, não são “eles”, mas muitas vezes somos “nós” próprios, as parcelas devassas e doentes das nossas sociedades.[13]
III. A divisão do lucro: equidade e justiça social
Um dos assuntos que mais interessa aos economistas é a evolução do rendimento do cidadão comum. Á primeira vista o tema parece ser mais uma frivolidade académica. Portugal é hoje muito mais produtivo e rico do que há trinta anos atrás. O valor do output por hora de trabalho, ajustado da taxa de inflação, cresceu muito desde os anos 80. Contudo, a rápida concentração do rendimento e o aumento da desigualdade social colocam a questão de se saber se o português típico ganhou significativamente ou não.
Entre nós como em outros países, os anos 1985-2000 foram anos de “enriquecer febrilmente”. As pessoas vivem indiscutivelmente melhor hoje – carros, casas, férias fora, telemóveis, toda a espécie de aparelhos electrónicos – e também baixou a mortalidade infantil e aumentou a esperança de vida. Avanços tecnológicos impressionantes em todas as àreas –da informação à medicina – aumentaram a produtividade da economia e o rendimento per capita. Mas o rendimento per capita de um país não diz muito como é que a pessoa típica está. Se o senhor Américo Amorim entrasse nesta sala agora, a média da riqueza presente decerto que subiria muito. Por isso os economistas preferem usar a riqueza mediana – o rendimento da pessoa mais rica do que uma metade da população e mais pobre do que a outra metade da população, a pessoa do meio, o típico representante da classe média. E o que se nota em muitos países e em Portugal também é que o rendimento médio subiu muito mais do que o rendimento mediano. Porquê? Porque alguns enriqueceram muito, mesmo muito mais do que os outros. Embora os salários reais tenham crescido mais em Portugal do que em muitos outros países, isso não impediu que a desigualdade social se tenha acentuado assustadoramente nos últimos quinze anos. E, veja-se que uma parte considerável do aumento de rendimento das famílias portuguesas se deu quer porque as contribuições sociais aumentaram muito, quer porque o agregado familiar trabalha mais, pois muitas mulheres entraram no mercado de trabalho depois do 25 de Abril. Portugal é dos países com uma das maiores taxas de trabalho feminino. Isto é sintoma de uma sociedade avançada, mas em muitos casos as mulheres não têm escolha e são obrigadas a trabalhar simplesmente porque o dinheiro não chega. Não cabe aqui discutir as razões e as implicações desta nova situação para as famílias, mas se as pessoas hoje têm acesso a mais coisas, também nos dizem que a sua vida está muito difícil, e indicadores como a quebra da taxa de natalidade, o enorme crescimento do endividamento, o número de horas que os pais passam sem os filhos, etc, mostram um balanço com problemas sérios. Não é normal!
A minha impressão é que o português mediano não melhorou muito a partir do princípio dos anos 90 e que a desigualdade social se agravou sem parar. Os 5% mais ricos enriqueceram muito mais do que os restantes 95%. Ou seja, os ganhos no rendimento foram desproporcionalmente para os muito ricos. Qualquer coisa de extraordinário se passou com os escalões mais elevados na distribuição da riqueza, designadamente com os 1-2% de super-ricos. Quem são estes super-ricos? Em geral, empresários – os que aproveitaram a abertura da economia, os fundos da CEE e a explosão do consumo subsequente; os que têm negócios com o Estado e com as autarquias; mas também e isto é que é novo, os artistas e os criativos, os gestores e os profissionais que prestam serviços à gestão de empresas, os advogados, os consultores e os banqueiros. Ou seja, de certo modo o aumento da desigualdade social resulta directamente de como a sociedade moderna paga nalgumas àreas os mais talentosos.
