Uma referência ética em tempos difíceis

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É um homem com uma postura humanista de diálogo e de tolerância, uma “referência ética para a sociedade portuguesa nos tempos difíceis” em que vivemos. Foi assim que o júri do Prémio Pessoa, que anualmente distingue uma personalidade portuguesa, justificou a escolha do Bispo do Porto. D. Manuel Clemente diz-se surpreendido com o prémio, mas a escolha reúne o consenso da Igreja e da esfera política
POR GABRIELA COSTA

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O Prémio Pessoa distingue personalidades que tenham sido, ao longo de um ano, protagonistas de uma “intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica” do país. Lançada em 1987 pelo Expresso, a iniciativa reconheceu este ano não só a vasta obra historiográfica de D. Manuel Clemente, como a sua intervenção cívica, pautada por “uma postura humanista de defesa do diálogo e da tolerância, de combate à exclusão e da intervenção social da Igreja”: paralelamente à sua missão pastoral, o Bispo do Porto “desenvolve uma intensa actividade cultural de estudo e debate público”, divulgou, em comunicado, o júri do Prémio Pessoa. Uma “figura ética” que constitui “uma referência para a sociedade portuguesa nos tempos difíceis que vivemos actualmente”, anunciou, em conferência de imprensa realizada na passada sexta-feira no Palácio de Seteais, em Sintra, o júri do Prémio Pessoa.

Presidido por Francisco Pinto Balsemão – que sublinhou a importância destas características do laureado, especialmente atendendo ao difícil momento de crise económica que Portugal e o mundo atravessam -, o júri desta edição de 2009 reconheceu não ter ficado indiferente à actual conjuntura e, consequentemente ao “papel de destaque de uma personalidade que é uma referência e um homem “de grande intervenção social”, como é o Bispo do Porto.

No comunicado lido em Seteais, os membros do júri do Prémio Pessoa – Francisco Pinto Balsemão (presidente), Fernando Faria de Oliveira (vice-presidente), António Barreto, Clara Ferreira Alves, João José Fraústo da Silva, João Lobo Antunes, José Luís Porfírio, Maria de Sousa, Mário Soares, Miguel Veiga, Rui Baião e Rui Vieira Nery – destacaram a publicação de duas obras historiográficas da autoria de D. Manuel Clemente, “Um Só Propósito. Homilias e Escritos Pastorais”, publicada este ano pela Pedra Angular, e “Portugal e os Portugueses”, que saiu em 2008 pela Assírio & Alvim. Ainda este ano, o Bispo do Porto lançou a obra 1810 – 1910 – 2010: Datas e Desafios, também pela Assírio & Alvim.

“Um encargo e uma responsabilização”
Patrocinado pela Caixa Geral de Depósitos, o Prémio Pessoa 2009, no valor de sessenta mil euros, demonstra “grande abertura e a ausência de qualquer facciosismo”, sublinhou ainda Francisco Balsemão, assumindo que uma parte significativa dos membros do júri não tem qualquer posição religiosa (“quatro ou cinco [membros] declaram ser agnósticos”, disse). É a primeira vez que uma personalidade da Igreja recebe o Prémio Pessoa.

Admitindo ter recebido o galardão com “grande surpresa”, o Bispo do Porto agradeceu e manifestou-se “honrado” com o prémio, que entende como uma forma acrescida de responsabilização: “não sou merecedor de um galardão como este, que tomo como um encargo e uma responsabilização, também, porque sou um homem de Igreja e tento ser um homem da cultura e da sociedade, no sentido mais construtivo do termo”. Considerado “uma referência ética para a sociedade portuguesa”, D. Manuel Clemente explicou, com humildade: “eu sou o que vou conseguindo ser. A referência ética é o quadro de valores e isso tem sido sempre a minha preocupação”, conclui, apelando a que “as decisões pontuais e as resoluções situadas se façam sempre em relação a valores”.

O também presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, disse ainda aos jornalistas que a sua missão se centra nas pessoas e passa por “animá-las, dar-lhes esperança e garantir-lhes que, como representante da mais antiga instituição cultural do país, estou ao dispor em tudo aquilo que possa contribuir”. Para 2010, D. Manuel Clemente desejou que, perante a “magnífica” cultura nacional, “nos reencontremos como portugueses no melhor de nós próprios”, aproveitando, naturalmente, a ocasião, para se congratular com a visita de Bento XVI ao País em Maio, já confirmada.

