Em busca da confiança perdida

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De acordo com sondagens e estudos apresentados pelo Fórum Económico Mundial na sua habitual reunião anual em Davos, os índices de confiança nos líderes empresariais e governamentais voltaram a cair para os miseráveis níveis de 2009, o ano que se seguiu ao deflagrar da crise financeira e económica. O tema – repetente – deu origem ao lançamento de uma iniciativa que visa ajudar as empresas a resgatar a confiança perdida
POR
HELENA OLIVEIRA

Uma “central de negócios”. Elites milionárias que se reúnem em torno de mesas faustosas e discutem a vida dos pobres. Uma “cimeira exclusiva para o 1%”. Estas e outras críticas são dirigidas, anualmente, aos líderes empresariais e governamentais, em conjunto com representantes de organizações da sociedade civil e ainda personalidades de várias áreas da cultura, que se juntam nos Alpes suíços para discutir os problemas do mundo. Este ano, o encontro de Davos, com cerca de 2500 participantes e tendo como tema central “O Novo Contexto Global”, declarava ter como grande objectivo “a discussão da realidade pós-crise financeira” com enfoque na “anti-globalização nos grandes mercados e economias”.

Todavia, e como a vida real muda muito mais rápido do que qualquer agenda, por melhor planeada que esta seja, outros temas se impuseram, nomeadamente o colapso do preço do petróleo, o terror que atingiu Paris ou a “bazuca” anunciada pelo BCE, entre outros choques mais recentes que têm dominado a actualidade. Críticas e hipocrisias à parte, a verdade é que a 45ª reunião do Fórum Económico Mundial (FEM) – que ficará na sua história como aquela em que este ganhou um estatuto formal enquanto “instituição internacional para a cooperação pública e privada” – tem vindo a contribuir não só para a discussão dos mais prementes desafios globais, como também para uma mais eficaz colaboração entre os mais poderosos do mundo, aqueles que realmente têm o poder de mudar o status quo de todos os “businesses as usual” que impedem, muitas vezes, a implementação de soluções inovadoras que contribuam, verdadeiramente, para inverter os caminhos “transgressores” que a humanidade não se cansa de trilhar.

A edição de 2015 foi fértil não só em termos dos habituais debates mas, e sobretudo, em compromissos de vária ordem, de que são exemplo as iniciativas Shaping Davos, que juntou global shapers de 40 cidades de todo o mundo ou a Global Challenge Initiative on Food Security and Agriculture, entre um conjunto variado depapers, sobre as mais complexas problemáticas mundiais. A desigualdade, as alterações climáticas, o futuro da Internet, as políticas monetárias e a luta contra o terrorismo tiveram igualmente papel de destaque na reunião de este ano.

Entre tanta fartura de temas, e dado o impressionante número de empresas que se comprometeu, de forma ambiciosa, a agir no sentido de minimizar os efeitos das alterações climáticas, a lutar contra a crescente desigualdade de rendimentos, a ajudar a diminuir o gap de posições de liderança entre homens e mulheres e a adoptar soluções mais sustentáveis nas suas operações de negócios, o VER optou por destacar a questão dos níveis de confiança dos cidadãos nas empresas e nos governos os quais, desde 2009, não se encontravam em tão baixa forma.

Para além da publicação da 15ª edição global do Edelman’s Trust Barometer, no qual se assinala que a confiança nos negócios declinou em dois terços dos 27 mercados cobertos pelo estudo, situando-se abaixo dos 50% em 14 deles – o resultado mais pessimista desde 2008 – e com o Canadá, a Alemanha, a Austrália e a Singapura a representar as mais abruptas quedas, até o sector da tecnologia, geralmente “poupado” e apesar de continuar a ser o que menos desconfiança gera, foi alvo de alguma quebra.

A nível global, e pelo terceiro ano consecutivo, a quebra de confiança nos CEOs e nos funcionários governamentais é acentuada, com os primeiros (43%) e os segundos (38%) a posicionarem-se como as fontes menos credíveis aos olhos do público.

Sem ser preciso ter dotes de visionário, a questão da falta de confiança nos líderes empresariais e governamentais – enquanto tema repetente – levou a que o próprio Fórum Económico Mundial se juntasse à consultora PricewaterhouseCopers (PwC) e a outros especialistas para lançar o que denomina comoLeadership, Trust and Performance Equation Project, uma publicação que não só identifica os principais desafios que se colocam a estes líderes para recuperarem a confiança perdida, como se propõe a cumprir quatro objectivos por excelência:

  • Explicar, de forma clara, por que motivo a percepção pública da confiança nas empresas difere tanto daquela que os negócios têm de si mesmos;
  • Construir um economic case sobre o que ganham e perdem as empresas com este défice de confiança e de que forma é que o mesmo tem impacto nas suas licenças para operar, na competitividade, na performance e na reputação;
  • Identificar as áreas-chave de actividade onde as empresas podem ganhar ou perder valor significativo, tanto a nível financeiro como não financeiro e;
  • Apresentar exemplos de acções concretas que outros líderes de negócios levaram a cabo, de forma eficaz, para restaurar os seus níveis de confiança. Vejamos algumas das principais ideias partilhadas.