Não tenho dúvidas de que o valor da propriedade intelectual e do talento aumentou muitíssimo nas últimas décadas. Basta comparar o salário do grande Eusébio com o de Ronaldo para se ver como as coisas mudaram; assim como basta entrar num avião e ver a fauna que viaja em business class…a maioria não são business men. Mas tal como outros economistas, eu não estou convencido de que a desigualdade social se deva exclusivamente à procura de competências novas, o que faz aumentar os rendimentos no topo, e à concorrência criada pela globalização e pela imigração, o que faz estagnar e descer os rendimentos no fundo. Evidentemente que estes factores têm o seu papel, mas não explicam, por exemplo, porque é que a compensação dos gestores e dos que prestam serviços às administrações das empresas disparou enquanto a de outros trabalhadores especializados – com licenciatura e mestrado – não aumentou nada que se pareça. Como é que isto aconteceu? Paul Krugman[14] considera que foi a mudança em certas instituições sociais e em normas comportamentais, que nada têm a ver com mecanismos de mercado, que determinou a menor repartição do valor acrescentado entre trabalho e capital, por um lado, e a maior repartição entre gestão e capital, por outro lado. No primeiro caso, o que se passou foi o enfraquecimento dos sindicatos, que não se reinventaram e precisam urgentemente de o fazer, e o fim do contrato social entre classes, o fim da concertação social. Durante muitos anos, o temor do suposto paraíso comunista serviu para se fazer cerimónia e promover sucessivas reformas sociais. Os empresários sabiam que se se pagassem a si mesmos salários muito elevados e acumulassem uma parte significativa dos lucros convidavam à revolta e a distúrbios dos trabalhadores; e as empresas que quizessem aumentar os preços e não subissem os salários sofriam a pressão dos políticos. Até à Mrs. Thatcher e ao Presidente Reagan, os governos intervinham muitas vezes para suportar, com maior ou menor vigor, as posições dos trabalhadores nas negociações salariais e para limitar excessos nas administrações, com os objectivos de garantir a harmonia social e evitar pertubações.
Hoje já não é assim e o resultado está à vista: é comum um gestor receber compensações que variam entre 50 a 100 vezes a do trabalhador médio na empresa (nos EUA entre 500-1000 vezes). Ou seja, as instituições e normas que limitavam a desigualdade social a seguir à Segunda-Guerra desapareceram nos anos de ouro da década de 90.
Eu tenho uma dificuldade em aceitar os economistas que me dão explicações neo-clássicas para este desenfreado aumento nos rendimentos dos gestores e de todos aqueles que lhes prestam serviços. Porquê? Porque o rendimento de um executivo tem pouco a ver com razões de natureza económica, como sejam a procura e a oferta de talento e de liderança. A realidade é diferente: a selecção da larga maioria dos CEOs, em todo o lado, é determinada pela visibilidade e pela rede de contactos, e é muito difícil medir objectivamente a productividade e a qualidade dos gestores; mais, se a compensação dos gestores fosse realmente determinada pela sua qualidade, então não se percebe os golden parachutes e as chorudas reformas que estes recebem quando falham estrondosamente. Como é possível? Só por não haver nem controle nem accountability, porque todo o sistema falha – as administrações, os fundos de investimento e os accionistas, que são demasiado passivos ou estão neutralizados, os reguladores e os próprios políticos, que dependem de donativos dados pelos gestores. E a cereja no cimo do bolo que justifica as compensações astronómicas é a nova imagem que se criou dos CEOs: a imagem de que são celebridades, um fenómeno inventado pelos consultores e promotores de imagem. Eles aparecem nas capas das revistas, nas galas, fazem parte de instituições de arte, desporto e de solidariedade social, fazem discursos públicos, organizam clubes e think-tanks para perorar sobre política, desdobram-se em entrevistas nos média e circulam no jet-set. Tudo serve para gerir a imagem de sucesso, de liderança e aumentar o valor do cachet, que passa então a ser muito mais determinado pelo investimento em popularidade do que pela obra feita, de que raras vezes são responsáveis. Antes eram team players discretos, hoje cultiva-se a ideia de que as empresas têm de ser dirigidas por líderes-estrelas, por celebridades.