É a primeira vez que uma personalidade da Igreja recebe o Prémio Pessoa .
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Galardão “distingue toda a Igreja”
Saudado publicamente por inúmeras individualidades dos mais diversos quadrantes nacionais, D. Clemente recebeu felicitações sentidas particularmente por parte de altos representantes católicos, que já consideraram que o prémio “distingue toda a Igreja”. Segundo o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), padre Manuel Morujão, este “é um prémio para o qual D. Manuel Clemente tem excelentes méritos”, mas é também “uma distinção que honra não apenas o próprio mas toda a Igreja”.
Em declarações à agência Lusa, o porta-voz da CEP defendeu que D. Manuel Clemente “é um homem que tem tido notáveis intervenções no campo cultural, além do religioso”, sugerindo mesmo que, perante esta agraciação ao Bispo do Porto, “Fernando Pessoa está a bater palmas junto de Deus”. Também D. Jorge Ortiga considera a atribuição do Prémio Pessoa a D. Manuel Clemente “um estímulo para toda a Igreja”. Considerando de “extrema justiça” esta distinção, o arcebispo de Braga reconhece “o seu contributo para o Portugal moderno”.

Já o Presidente da República felicitou de “forma muito calorosa” o Bispo do Porto, apelidando-o de “figura destacada da Igreja portuguesa”, cujas “intervenções se caracterizam sempre pela inteligência e lucidez, pelo equilíbrio e moderação”: “a sua voz é também a de um homem de cultura, de um intelectual de excelência que se tem distinguido pelos seus ensaios e investigações, nomeadamente sobre a História da Igreja Católica em Portugal na época contemporânea”, disse, referindo-se ao prelado português, que considerou um “profundo conhecedor” da sociedade e um humanista “do seu tempo”. Na qualidade de membro do júri do Prémio Pessoa, Mário Soares defendeu também que D. Clemente é “um homem de diálogo e um grande português”, assumindo publicamente o seu apreço: “toda a gente sabe que sou agnóstico, mas não tive a menor dúvida em votar a favor desta deliberação”, disse aos jornalistas, sublinhando a importância de um homem de “grande compreensão e abertura de espírito”.

O Prémio Pessoa já distinguiu inúmeras personalidades nacionais, em 22 anos, desde o historiador José Mattoso, que venceu a primeira edição, em 1987, até ao arquitecto Carrilho da Graça, distinguido em 2008. Maria João Pires (1989), o investigador António Damásio (1992), o ensaísta Vasco graça Moura (1995), o neurocirurgião João lobo Antunes (1996), o escritor José Cardoso Pires (1997), o arquitecto Souto de Moura (1998), o cineasta João Bénard da Costa (2001), o constitucionalista José Gomes Canotilho (2003), o actor e encenador Luís Miguel Cintra (2004), António Câmara, presidente da YDreams (2006) e a investigadora historiográfica Irene Pimentel (2007) foram alguns dos nomes destacados pela iniciativa do Expresso.

D. Manuel Clemente encerrou os trabalhos do 4º Congresso Nacional da ACEGE, realizado a 17 e 18 de Abril de 2009.

D. Clemente, historiador católico
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Manuel José Macário do Nascimento Clemente nasceu em Torres Vedras a 16 de Julho de 1948. Após concluir o curso secundário, frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa onde se licenciou em História. Ingressou no Seminário Maior dos Olivais em 1973. Em 1979 licenciou-se em Teologia pela Universidade Católica Portuguesa, doutorando-se em Teologia Histórica em 1992, com uma tese intitulada “Nas origens do apostolado contemporâneo em Portugal – A Sociedade Católica (1843-1853)”.

Ordenado presbítero em 29 de Junho de 1979, foi Coadjutor das paróquias de Torres Vedras e Runa, formador e Reitor do Seminário dos Olivais e, desde 1997, membro do Cabido da Sé de Lisboa. Nomeado Bispo Auxiliar de Lisboa e titular Pinhel, em 6 de Novembro de 1999, foi ordenado na Igreja de Santa Maria de Belém (Jerónimos) no dia 22 de Janeiro de 2000. Nesse mesmo ano desempenhou o cargo de Coordenador da Comissão Preparatória da Assembleia Jubilar do Presbitério para o Ano 2000. Tem-se empenhado no Congresso Internacional para a Nova Evangelização, cuja sessão lisboeta se realizou em Novembro de 2005, como presidente da Comissão Central de preparação do ICNE.

Na Conferência Episcopal Portuguesa tem sido promotor da Pastoral da Cultura desde 11 de Abril de 2002 e é membro da Comissão Episcopal de Comunicações Sociais desde 20 de Junho de 2002. Actualmente é presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais.
D. Manuel Clemente lecciona História da Igreja na Universidade Católica Portuguesa desde 1975 e foi director do Centro de Estudos de História Religiosa da mesma Universidade. É autor de obras como “A Igreja no Tempo, História Breve da Igreja Católica” [Lisboa, Grifo 2000],  e de vários trabalhos sobre o catolicismo em Portugal a partir do Liberalismo.

Presença habitual no Programa da RTP2, Ecclesia, com a rubrica “O passado do presente”, dedicada à História da Igreja, o actual Bispo do Porto é conhecido e respeitado no meio cultural pelo diálogo com os diferentes sectores do pensamento intelectual e social.

Fonte : Ecclesia/CEP

© 2009 – Todos os direitos reservados. Publicado em 15 de Dezembro de 2009