A ideia dominante de sucesso profissional entre os portugueses está associada à vertente material e a ocupar um cargo hierárquico de topo. Uma ideia que os intervenientes no programa “Causas Comuns” do passado dia 22 de Setembro, uma parceria entre o Canal 2 da RTP e a ACEGE, consideraram algo deturpada. A falta de estruturas de apoio à gestão da carreira nas empresas também não ajuda.
POR CRISTINA PEREIRA
Serão os 40 anos um ponto de viragem na carreira ou mesmo, num sentido mais lato, na própria vida de uma pessoa? Manuel Forjaz, empresário da Ideiateca, estabeleceu como meta chegar aos 40 anos a ganhar o suficiente para trabalhar menos e ter tempo para a família e os seus hobbies. Depois do seu quadragésimo aniversário, Edite Saraiva, consultora de recursos humanos, decidiu parar de trabalhar durante um ano só para fazer aquilo que queria. Há também quem pense que sucesso é ter aos 40 anos um cargo de liderança. Foi precisamente de sucesso e de carreira que se falou no programa “Causas Comuns”, transmitido pelo Canal 2 da RTP, de parceria com a ACEGE, no passado dia 22 de Setembro, num debate moderado pela apresentadora Fernanda Freitas. E as conclusões podem ser tantas quantas as pessoas que definirem sucesso, pois se para uns passa por ser presidente de uma grande empresa, para outros pode ser simplesmente ser-se reconhecido pelo trabalho desempenhado.
Manuel Forjaz, que entretanto já passou dos 40 anos e que remeteu o cumprimento do seu objectivo para os 45, considera difícil definir o sucesso, mas sabe perfeitamente o que quer para si: “Eu sabia que queria parar de trabalhar relativamente cedo, não queria ter um horário das oito às sete para o resto da minha vida”, afirmou. Para poder ter mais tempo para a família, para estudar e para “aprender coisas muito diversificadas”, era necessário tornar-se empresário. Portanto, como explicou, “o sucesso para mim era conseguir trabalhar menos a partir de uma certa altura da minha vida”.
De facto, sucesso pode exprimir uma realidade diferente para cada pessoa. Maria Emília Filipe, responsável de Desenvolvimento e Formação da Volkswagen Autoeuropa, considera que “o sucesso está aliado a identificarmos os nossos talentos para depois podermos utilizá-los em nosso benefício”. Um trabalho de auto-conhecimento que depois dá os seus frutos. As pessoas que têm sucesso são “aquelas que se sentem bem na sua pele”, adiantou Eduarda Luna Pais, consultora de Recursos Humanos da Egon Zehnder. “São pessoas que conseguiram atingir os objectivos que traçaram para a sua carreira e que se sentem felizes porque vão atingindo as diversas metas que colocaram a si próprias”. Estas pessoas são geralmente “determinadas, auto-confiantes e não desistem ao primeiro obstáculo que lhes aparece pela frente”, acrescentou. Já para Luís Alvito, administrador do grupo Renascença, o sucesso é uma conjugação de duas realidades: “Eu esforçar-me por fazer o que gosto de fazer e aquilo que eu faço ter sentido para a sociedade e para os outros”.
Empreendedorismo vs. segurança
Mas, infelizmente, são muitos mais os que estão insatisfeitos com a sua carreira profissional do que os que se sentem bem na própria pele. Acomodam-se à situação, dando-se por felizes com o emprego garantido e sem se preocuparem muito em atingir o sucesso. Como salientou Maria Emília Filipe, este é um estado de espírito que “frequentemente está ligado à desmotivação”. O trabalhador acaba por pensar que “só por ter um emprego, um horário definido e depois ir para casa tem um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”.
Para Manuel Forjaz, este é um dos factores que explicam o baixo nível de empreendedorismo que se verifica em Portugal. O paradoxo entre a projecção de uma cultura de sucesso assente na vertente material, fomentada na família, na escola, nos media, e a sensação de incapacidade de dar o passo para atingir o sucesso foi salientado pelo empresário. “Os jovens costumam olhar para essas representações de sucesso e dizer: ‘Isto é muito difícil, isto não é para mim’. Portanto, o que sobra é a segurança”, concluiu.
