POR GABRIELA COSTA“A vocação de um empresário é uma nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o bem comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos” – Papa Francisco, Evangelii Gaudium (2013)A UNIAPAC posiciona-se actualmente como uma organização internacional de líderes cristãos dedicada à construção do bem comum através da actuação da empresa na sociedade, que quer ser “reconhecida mundialmente pela sua contribuição distintiva da actividade empresarial como uma vocação nobre”. A propósito da sua actual estratégia de actuação e do seu próximo congresso mundial, que terá lugar em Lisboa, em Novembro deste ano, o VER conversou com o presidente da UNIAPAC Internacional a respeito da influência de uma economia ao serviço do Homem no mundo empresarial.
Em entrevista, Rolando Medeiros, que assumiu a presidência da União Internacional de Empresários e Gestores Cristãos a 30 de Junho de 2017, com um mandato de três anos, sublinha que um “bom trabalho é aquele que proporciona a oportunidade de crescimento, de desenvolvimento integral, a todos os que trabalham na empresa”.
A UNIAPAC está presente em mais de 40 países na Europa, América Latina, África e Ásia. Quais são as grandes linhas mestras da nova presidência e de que modo esta organização influencia o mundo?
Num mundo em constante mudança – em que a constante é a mudança – e num mundo que é, ao mesmo tempo, tão diverso nas suas realidades geográficas e geopolíticas – com áreas desenvolvidas, outras em desenvolvimento e outras ainda incrivelmente subdesenvolvidas -, o maior desafio que a UNIAPAC enfrenta é, talvez, manter-se vigente com um “discurso” que continue a ser “fresco”, inspirador e orientador da acção, em todos os cantos da nossa casa comum. As realidades que enfrentam as nossas associações, as circunstâncias em que lhes compete levar avante a sua missão de transformar o coração dos líderes empresariais para que transformem a sociedade através da acção e da actuação das empresas que lideram, e onde as capacidades e recursos com que contam são tão diversos e desiguais, parece uma missão impossível.
O maior desafio que a UNIAPAC enfrenta é manter-se vigente com um “discurso” que continue a ser inspirador e orientador da acção
Portanto, as linhas mestras com que a UNIAPAC pode contribuir para as suas associações traçam-se através de uma Visão de Futuro partilhada por todos; de um propósito comum que nos convoque a todos e que seja o destino de todas as nossas acções. E esse processo de alinhamento em torno desta visão partilhada foi iniciado em 2017, com a premissa de que “a UNIAPAC será reconhecida mundialmente pela sua contribuição distintiva da actividade empresarial como uma vocação nobre”.
Cada associação da UNIAPAC, a partir da sua realidade particular e muito própria, pode diagnosticar as suas lacunas relativamente a esta visão comum e, em função das suas potencialidades e capacidades, definir as suas prioridades para colmatá-las. Porém, simultaneamente, e sem perder a sua autonomia, pode replicar o que as outras associações estão a fazer e aprender com os seus sucessos e fracassos. A melhor forma para que a UNIAPAC possa influenciar o mundo e contribuir positivamente para uma economia ao serviço do Homem é, justamente, através do empenho sinérgico a nível local, nacional, regional e internacional; através da captação de economias de escala e especializadas; e da eficácia resultante de não “reinventar a roda”, mas antes focar os seus esforços perspicazmente.
Quais são as prioridades e como se posiciona a estratégia de actuação da actual presidência face à missão da UNIAPAC Internacional? De que modo está alinhada esta missão com a da sua congénere em Portugal, a ACEGE?
A prioridade da UNIAPAC Internacional nesta fase é conseguir o referido nível de alinhamento de todas as suas associações, de modo a que todas orientem as suas iniciativas para promover de uma forma distintiva a transformação da empresa numa vocação nobre. A actividade empresarial é uma vocação, e é uma vocação nobre sempre que aqueles que nela participam se sintam interpelados por um sentido mais amplo da vida – o que lhes possibilita servir verdadeiramente o bem comum com os seus esforços para multiplicar os bens de este mundo e torná-los mais acessíveis a todos.
O colaborador torna-se um “co-empresário” quando se realiza através do seu trabalho
O desafio para os líderes empresariais cristãos tem, assim, três níveis: 1) A sua transformação pessoal para que vivam o seu quotidiano empresarial como uma vocação, como um chamamento para cumprir o plano que Deus lhes propõe para a sua própria realização através do seu trabalho na empresa, num sentido mais transcendente. 2) A sua liderança de serviço para a transformação da cultura organizacional da sua empresa, de modo a que esta assente no princípio irrenunciável e incondicional do respeito pela dignidade humana que, na prática, se traduz na aplicação dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade ao mundo do trabalho, como forma de relacionamento com todos os que interagem internamente e a partir da empresa. 3) A orientação da empresa para o serviço ao bem comum, o que não se consegue de uma forma sustentável sem o compromisso e a motivação do líder e sem uma cultura humanista no trabalho.
Estes conceitos não podem estar mais alinhados com a missão da ACEGE de inspirar os líderes a viver o amor e a verdade no meio económico e empresarial e a prestar o seu testemunho junto das comunidades; nem com a sua visão de promover, através do trabalho desenvolvido pela sua comunidade de líderes empresariais, a dignidade de cada pessoa e a construção do bem comum.