E com isto se criou aquilo a que Lucien Bebchuck chama um sistema de “excessive pay without performance”. Um sistema em que a indignação morreu e o abuso de confiança e a usurpação do poder actuam sem pudor e sem vergonha. Morrendo as virtudes, ficaram os vícios de um sistema sem disciplina. Sem corrigir esta forma socialmente irresponsável de dividir o lucro, o capitalismo não teria nem um futuro pacífico, nem próspero. Mas o capitalismo tem um poder de regeneração fortíssimo e, por isso, a reacção já começou – trazida pela disciplina dos private equity funds, boards mais responsáveis, reguladores mais atentos e a opinião influente de alguns estudiosos do governo das empresas.
IV. Do contrato social à dedicação ao próximo
A importância de contar com uma infraestrutura instituicional, composta de organizações públicas e normas culturais, que limite o comportamento humano egoísta é absolutamente vital para que o capitalismo possa funcionar bem.
O homem sem a inspiração sobrenatural, sem um compasso moral e sem o suporte de instituições sociais que promovam o interesse público, entregue à sua condição material, tende sempre a cair no abismo. Antes houve quem tentásse reinventar o homem e torná-lo virtuoso, mas todas as experiências de engenharia social acabaram em escravidão e em miserável alienação. Como não se pode mudar o homem contra a sua vontade, o que as democracias devem fazer é apostar em boas instituições e esperar que o homem adopte boas práticas, iluminado por convicções e influenciado por um contexto salutar. Só isso permite ao homem ser socialmente sensível, responsável e controlar o seu egoísmo, que vem quer do calculismo que pretende dominar os outros e a natureza, quer do instinto animal de cada um. Mas para o empresário e o gestor cristãos isto não chega. Não basta ser bom cidadão. O empresário e o gestor cristãos não separam, não compartimentam a sua vida de negócios da sua vida espiritual e, por isso, vão para além do melhor contrato social. Nos contratos há duas partes: o tu e o eu, e eu faço a minha parte esperando que tu faças a tua parte; e se tu falhares o teu compromisso, eu fico, por asssim dizer, livre de me desvincular. Pois bem, esta atitude não chega para definir o exemplo de um empresário que segue Jesus Cristo. Para o bom cidadão, a obrigação moral e as convenções sociais são o bastante para que cumpra os deveres contratuais para com os outros. Mas para o empresário discípulo de Cristo, um contrato é uma promessa e numa promessa não há tu mais eu, ou nós, ou o que eu faço depende do que tu me fizeres. Há apenas eu e o meu Deus; e, por isso, o que eu digo eu faço, e faço, independentemente de tudo o resto, de tu fazeres ou não, porque para mim acima das convenções e da moral há a dedicação que tenho por ti, o amor que tenho por ti que és o meu próximo. Não é fácil a resignação a fazer a vontade de Deus, mas alguma vez Jesus disse que o caminho da salvação seria fácil?
É isto o que lhes tenho a dizer hoje para reflectirem e liderarem com responsabilidade as vossas empresas.
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[1] “Daybreak: Thoughts on the Prejudices of Morality”.
[2] “A Riqueza das Nações”.
[3] “The Role of Securities in the Optimal Allocation of Risk Bearing”.
[4] “Theory of Value”.
[5] “Symposium”
[6] “A Riqueza das Nações”.
[7] Ai dos vencidos! Exclamação atribuída a Breno, que derrotou e saqueou Roma em 390 AC.
[8] Ai do solitário! Expressão com que o Eclesiastes (IV, 10) lamenta a fraqueza do homem abandonado à sua sorte.
[9] “The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits”
[10] Entrevista à CNN a 31 de Dezembro de 2007
[11] The Economist, Abril 23, 1994
[12] Ver Moises Nain “Illicit: How Smigglers, Traffickers and Copycats are hijacking the Global Economy”.
[13] Ver Martin Wolf em “The Profit Motive may be universal, but Virtue is not”.
[14] “The Conscience of a Liberal”.
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