Dando o seu próprio exemplo, explicou: “Eu fiz-me empresário em 1998 e a minha primeira experiência correu muito mal”. Apesar de tal obstáculo não o ter impedido de seguir o seu caminho, o empresário é da opinião de que “o insucesso em Portugal é muito marcante” e que raramente é considerado “uma oportunidade de melhoria”. Prosseguindo, referiu: “Um empresário português prefere uma fortíssima possibilidade de um pequeno aumento de lucros do que uma média probabilidade de um grande aumento de lucros”. Ou seja, numa cultura “que penaliza tanto o fracasso, as pessoas preferem continuar a fazer mais do mesmo”. Para Manuel Forjaz, um empreendedor é “alguém que fixa um objectivo e que luta para o atingir”. O que pode ser aspirar a ser muito rico, chegar aos 40 anos sem ficar a dever nada a ninguém ou ter tempo para a família e fazer o que se gosta. Para o empresário, alguém que “trabalhe e consiga este objectivo deveria ser reconhecido por isso, tanto como os presidentes das grandes empresas. Mas a verdade é que tem muita dificuldade em fazê-lo”, salientou.
O espírito de empreendedorismo está lá; só é preciso encorajá-lo. Luís Alvito considera que “os portugueses são muito criativos, até pelo nosso estilo de ser”. O responsável da Rádio Renascença é da opinião de que “as empresas devem apostar muito na criatividade. Há muitas pessoas nas empresas que estão paradas, que podiam estar a fazer outras coisas”. E é neste domínio que “há um trabalho muito grande a fazer em Portugal: puxar as pessoas para cima, dizer que vale a pena ir por outra via”, afirmou.
O problema é que nem sempre é fácil fazer ver aos responsáveis da empresa o descontentamento ou insatisfação do empregado, até porque muitas delas não dispõem sequer de estruturas orientadas para os recursos humanos. “É cada vez mais importante que as empresas tenham pessoas receptivas para receber o input e colaborar na gestão da carreira dos profissionais”, referiu a responsável da Autoeuropa. Frequentemente, salientou, “é nas próprias conversas de avaliação de desempenho que a chefia directa deverá estar atenta às ambições e aspirações desse profissional relativamente a um próximo passo na carreira”, afirmou. Mas a situação parece estar a melhorar, a crer nas palavras de Eduarda Luna Pais: “Cada vez mais as empresas, para além de uma direcção de recursos humanos, têm pessoas que são especificamente especialistas no desenvolvimento profissional dos colaboradores”.
Pare e olhe
“Chegar aos 40 anos e ter já um lugar de líder” foi uma das definições de carreira de sucesso dada por uma das pessoas entrevistadas num inquérito de rua, exibido durante o programa. Como perguntou Fernanda Freitas, porque está a liderança no topo das metas? Segundo Eduarda Luna Pais, “as pessoas associam liderança a um cargo de mais poder e a uma remuneração mais elevada. E daí haver grandes aspirações a ser líder de uma empresa, de uma associação ou de algo”. Mas como nem todos podem ser líderes, “as pessoas terão de assumir os cargos para os quais se sintam realizadas e tenham capacidade para assumir”, acrescentou. Ideia corroborada por Maria Emília Filipe: “Há que perceber que nem todos podem ser chefes; temos de ter alguns índios também”.
O telefonema da telespectadora Edite Saraiva, consultora de recursos humanos, deu mais uma achega ao debate. Com base na sua experiência de 15 anos de trabalho em várias empresas, confirmou que “a ideia de sucesso que as pessoas têm é estereotipada e deturpada porque está muito ligada a prestígio, lugares de topo e materialismo”. De acordo com Edite Saraiva, “a maior parte das pessoas não faz as escolhas certas”, o que em sua opinião passa efectivamente por “terem a sua satisfação pessoal”. Declarando-se “totalmente em desacordo” com Manuel Forjaz e o seu conceito de sucesso, a telespectadora deu a conhecer o seu caso pessoal: “Fiz 41 anos este ano e resolvi abdicar de trabalhar durante um ano para fazer aquilo que quero”. Salientando que “deixar de trabalhar não significa deixar de ter actividade”, Edite Saraiva concluiu: “Realmente, aconselho a quem possa fazer que viva com menos dinheiro, mas melhor”.
Na sua réplica, Manuel Forjaz considerou interessante na intervenção da telespectadora “a necessidade e capacidade de fixar objectivos”. Conforme explicou, a maior parte das pessoas “não se quer comprometer porque fixar um objectivo significa uma oportunidade de derrota com a qual não conseguem viver”. Desta forma, o empresário não deixou de elogiar “a capacidade de se reinventar a qualquer altura da vida” de que Edite Saraiva deu provas. Eduarda Luna Pais considerou também que “o parar acaba por ser muito benéfico”. É, muitas vezes, “a única forma que as pessoas têm de equacionar se estão no caminho certo que delinearam para si próprias”.
Confirmar que existe uma discrepância entre a carreira inicialmente planeada e aquela que acaba por ser seguida não é tão raro como isso. E nem sempre é um aspecto negativo. Mas quando a insatisfação é demasiada, por que não recuar até à bifurcação e seguir outra via? Que talvez não seja a que originalmente se planeou, mas outra que entretanto foi construída