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O contágio da desconfiança

Os casos de mau comportamento empresarial continuam, incessantemente, a ser notícia e a dar origem a inúmeros debates, pesquisas académicas, declarações de intenções, estudos e afins. Todavia, e mesmo existindo vários líderes que admitem ter de reconstruir a sua base de confiança com clientes e demaisstakeholders – e outros tantos que realmente estão a agir para o fazer – a verdade é que os “barómetros” continuam a confirmar que a opinião pública não confia que empresas e respectivos responsáveis estejam a fazer o que é certo. Este cepticismo contínuo, de acordo com o paper publicado pelo FEM, aponta para um problema com raízes mais profundas do que a simples reacção a escândalos empresariais recentes: uma dissociação grave entre o contributo das empresas para a sociedade e a forma como esta última percepciona esse mesmo contributo.

Se é verdade que as empresas podem ter um impacto positivo na sociedade enquanto um todo, seja através da criação de emprego, crescimento e riqueza, ou de inovações que melhoram a vida das pessoas, ou construindo infra-estruturas e imprimindo melhorias nas comunidades, a eficácia do seu contributo e a forma como este é percepcionado pelos que “estão de fora” continua a ser um enorme obstáculo para a restauração do seu grau de confiança.

São ainda muitas as pessoas – líderes empresariais incluindo – que acreditam que o único objectivo de uma empresa é o de gerar lucros, com pouca ou nenhuma consideração relativamente às necessidades dosstakeholders que por elas são afectados. E a partir do momento em que o público em geral começou a questionar esse “princípio”e a exigir maiores contributos para as comunidades em que opera, o simples “ fazer dinheiro” deixou de ser suficiente. Em simultâneo, empresas e cidadãos entendem a palavra “confiança” de perspectivas diferentes. Quando os membros da sociedade pensam em confiança nas empresas, concentram-se, na maioria das vezes, em questões como os valores, a justiça e o comportamento. As empresas, por seu turno, encaram o vocábulo “confiança” como algo relacionado com os produtos ou serviços que lançam e prestam no mercado. Apesar de ambas as visões serem necessárias para a restauração da confiança, enquanto não existir uma percepção comum face a este activo, o “diálogo” não acontecerá.

Por outro lado, os variados episódios que deram “mau nome” a empresas e governos ao longo dos últimos anos são geralmente percepcionados como casos isolados. Mas e na verdade, todos eles estão, de alguma forma, relacionados com tendências globais mais amplas, de que são exemplo as remunerações obscenas de muitos gestores e executivos, as disparidades crescentes de rendimentos, as fugas sistemáticas aos impostos e os variados tipos de corrupção.

Como sublinha o estudo, estes factores combinados com a percepção de respostas inadequadas por parte dos reguladores e dos governos, reforçaram a tendência para uma desconfiança disseminada relativa aos governos e empresas. E, como resultado parcial, o que acontece é que o declínio da confiança acaba por ser contagioso, atingindo indústrias inteiras (como ocorreu com a banca) e fazendo mossa ao longo das cadeias de fornecimento. Mesmo quando uma determinada empresa não está directamente envolvida numa má prática, a confiança de “muitas” pode ser defraudada pelos comportamentos de “poucas”. A percepção da culpa – e a consequente perda de confiança e reputação – pode ser feita por associação e/ou por inacção, bem como através de um envolvimento indirecto.

No meio das incessantes investidas de informação e comentários, com a velocidade e visibilidade das decisões empresariais a crescerem ininterruptamente, não existem sinais alguns que apontem para uma redução da pressão a que estão submetidas as organizações nos dias que correm. E, num ambiente com estas características, torna-se claro que nenhuma empresa se pode dar ao luxo de ignorar a actual crise de confiança. O que também é óbvio é o facto das organizações que exibem níveis mais fortes de confiança serem as que melhor enfrentam os desafios a que estão sujeitas na actualidade.

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A confiança armazenada

As empresas confiáveis, de acordo com o estudo do FEM, gozam de uma perspectiva de pensamento de longo prazo, a qual as ajudou a criar uma espécie de “amortecedor” contra eventos potencialmente destruidores de credibilidade e confiança. Assim, quando “atacadas”, são os próprios stakeholders que lhes conferem mais tempo, uma margem maior para o benefício da dúvida, os quais lhes permitem responder e consertar o que foi quebrado.

A severidade do impacto depende, naturalmente, da natureza do acontecimento. De acordo com uma pesquisa efectuada pela firma Freshfields, concluiu-se que ao longo de uma crise operacional muito mediatizada – de que é exemplo a retirada de um produto defeituoso do mercado – o preço por acção da empresa em causa tende a cair, em média, 37% no primeiro dia em que esta ocorre. Quando as crises são comportamentais – como actividades fraudulentas ou relacionadas com a corrupção –, o declínio é muito mais acentuado, com as acções a perderem mais de 50% do seu valor e, muitas vezes, ao longo de mais de um ano após o incidente. O estudo em causa concluiu igualmente que as crises de comportamento são também responsáveis por cerca de 40% das renúncias por parte dos líderes.

Assim, e em tempos de incerteza, as empresas precisam de ter um conjunto de confiança “armazenada”, uma espécie de folga que lhes permita percorrer um caminho em situações de desastres variados, ao mesmo tempo que se mantêm fieis aos seus valores e comuniquem aos seus stakeholders, de forma clara, a situação difícil pela qual estão a passar.

Nota: O estudo em causa pode ser consultado na íntegra aqui.