- O tema do governo societário ganhou especial relevo na sequência do desencadear da crise financeira ainda em curso, sendo as suas deficiências apontadas como uma das causas da referida crise. A verdade é que sete anos volvidos e apesar dos esforços que foram feitos sobretudo em termos regulatórios, na prática subsistem ouretornam algumas das más práticas que foram visíveis no período pré-crise. Também em Portugal, nos casos mais conhecidos de abalo de grandes empresas financeiras e não financeiras encontramos osproblemas do governo societário na raiz das convulsões verificadas. Se nos recordarmos dos casos BCP, BPN, BPP, BES e PT, em todos eles encontramos grandes défices no funcionamento dos mecanismos essenciais do governo societário. E, no entanto, algumas destas empresas eram altamente avaliadas – seja pela CMVM seja por entidades privadas – e apresentavam excelentes relatórios de governo sobre o cumprimento do Código de Governo e respectivas recomendações.
A questão é que:
. Não há bons modelos de Corporate Governance que resistam às pessoas erradas;
. Não há boas regras que resistam às más práticas;
. Não há bons princípios de governo societário que resistam à falta de ética e de valores na condução das empresas.
- E, para mim, a responsabilidade social das empresas começa aqui, dentro da própria empresa: no comportamento dos Gestores e Administradores; na forma como são tratados, considerados e reconhecidos os colaboradores; na forma como são respeitados e defendidos os interesses dos que aplicam as suas poupanças ou os seus recursos nas empresas; na forma como a empresa se relaciona com o s concorrentes, clientes e fornecedores.
Não quero com isto desvalorizar a importância dos aspectos mais comumente incluídos no conceito de responsabilidade social das empresas: o contributo para a sustentabilidade ambiental; o apoio à investigação científica ou social; as prestações sociais complementares – em dinheiro ou em espécie – aos colaboradores; a não discriminação dos colaboradores, qualquer que seja o ponto de vista; enfim, o investimento de parte dos proveitos da empresa em projectos de retorno social.
Mas a verdade é que, por vezes – e não pretendo obviamente generalizar – sob a capa deste tipo de intervenção, que é muito apelativa e muito mediática, escondem-se comportamentos empresariais e práticas efectivas de governo societário que, por falharem os critérios básicos da ética e dos valores, são destrutivos, mais cedo ou mais tarde, do que deve ser o papel da empresa face aos que com ela se relacionam. E por isso eu sou relativamente céptico face às tendências recentes – inclusive nos projectos de regulamentação europeia – da valorização e reporte autónomos dos elementos relacionados com a chamada responsabilidade social da empresa. Porque para mim, ela tem de estar presente em todos os actos e em todos os comportamentos da empresa e dos seus agentes.
De facto, como poderá uma empresa falar de responsabilidade social se não tiver mecanismos adequados de reconhecimento e recompensa do mérito dos trabalhadores?
Como poderá uma empresa falar de responsabilidade social se, por exemplo, a relação entre a remuneração dos gestores e a remuneração média for um múltiplo inaceitável?
Como poderá uma empresa falar de responsabilidade social se os administradores e gestores não tiverem um respeito absoluto por todos ao accionistas e actuarem exclusivamente no interesse destes, especialmente pelos que têm menor poder individual?
Como poderá uma empresa falar de responsabilidade social se não pagar pontualmente aos seus trabalhadores e fornecedores?
A responsabilidade social das empresas passa ainda – e de sobremaneira – pelo respeito das regras da sã e leal concorrência. O que inclui, por exemplo, abster-se de exercer o chamado poder de mercado sobre as suas contrapartes, especialmente os fornecedores económica e financeiramente mais débeis. Ou algo tão simples como cumprir pontualmente as obrigações fiscais e não ganhar vantagem sobre os concorrentes pela via do incumprimento.
- Tudo isto faz parte – para mim – do conceito de responsabilidade social das empresas.
Tudo isto tem relação também com o bom governo societário.
Tudo isto tem, afinal, que ver com as pessoas: as que dirigem as empresas; os que com elas colaboram e as que representam os accionistas.
Se todas elas nortearem o seu comportamento pelos mais elevados padrões da competência, da ética empresarial e profissional e dos valores fundamentais, teremos certamente empresas melhores e mais responsáveis socialmente.
Por isso, a escolha das pessoas é o elemento crucial. Tal como o é a existência de mecanismos efectivos de sanção para os maus comportamentos e as más práticas.
E aqui há um papel insubstituível para os accionistas. Que não podem demitir-se da escolha criteriosa e da avaliação das pessoas que elegem para, afinal, gerir o seu dinheiro. Nem da avaliação da forma como o governo da sociedade está a ser executado na prática. Nem podem, os accionistas mais poderosos, cair na tentação de usar o seu poder em benefício próprio contra os interesses da empresa e, portanto, da generalidade dos accionistas. Isso faz parte também da sua responsabilidade social.
Já há casos de investidores institucionais que têm como critério não investir em empresas que não têm comportamentos eticamente irrepreensíveis ou adequada responsabilidade social. E no Brasil, a Fundação Getúlio Vargas lançou o índice Grau de Reputação (GR), destinado a medir, no Brasil (GR), destinado a medir, no Brasil e na América Latina, práticas éticas nas empresas. A medida do índice é composta pela análise da percepção que o público tenha de atributos como responsabilidades social e ambiental, ética na condução dos negócios, respeito pelo consumidor, diversidade nas equipas e respeito na contratação e gestão de colaboradores.
Penso que estes são bons sinais, porque já está demonstrado que a regulamentação não pode fazer tudo. Em qualquer caso, eu entendo que há caminho a percorrer nesta matéria, sobretudo no controlo da idoneidade dos gestores de empresas que fazem apelo público à poupança. E também na regulamentação mais estrita das transacções com partes relacionadas, do financiamento a accionistas e na sanção da actuação de accionistas qualificados em benefício próprio.
São regras que eu defendo e que desejaria que nunca fosse necessário aplicar, porque elas são facilmente substituíveis por uma regra simples e acessível a todas as organizações: tolerância zero para os desvios à ética dos comportamentos, às boas práticas empresariais e aos valores tradicionais.
Carlos Tavares