Palavras estas que se aplicavam na perfeição à vida de Enrique Shaw, fundador da ACDE, associação congénere da ACEGE na Argentina, cuja fama das virtudes e santidade era evidente entre todos nós.
Por isso, como gestores que somos, definimos a estratégia e procurámos os meios para percebermos se podíamos considerá-lo Santo, se era possível para um empresário ser Santo.
A vida de Enrique Shaw
Henrique Shaw nasceu em 1921 em Paris. Filho de Sara Tornquist e Alejandro Shaw, famílias de alto nível social. O pai de Enrique era representante de um banco argentino em Paris.
Em 1923 deixam Paris e regressam à Argentina onde passados dois anos morre a sua mãe que deixou como última vontade que os filhos fossem educados na Fé católica. Desejo que o Pai cumpriu, embora não fosse católico. Nesse sentido frequenta a escola La Sale, dos padres jesuítas, onde toma um primeiro contacto com o mundo da fé.
Aos 14 anos ingressa na Escola Naval Argentina, onde afirma desde o início a sua postura face à religião, nomeadamente ao rezar todos os dias na camarata, quando isso não era habitual numa Escola onde nem existia missa dominical. Quando saiu da Escola Naval, para além de ter conseguido a celebração regular da Missa aos Domingos, foi considerado o melhor estudante da história da escola e foi aquele que atingiu um posto mais elevado com menor idade. Começava, desta forma simples, a exibir essa capacidade natural de conciliar eficiência profissional com uma intensa vida espiritual.
Casou em 1943 com Cecilia Bunge e tiveram 9 filhos.
Em 1945 foi enviado pela Marinha para a Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, para fazer uma especialização em meteriologia, mas na viagem sentiu que Deus o chamava e lhe pedia para mudar por completo a sua vida, deixando a sua carreira na marinha para passar a ser um simples trabalhador estando mais próximo dos operários.
Começa a ter uma série de reuniões com o Monsenhor Hildenbrand, Bispo de Boston, para dar corpo a essa ideia, mas o Bispo desaconselhou-o vivamente referindo que as suas mãos, embora sendo mãos de trabalho, não eram de operário. Por isso propõe-lhe trabalhar no seu meio, fazendo a evangelização e o desenvolvimento da classe empresarial.
Começou assim a preparar-se intensamente para essa nova missão, continuando os seus estudos de gestão nos Estados Unidos, frequentando Harvard.
Quando regressa à Argentina, é convidado para presidir à Cristalaria Rigolou ficando a gerir mais de 3.000 trabalhadores, procurando sempre a eficiência que dizia ser o dever do empresário. Nessas funções procurou aplicar todas as técnicas de produção aprendidas, mas tendo sempre em conta a promoção da pessoa, reconhecendo que nada é mais valioso que a dignidade de ser filho de Deus.
Em todo o seu trabalho procurou e foi sempre fiel ao seu pensamento “Virtudes do empresário são: eficácia, energia e iniciativa…, o empresário deve ser Cristo na empresa.” É preciso cristianizar a classe patronal argentina. É indispensável melhorar a convivência social dentro da empresa. É muito importante que o gestor da empresa seja acessível. É preciso humanizar a fábrica. Para julgar um operário é preciso amá-lo.“
Em 1952, depois de vários fracassos, funda a associação cristã de dirigentes de empresa ACDE, que rapidamente se integra no movimento mundial da UNIAPAC.
No ano de 1957 foi-lhe diagnosticado um cancro, que aceitou de forma heróica e morre a 27 de Agosto de l962, no mesmo dia do aniversário da morte da mãe.
Da sua vida todos se lembram da noção que parecia esquecido de si mesmo, dando-se plenamente para os que estavam à sua volta, para a família, para a empresa e para os operários a quem considerava amigos.
O caminho para a canonização
O caminho percorrido para conhecer o pensamento de Enrique Shaw, um leigo, casado, pai de nove filhos, empresário católico e muito comprometido com a Doutrina Social da Igreja não é fácil e obrigou-nos a recolher um amplo conjunto de escritos e testemunhos sobre a sua vida.