Que boas práticas preconiza a UNIAPAC para as empresas e que impacto tem a sua acção no meio empresarial?
A construção do bem comum através da actuação da empresa na sociedade só se atinge ao considerar-se a mesma como um projecto humano a longo prazo. Somente no longo prazo se podem conciliar os interesses, muitas vezes conflituosos, entre os diferentes grupos de interesse que participam ou estão envolvidos nessa actuação: os seus trabalhadores, os seus clientes e fornecedores, os seus investidores, as comunidades em que opera, as autoridades públicas e as futuras gerações.
A UNIAPAC tem vindo a estabelecer vínculos cada vez mais estreitos com o Vaticano
A empresa orienta-se para o bem comum através dos “3Bs”: bons produtos e serviços, bom trabalho e boa riqueza. Bons produtos são aqueles que são realmente bons e bons serviços são aqueles que realmente servem (isto é, em termos empresariais, que satisfazem verdadeiramente necessidades humanas e ultrapassam as suas expectativas). Bom trabalho é aquele que proporciona a oportunidade de crescimento, de desenvolvimento integral, a todos os que trabalham na empresa (isto é, um ambiente de trabalho em que cada colaborador se sente convidado a contribuir, voluntariamente, para o projecto empresarial com as suas ideias, a sua criatividade, a sua iniciativa: torna-se assim “co-empresário”, porque se realiza através do seu trabalho). Boa riqueza é aquela que se gera correctamente, respeitando incondicionalmente todas as pessoas que interagem com ela… sem as instrumentalizar (incluindo as futuras gerações com consciência sobre o meio ambiente), e que se distribui justamente (em forma devidamente proporcional às contribuições de todos os que participaram directa e indirectamente nessa criação de riqueza).
A conjugação de estes “3Bs” traduz-se numa contribuição da empresa para uma sociedade mais próspera, justa, solidária e humana. Transforma a actividade empresarial numa vocação nobre.
Como descreve a relação desenvolvida actualmente entre a UNIAPAC e o Vaticano?
A UNIAPAC tem vindo a estabelecer vínculos cada vez mais estreitos com o Vaticano. Primeiro com o Conselho Pontifício Justiça e Paz e depois com o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que se constituiu recentemente através da fusão de este conselho pontifício com outros três.
A UNIAPAC trabalhou colaborativamente no desenvolvimento do documento “A Vocação do Líder Empresarial”, traduzido em muitos idiomas e que foi apresentado em conferências em muitos países, e no qual participou o Cardeal Peter Turkson conjuntamente com um líder empresarial da nossa organização internacional. Hoje a UNIAPAC integra a equipa de cinco pessoas que está a rever este documento, cujo relançamento, dentro de poucos dias, esperamos que siga o mesmo procedimento.
Mas a UNIAPAC também desenvolveu uma relação estreita com a Secretaria de Estado do Vaticano, que nos convida permanentemente a participar activamente nas suas iniciativas como, por exemplo, a constituição de uma união de ONGs de inspiração católica, à qual concorremos como actor relevante. E ainda em muitas actividades e iniciativas bastante concretas.
A experiência concreta de muitos líderes empresariais portugueses associados da ACEGE permitirá à UNIAPAC, no seu próximo Congresso Mundial, divulgar o conceito de transformação da empresa numa vocação nobre
Porventura, o melhor reflexo de esta relação cada vez mais próxima é o Congresso Mundial da UNIAPAC de Novembro de 2016, realizado na Sala do Consistório no Vaticano, e que incluiu uma audiência privada com o Papa Francisco, que nos entregou uma mensagem muito inspiradora.
Outro exemplo é o apoio claro e contundente enviado por escrito pelo Cardeal Peter Turkson, no qual não apenas nos insta a avançar na transformação da actividade empresarial como vocação nobre, como nos pede que o mantenhamos informado sobre os empenhos e progressos das nossas associações no mundo inteiro.
Que perspectivas têm sobre a realização do XXVI Congresso Mundial da UNIAPAC em Portugal, em Novembro?
Para a UNIAPAC a realização do seu XXVI Congresso Mundial em Portugal é um motivo de orgulho e esperança. Por um lado, representa uma mensagem muito forte de apoio ao excelente trabalho que a ACEGE está a desempenhar na promoção dos princípios e valores da Doutrina Social da Igreja entre o meio empresarial. Por outro lado, transmite uma mensagem moderna e cativante pelo atractivo que actualmente Lisboa revela no contexto europeu, e pela sua conotação de cidade pujante, acolhedora, encantadora… com a sua história que se sente nos edifícios, na atmosfera e nas suas gentes, e a sua manifesta alegria hospitaleira, que é muito contagiosa.
E, de resto, a experiência concreta e prática de muitos líderes empresariais portugueses associados da ACEGE permitirá à UNIAPAC divulgar o seu conceito de promoção da transformação da empresa numa vocação nobre, e inspirar os líderes a viver o amor e a verdade e a dar testemunho dessa vivência no mundo económico e empresarial. A convicção com que a ACEGE vive a sua visão de promover, através do trabalho desenvolvido pela sua comunidade de líderes empresariais, a dignidade de cada pessoa e a construção do bem comum é, para a UNIAPAC, uma enorme garantia do sucesso de este XXVI Congresso Mundial.