O empresário santo não é um monge, não é uma pessoa que está só na Igreja, é uma pessoa que caminha pela rua, toma decisões complexas e, por isso, torna o processo de canonização mais difícil de ser aceite pela hierarquia da Igreja, ainda por cima quanto todos os envolvidos são leigos.
O processo foi iniciado em 1997. Passados 4 anos ultrapassamos uma fase importante com a declaração da Igreja Argentina de que Enrique era um servo de Deus. Em Agosto passado, começou o processo de canonização que deixou de ser feito no local onde ele nasceu e passou a ser desenvolvido no Vaticano.
No desenvolvimento deste processo de canonização utilizámos por várias vezes os escritos de João Paulo II onde refere que todo o cristão baptizado deve procurar a santidade, pois ela não é propriedade exclusiva do clero, nem da hierarquia, mas sim o destino de todos aqueles que querem seguir a Cristo. Acrescenta ainda que o papel dos leigos não tem a ver com a vida clerical, nem com a vida eterna da Igreja, mas sim com a renovação e transformação do mundo da cultura e do trabalho.
Reparem que Henrique morreu antes do Concílio Vaticano II, ele profetizou e viveu muito do que o Concílio Vaticano II referiu sobre a vida dos leigos.
Vida empresarial
Enrique tinha o poder de transformar o Evangelho em coisas aplicáveis na sua vida de trabalho.
Aplicava as bens-aventuranças e os mandamentos à sua vida.
Quantos de nós trabalhamos porque acreditamos que os nossos talentos são um dom que Deus nos deu, para utilizar no serviço do bem comum?
Quantos de nós temos noção do chamamento de Deus para sermos co-criadores com Deus na criação do mundo?
O Enrique respondia a todos estas respostas com um sim claro, e provava-o com a sua vida na empresa, como pudemos testemunhar nas inúmeras entrevistas com os operários que trabalhavam para ele.
Todos se lembravam que quando o Enrique Shaw estava a morrer com o cancro, tinha de fazer transfusões de sangue diariamente, e os operários organizavam-se e faziam longas filas para lhe doar sangue. Então o Enrique ficou comovido pela generosidade dos trabalhadores e dizia-se privilegiado, considerando que o sangue dos operários era o sangue de Deus e que todos eles estavam unidos a ele no sofrimento e na morte.
Toda a investigação, tudo o que foi lido e perguntado sobre Enrique, indica que ele viveu uma vida de competência profissional integrada e com entusiasmo na cooperação com o plano criativo do Senhor.
Enrique deixou-nos um amplo conjunto de afirmações sobre a vida empresarial, das quais vos deixo algumas afirmações:
– “Qual é a cruz dos executivos”, a cruz que o executivo tem que levar tem a ver com o tomar decisões, cada um de nós todos os dias tem que tomar decisões muito importantes em relação ao trabalho das pessoas que estão connosco. Temos apoios, temos conselheiros, temos especialistas, temos gerentes que trabalham connosco, mas no momento de tomar a decisão estamos sós, está sobre as nossas costas a tomada de decisão e nós temos que tomar a decisão considerando que não temos que fazer nenhum problema para as outras pessoas, porque ao nosso lado temos uma pessoa igual a nós em Cristo.”
– “Fazer apostolado significa trabalhar com a mente e com todas as nossas forças pelo próximo: sacrificar-se renunciando a tudo, humilhar-se; enfim, rezar, mover-se, afligir-se e chorar pelos irmãos para levá-los até Cristo. Fazer apostolado quer dizer, sobretudo, viver com Cristo, oferecer, agonizar e morrer no mundo com Ele e por Ele…“
– “Temos de entusiasmar, dar ânimo, difundir a convicção de que a crise de hoje está à espera de Jesus. As pessoas apercebem-se de que fora da religião não há solução. Deus serve-se dos males actuais para nos despertar. “
– “Os trabalhadores devem reparar que ganhar dinheiro não é a nossa única preocupação, mas sim o sermos eficientes para lhes assegurar o trabalho”.
– “É um dever fazer prosperar a empresa, mas não unicamente para ganhar dinheiro. É preciso pensar nos homens que trabalham, porque sem dúvida Deus aprecia muito mais os operários. Não ser vulgar com os trabalhadores. Fazer crescer a sua dignidade”.
– “As coisas criadas são o sorriso de Deus, disse Uranius. Os líderes das empresas, quando criam trabalho, não só devem distribuir como também multiplicar os sorrisos de Deus. Então esperemos não monopolizar o sorriso de Deus porque privaríamos o mundo da felicidade. Deveríamos criar riqueza, proporcioná-la às pessoas, aumentar a vitalidade económica, para conseguir de forma ordenada e dinâmica uma economia que é uma das bases da paz social.”
– “Um dia perguntar-nos-ão: Que fizeram, como patrões cristãos, para evitar a descristianização dos operários?”
Vida familiar e social
Mas um Santo não é só um pedaço da vida, o santo é tudo, o santo é na vida empresarial e familiar. O santo é na vida completa, portanto não pode ficar só na parte empresarial.
E Enrique tinha uma parte familiar muito importante onde muito participava, reparem no que ele escreveu “casar-se é não pertencer mais a si mesmo” ou “não toma o homem uma esposa, dá-se a ela.”
O que quero mostrar é que ele não ficava limitado ao trabalho, mas tinha atenção a todos os que estavam ao seu redor. Reparem nesta definição que eu acho muito interessante sobre a vida familiar dele “Deus está contido no amor conjugal. Este amor não se confunde, porém, com o amor a Deus; mas nunca o separa d’Ele. A vida partilhada por marido e mulher floresce, torna-se infinita. É uma oração em comum, uma escola de caridade. No início do matrimónio, o amor conjugal, sendo mais humano e mais sensível e activo, abre o caminho para a caridade. E quantos mais anos decorrem, mais é o amor a Deus a iluminar, guiar e elevar o amor conjugal.”
Mas Enrique não ficou só com a empresa e a vida familiar, também teve muita actividade de aspectos sociais «Devemos ter consciência social dos problemas porque Jesus oculta-se em nós pobres. Ter em conta a repercussão social dos nossos actos, já que diariamente se aplica ou nega a doutrina social da Igreja». Assim participou na criação da Universidade Católica, na criação da Cáritas e de outras organizações ligadas à Igreja Católica. Ele não ficou encerrado no seu ambiente, ele projectou-se para todas as áreas onde estava. Hoje falaríamos para todos os stake-holders, para todos os que estão em redor de nós.
A morte
No dia em que morreu o Padre Moledo ouviu e registou as suas últimas afirmações antes de morrer, sob o efeito de fortes anestesias para aguentar as dores.
“Padre, no entanto a minha situação não é ainda a de Cristo, porque embora eu não soubesse que podia haver dores assim, apesar de tudo eu estou rodeado pelos amigos, e a Ele abandonaram-no. Eu tenho isto a meu favor. Depois, voltando-se para a sua mulher, disse-lhe: Cecília eu não posso mais, eu não dou mais, eu… Façam-me dormir, quero dormir, porque isto é um cansaço, são todos os cansaços juntos, e ficou calado; e passado um bocado dirigiu-se a mim, como ele fazia, com aquele seu gesto, e diz-me: uma boa ideia Padre, oferecer este cansaço por todos os que não se cansam de pecar. Pois é, é uma boa ideia.”
Amigos, estamos perante uma pessoa que nasceu em 1921, morreu muito jovem em 1962, mas em 41 anos de vida fez muitas coisas, e é um exemplo ideal para todos nós leigos, maridos, pais e empresários católicos.
A maioria de nós pensa que para nos santificarmos temos que esperar pela morte, mas na realidade a santificação começa hoje. Na verdade não temos que aguardar o final, temos que ser santos naquilo que fazemos no dia a dia.
Termino convidando todos a assumirem este desafio de procurarem a santificação pessoal e de nos ajudarem neste processo de beatificação, na esperança que Enrique seja canonizado e daqui a pouco tenhamos alguém que faça o interface entre nós e Deus, que é o que todos nós queremos.
Muito Obrigado.